Filmar um denso suspense psicológico sobre bailarinas ensaiando O Lago dos Cisnes de Tchaikovsky não é tarefa fácil para nenhum diretor. Mas Darren Aronofsky tirou de letra. Suas obras anteriores incluem o esquisito π (Pi) (1998), o complexo Réquiem para um Sonho (2000) com Ellen Burstyn, e o tocante O Lutador (2008) — este último, por sinal, reacendeu brevemente a claudicante carreira do astro do anos 80 Mickey Rourke (91⁄2 Semanas de Amor, Coração Satânico).

Nestes últimos anos, Aronofsky construiu uma reputação de extrair de seus atores performances dignas de Oscar™. Burstyn e Rourke receberam indicações; Christian Bale e Melissa Leo levaram o de Melhor Ator e Atriz Coadjuvante pelo O Vencedor (2010); e Brendan Fraser ganhou Melhor Ator pelo A Baleia (2022).

Bebendo da fonte d’A Malvada (1950) de Joseph L. Mankiewicz e Repulsa ao Sexo (1965) de Roman Polanski, Cisne Negro (2010) retrata a estória de Nina, uma obstinada e perfeccionista bailarina, interpretada pela israelense Natalie Portman (O Profissional (1994), Closer – Perto Demais (2005) e episódios I, II e III da franquia Guerra nas Estrelas).

Oprimida por uma mãe dominadora e bailarina frustrada (Barbara Hershey), Nina contempla a chance de decolar sua carreira. Integrante da prestigiada Companhia de Balé de New York, ela vê sua oportunidade surgir quando o diretor Thomas Leroy (Vincent Cassel — este aí figura tarimbada em Itacaré-BA) decide surpreendentemente “aposentar” Beth, sua bailarina principal (Winona Ryder) e escolher outra para fazer o papel do tal cisne negro.

O problema é que a doce e insegura Nina está mais para cisne branco. O papel principal requer uma dose forte de sensualidade e o diretor acha que Nina é reprimida e frígida demais para tanto. Talvez tentando provocá-la (ou querendo tirar uma casquinha), ele a beija e leva uma mordida por isso. De alguma maneira, Leroy muda de opinião e escala Nina para viver o cisne negro.

E é a partir daí que emoções reprimidas e conflitos internos da personagem começam a aflorar. Nina é bombardeada por todos os lados:

  • Sente pena de Beth, que a acusa de conseguir o papel dormindo com o diretor;

  • Convive com o constante assédio de Leroy;

    Pena que o Movimento Me Too só começaria em 2017…

  • Atura a sistemática cobrança da mãe dominadora;

  • E sente atração por sua colega Lily (Mila Kunis — a voz de Meg Griffin de Uma Família da Pesada).

Diante de toda essas pressões, Nina então começa a sofrer surtos psicóticos e ter alucinações a ponto de não conseguir distinguir o que é realidade e o que é fruto de sua imaginação. Natalie Portman consegue expressar com maestria o desespero da personagem de tentar segurar o que resta de sua sanidade. É aterrorizante o espiral de loucura que a acomete.

Nina se dá conta de que Lily, sua suplente, é mais livre e solta, e tem mais a ver com o cisne negro do que ela própria. E aí, além da síndrome do impostor, bate também um baita complexo de perseguição. Estaria Lily querendo roubar seu papel, ou seria Nina tentando reprimir sua atração pela colega?

Cisne Negro foi o filme de abertura do Festival de Veneza 2010. Custou 17 milhões e arrecadou quase 330 milhões mundialmente. Foi votado um dos dez melhores filmes de 2010 pelo American Film Institute. Natalie Portman levou o Globo de Ouro por Melhor Atriz Dramática e, franca favorita, faturou o Oscar™ de Melhor Atriz pelo papel. Cisne Negro também recebeu indicações para Melhor Filme, Melhor Fotografia, Melhor Edição e Melhor Diretor.

Portman viria a ser indicada novamente por outro filme dirigido por Aronofsky: Jackie (2016). Sim, o homem tem sangue doce para premiações.

Dito isso, caros leitores, a pergunta que resta é: que relação tem este filme com a Coluna da Coluna? Afinal de contas, os artigos postados por aqui têm sempre algo a ver com problemas de cunho neuromusculoesquelético, correto? Vamos lá, então:

O trabalho que envolve o balé é penoso e extremamente dolorido. É tudo sobre superação — das leis da gravidade, da dor e da vida pessoal. As articulações do calcanhar, joelho, quadril e coluna são expostas à cargas incríveis. Bailarinos e bailarinas têm que buscar a perfeição a qualquer preço. Faz parte da profissão. E é uma das muitas angústias da personagem principal do filme, que almeja viver um impecável cisne negro.

Pois é. Numa curta cena no último terço do filme, Nina está sendo tratada por uma terapeuta. Sua profissão nunca é dita, mas, ao julgar pela manipulação óssea que a profissional realiza nas costelas e calcanhar da personagem, tudo indica que seja Quiropraxista. As técnicas são parecidas demais para pertencerem a qualquer outra profissão.

Interessante, não? Assistam e confiram.