Exceto por aquela lombalgia persistente, a vida finalmente estava indo como Ed Dubois queria. Após anos e anos a fio trabalhando como detetive particular, preparava metodicamente sua aposentadoria. Iria passar os restos de seus dias numa casinha à beira de uma baía na paradisíaca Miami só jogando golfe e curtindo a patroa. Problemas? Só mesmo as dores lombares que não davam trégua. Às vezes chegavam a ser incapacitantes. Enchiam o saco mesmo. Mas, tirando isto, tudo bem.

Aí apareceu aquela ligação telefônica. Um colombiano que contava uma história inacreditável. O sujeito, milionário, foi forçado a transferir seus bens para três fortões da academia onde malhava. Deu queixa na polícia? Sim, mas ninguém acreditava nele. Ed ficou intrigado e curioso com este caso. Resolveu investigar.

O que descobriu foi mais inacreditável ainda. E só contando este causo pelo começo.

Daniel Lugo, mesmo recém-saído da prisão por estelionato, empenhava-se no seu trabalho. Era personal trainer de uma academia de Miami. Depois que ele entrou lá o negócio prosperava as mil maravilhas. Mas Lugo não se conformava. Por que andava sempre apertado? Afinal de contas, era um cara disciplinado. Cultuava seu corpo. Era dono de um físico invejável. Bem mais superior do que esses clientes flácidos e gordos que se gabavam de possuir carrão, casarão, mulheres e muito dinheiro.

Lugo era bom de papo. Conseguiu convencer seu colega Adrian Doorbal e também Paul Doyle (este último um igualmente recente ex-presidiário com viés religioso). O plano era simples: raptar um dos clientes e convencê-lo a passar todos seus bens nos nomes dos fortões. O tal colombiano foi escolhido a dedo.

Os caras não eram lá muito inteligentes. O plano era estapafúrdio. Depois de sete (isso mesmo, sete) tentativas para raptá-lo, o trio finalmente conseguiu. Foi aí que a coisa começou a sair do controle. Acharam que tudo seria fácil, na mais santa burrice. A vítima resistiu. Foi mantida prisioneira por um mês, torturada com choques elétricos e queimada por cigarros. Acabou pedindo arrego e fez o que pediram. Assinou tudo.

Mas, como havia reconhecido um dos sequestradores, sua sorte estava selada. Encheram o cara de cachaça por três dias com a ideia de simular um acidente em que ele estaria bêbado no volante. Não deu certo. Decidiram então botar fogo no carro. O colombiano abriu a porta do carro e saiu. Resolveram então atropelá-lo. Depois de várias tentativas, finalmente conseguiram. Passaram por cima do pobre coitado duas vezes. Dado como morto, os fortões deram o fora. Mas o colombiano sobreviveu.

Por ter dado entrada no hospital bêbado como um gambá, ninguém deu muita trela para sua absurda história. A polícia nem sequer investigou. Aí, desesperado e sem um tostão furado, resolveu ligar para o Ed Dubois do primeiro parágrafo.

Entre um espasmo muscular e outro, o detetive raciocinou que, se o trio de fisiculturistas conseguiu sucesso nesta sucessão de trapalhadas, não demoraria muito até se aventurar numa outra. Afinal de contas, os meliantes não pareciam ser lá muito inteligentes. Dito e certo.

Só que desta vez o tiro saiu pela culatra. Injetaram doses cavalares de tranquilizante nas novas vítimas, que acabaram morrendo. Aí resolveram cortá-las em pedacinhos, colocaram os restos mortais em barris e jogaram num rio. Mas a polícia estava agora mais esperta. Os fisiculturistas estão presos até hoje, exceto Doyle, que colaborou e teve sua sentença reduzida. Até o colombiano acabou cumprindo pena por fraude (num outro processo).

Tudo isso realmente aconteceu entre 1994 e 1995. O caso foi relatado numa série de artigos publicados no jornal Miami New Times entre dezembro de 1999 e janeiro de 2000. Tais artigos serviram como base do filme Sem Dor, Sem Ganho (Pain & Gain, 2013).

Dirigido por Michael Bay, mais conhecido pela franquia Tranformers, o filme é uma comédia de humor negro à la Fargo (1996). Só que de verdade. Bay se sai muito bem na empreitada. Mark Wahlberg faz o papel de Lugo; Anthony Mackie (o atual Capitão América) o de Doorbal; e Dwayne Johnson está ótimo como o bronco Paul Doyle. Tony Shalhoub (da série Monk) faz Victor Kershaw, na verdade uma combinação de duas vítimas do trio de fortões.

A história “transita entre a comédia e o trágico — ambos por culpa da completa imbecilidade do trio que, sem qualquer traço de inteligência, é capaz de realizar grandes trapalhadas, todas com consequências desastrosas”. (…) É uma história basicamente estúpida, sobre gente não muito esperta se envolvendo num plano rocambolesco que, desde o início, não demonstrava muita chance de dar certo.

Em entrevista, Ed Dubois afirma que o filme deixa muita coisa de fora, e “reconhece que a história (por si só) não é engraçada, principalmente porque pessoas morreram, mas diz que é difícil fazer um filme sobre ela sem ver o humor, por mais sombrio que seja“.

E falando nele, até onde sabemos, o detetive aposentado continua trabalhando fazendo consultoria, tocando sua empresa e compondo música country — quando a coluna permite, supostamente (que falta um Quiropraxista não faz…).