Na época que foi lançado, em abril de 2009, Divã foi a surpresa da temporada — provavelmente o segundo filme brasileiro mais visto no ano depois de Se Eu Fosse Você 2. Ficou várias semanas em cartaz na capitais. A divulgação, modesta, acabou ficando por conta do boca-a-boca. Aos poucos, ia cada vez mais gente assistir. O público não diminuía conforme o tempo passava como nos outros filmes. Teve mais de 1.7 milhões de expectadores.

O filme lida com a autodescoberta de Mercedes (Lília Cabral), uma mulher na casa dos 40, mãe de dois filhos e supostamente bem casada. Ela resolve, no começo do filme, fazer psicoterapia, meio que por curiosidade. Acaba enxergando as coisas com outros olhos, e questionando o cotidiano de sua vida conjugal. Seu marido, interpretado por José Meyer, não entra no cliché do macho opressor. Ele é até um cara legal. Mas Mercedes descobre que o mero fato de se enquadrar aos padrões da sociedade já não é mais suficiente. Ela quer mais.

O enredo vai além de uma espécie de versão feminina d’O Gatão de Meia-Idade  (famoso personagem do escritor e cartunista Miguel Paiva, também autor de Radical Chic). Este processo de autoconhecimento envolve o uso da velha cannabis sativa, baladas, envolvimento com homens mais novos (Reynaldo Gianecchini e Cauã Reymond), perdas, culminando com uma mudança de profissão e de realização pessoal e afetiva .

É difícil encontrar a razão do filme ter feito tanto sucesso. A atuação de Lília Cabral (até então atriz secundária da Rede Globo) talvez tenha sido certamente um dos fatores. Talvez também porque o enredo tenha mexido numa questão relativamente pouco explorada: a sexualidade da mulher às vésperas da menopausa. Pesou, claro, o fato do filme ter sido baseado numa peça teatral de muito sucesso, com mais de 175 mil espectadores ao longo de 150 apresentações. A peça, por sua vez, foi inspirada no livro homônimo de Martha Medeiros, publicado em 2002.

Divã ganhou uma inevitável continuação em 2015 (com atores diferentes) e um seriado “exibido pela TV Globo entre 5 de abril e 24 de maio de 2011, em 8 episódios”. Lília Cabral, Johnny Massaro e o saudoso Paulo Gustavo reprisaram seus respectivos papeis (sobre este último, tudo que ele tocava virava ouro na sétima arte — sua morte prematura foi realmente uma perda irreparável).

Sendo o foco de nossos artigos a coluna vertebral, é exatamente envolvendo ela quando acontece na cena mais engraçada do filme. Mercedes vai para uma balada com a amiga Mônica (Alexandra Richter) e resolve cair na dança pra valer. O esforço foi tamanho que sua coluna lombar travou, deixando a heroína toda antálgica, empenada e torta. Nisso, aparece Theo, o personagem de Gianecchini. Ele havia terminado seu caso com ela algum tempo antes. Mercedes não digeriu muito bem a rejeição e não queria dar o braço a torcer. Afinal de contas, a lombalgia, para a protagonista, é sinal da meia-idade (nada mais distante da verdade, mas lembre-se que estamos falando de uma comédia). Então, Mercedes usa de todos os subterfúgios possíveis para que Theo não note que ela está morrendo de dor. Até recrutar a amiga para dançar juntas com a coluna envergada e de bunda pra cima como se fosse de propósito. A cena é hilária! E, na suspeita opinião deste que vos escreve, vale pelo filme inteiro.

Entretanto, no próximo segmento, Mercedes aparece totalmente recuperada. Teríamos gostado de saber como ocorreu sua melhora: espontânea? Com fisioterapia? Com a ajuda de medicações? Com os “estalos” de um “excêntrico” Quiropraxista? O filme não deixa isso muito claro. Paciência. Não será a última vez que uma comédia vai abordar tão frivolamente uma crise de coluna…

O roteiro é do conterrâneo Marcelo Saback, que também adaptou o texto do livro para a peça. E foi dirigido por José Alvarenga Jr, que esteve à frente de séries televisivas de sucesso como A Diarista, Os Aspones, e Minha Nada Mole Vida, além de Os Normais (o seriado e o filme). O diretor investe na atmosfera narrativa e visual. Até a cena de nudez de Lília Cabral contém uma certa poesia. Alvarenga não cai na armadilha fácil de fazer números de dança gratuitos. Nada mal para um diretor que já realizou Zoando na TV com Angélica e alguns filmes dos Trapalhões no final da década de 80.

Assistam o filme, caros leitores (tá no Prime Vídeo e Youtube). Vale a pena conferir. Recomendamos.