O que é, afinal de contas, um exame operador-dependente?

Radiografias, ressonâncias magnéticas e tomografias são como fotos internas dos pacientes. Exceto talvez por uma questão de posicionamento aqui ou acolá, não há como contestar um bico-de-papagaio ou uma hérnia de disco, por exemplo. Eles estão lá e qualquer exame em qualquer lugar dará o mesmo resultado. Nesses ditos exames, o técnico que opera o aparelho adquire as imagens do paciente de uma maneira completa e automática. Cabe ao radiologista avaliar essas imagens e posteriormente laudar o exame. Se acaso outro profissional discordar do laudo por deixar de lado algum detalhe importante, esta “falta” pode ser “corrigida” — mas sempre posterior à realização desses tipos de exame de imagens.

Há exames, porém, cujos resultados podem variar — dependendo de quem os operam. Exames como estes são chamado, portanto, de “operadores-dependentes”:

  • Vejam por exemplo o duplex scan ou ecodoppler vascular. Trata-se de uma técnica computadorizada que possibilita ao médico identificar alterações nas artérias e veias. (…) O procedimento é feito da mesmo modo como se faz uma ultrassonografia normal. (…) O profissional que conduz o ecodoppler vascular utiliza um transdutor que capta as imagens (…).” E é justamente através dessas ondas ultrassonoras emitidas na corrente sanguínea que são gerada essas imagens — igualzinho a ultrassonografia. Porém, diferentemente dela, “o duplex scan é muito mais preciso e fornece resultados mais abrangentes”. Abdômen, coração, rins e tireóide podem ser analizados, “a depender do objetivo do exame” — que, além da boa qualidade do aparelho, exige competência de que o executa. Por isso, é operador-dependente.

  • A Densitometria Óssea é considerada o exame padrão-ouro para o diagnóstico e acompanhamento da osteoporose. Não é invasivo: feixes de raios-X (“com 2 níveis diferentes de energia e baixa exposição radiológica”) permitem estudar a massa óssea em qualquer local. “(…) as medidas são, geralmente, corrigidas pela
    área do osso adquirido, de acordo com as variáveis do tamanho, sendo os resultados expressos em g/cm2”. Programas de computador “com fórmulas e valores pré-definidos” são utilizados para correlacionar “os dados obtidos através das imagens produzidas no momento do exame”. Quantificam-se então os resultados (usando os escores “T”e “Z”) de acordo com a faixa etária, levando “em consideração média e desvios-padrão da DMO (Densidade Mineral Óssea), resultando no fornecimento do diagnóstico a partir do que preconiza a OMS (Organização Mundial de Saúde)”.

    Parece exato, mas não é. Apesar de “apresentar tecnologia suficiente para a constatação dos sítios de interesse”, a incorreta calibração do aparelho ou sua “má execução no momento do exame pode gerar valores de DMO errôneos que poderão sub diagnosticar ou implicar em um tratamento excessivo e precoce do paciente”. Ou seja, depende também da capacitação do profissional que a opera. E por isso, é operador-dependente.

  • A Eletroneuromiografia (ENMG) “é um dos testes neurofisiológicos mais importantes no diagnósticos das chamadas doença do sistema nervoso periférico (que inclui doenças do neurônio motor inferior, radiculopatias, plexopatias, neuropatias, doenças da junção neuromuscular e miopatias)”. O exame é o resultado da avaliação conjunta de 2 etapas “distintas e complementares: estudo de condução nervosa (ECN- eletroneurografia) e estudo da atividade muscular com eletrodo de agulha (eletromiografia-EMG)” — este último muito usado em clínicas de Quiropraxia particulares no Estados Unidos.

    A eletroneurografia é a mais demorada e mais detalhada das etapas. “Ocupa cerca de 90% do tempo total do exame.” Baseia-se “em estímulos elétricos intermitentes nos nervos periféricos dos membros” (seguro, inofensivos e em geral bem tolerados pelos pacientes). “(…) captados através de eletrodos de captação nos músculos (nervos motores) ou em áreas cutâneas sensitivas (nervos sensitivos)”, geram potenciais que, processados pelo aparelho e “transformados em respostas através de ondas, (…) serão avaliadas num computador pelo médico eletroneuromiografista durante (e após) o exame”.

     Na eletromiografia, estuda-se “uma amostra de músculos previamente selecionada”, inserindo “um eletrodo de agulha especial no (dito) músculo do paciente”. Aí documenta-se “a atividade de repouso (com paciente relaxado) e a resposta muscular durante a contração voluntária (paciente realiza contração do músculo examinado) — o chamado padrão de recrutamento motor”.
    A eletroneuromiografia pode ser realizada “de forma distinta e ter inclusive resultados diferentes a depender do médico que o realiza e o local onde foi  feito; sendo portanto o ideal realizar o procedimento com um especialista  da confiança do seu médico assistente e no local indicado por ele;  pois dessa forma,  o procedimento tenderá a ser mais útil ao médico assistente em questão” — portanto, operador-dependente.
    Alguns anos atrás atendi uma paciente com fibromialgia que estava processando o banco onde trabalhou. Foi indicada por este tal banco para fazer uma avaliação com um ortopedista que desbancou suas reivindicações exame por exame. Argumentou que degeneração discal e hérnia de disco não eram sinônimos de dor. E alegou justamente a questão “operador-dependente” para desacreditar a eletroneuromiografia. O profissional estava obviamente servindo os interesses do banco, mas o que ele falou fazia total sentido — mesmo com resultados devastadores para esta paciente…
  • A ultrassonografia é um exame interessante, no sentido de que ela é provavelmente a única dessas modalidades que depende exclusivamente da presença do médico. Este contato direto com o paciente faz com que o profissional tenha oportunidade de investigar sua história clínica mais de perto e dirigir o exame de uma maneira mais concisa para assim chegar a um diagnóstico adequado.
    Como no seu “primo rico” (o duplex scan mencionado acima), é necessário um transdutor. As imagens só são obtidas quando o profissional passa o transdutor de ultrassom pela parte do corpo em questão. De acordo com a Quiropraxista Radiologista, Dra. Inger Roug, DC, DACBR (durante o curso de Imagenologia dos MMSS promovido pelo IDQUIRO), é imperativo que o profissional saiba como posicionar, por onde passar o aparelho (o transdutor tem que estar paralelo ou perpendicular à estrutura em questão) e como interpretar as imagens. Portanto, é um exame que pauta por talento e habilidade. E não pode deixar escapar nenhuma informação relevante. Se isso ocorrer, diferentemente da radiografia, ressonância magnética e tomografia computadorizada, a chance de outro colega não notar uma possível falha técnica é enorme — daí o fato da ultrassonografia ser um exame extremamente “operador-dependente” (ou neste caso, médico-dependente).
    Pouco da ultrassonografia é efetivamente ensinada nas faculdades de medicina. Claro, existe especialização em Radiologia e Diagnóstico por Imagem. Mas os estudos da Tomografia, Radiologia Convencional e Ressonância, Medicina Nuclear são bem mais abrangentes do que a ultrassonografia. “Consequentemente os outros especialistas saem sem noção do alcance do ultrassom no Diagnóstico Médico e sem saber inclusive como solicitar o tipo de ultrassom indicado para aquele paciente”.

    Não obstante, a ultrassonografia é e continua a ser um exame extremamente importante com óbvias vantagens. É seguro. Pode ser realizado sem risco biológico. Não possui radiação ionizante (que, em excesso, “pode induzir câncer no adulto, e principalmente nas crianças e (…) levar a alterações genéticas do feto”). É bem mais barato do que, por exemplo, uma ressonância magnética. É portátil, dependendo do aparelho. Pode potencialmente ser feito em qualquer lugar. E é dinâmico, “conseguindo em algumas situações avaliar condições de funcionamento momentâneo de algumas partes do corpo” (Fonte: Projeto de Lei 7708/2010 — que reconheceu em 2010 a ultrassonografia como especialidade médica). Mas é, sim, operador-dependente.

Ainda assim há críticos dentro da medicina. Este estudo, por exemplo, relata por meio de uma pesquisa, a desconfiança médica acerca de exames operadores-dependentes — particularmente em relação a “hipervalorização desses exames (ultrassonografia e eletroneuromiografia) (…) nas disputas litigiosas e (…) na busca de afastamentos do trabalho junto à instituição previdenciária”. E revela:

  • Que “cerca da metade (44%) dos reumatologistas não confia no resultado do exame de US para o diagnóstico da tendinite”;

  • Que “a grande maioria (87%) não considera esse exame indispensável para tal diagnóstico”;

    “Precisamente 1/3 dos reumatologistas não confiam no resultado de ENMG para o diagnóstico de radiculopatia ou neuropatia periférica de membro superior, e exatamente 2/3 dispensam tal exame complementar para efetivar tais diagnósticos”.

  • Que “cerca de 3/4 (73%) dos reumatologistas apontam que esses dois exames complementares não são determinantes para a conclusão diagnóstica”;

  • E que os próprios reumatologistas, apesar de reconhecerem a validade dos exames, questionam a competência de quem os fazem. E declaram “a necessidade de melhor preparo dos executores desses exames”.

Um dos autores do estudo acima, o renomado reumatologista Milton Helfenstein Jr, fez um alerta em declaração a Revista Brasileira de Ortopedia e Traumatologia que ultrassonografias e eletroneuromiografias fornecem, “frequentemente, resultados falso-positivos. Tal fato deve-se à baixa qualidade dos equipamentos, ao indevido manuseio técnico, ao curto tempo dispensado à execução dos exames e a falta de conhecimento de anatomia funcional e regional pela maioria dos operadores”. Particularmente em relação aos estudos eletroneuromiográficos, resultados falso-negativos estão entre “10 e 15%”, de acordo com o Dr. Halfenstein. “Entretanto, no nosso meio, os achados falso-positivos têm sido de ocorrência extremamente comum. (…) Cumpre salientar que muitas variáveis interferem na condutividade do nervo mediano: obesidade, dimensões do túnel, temperatura das mãos, entre outros. Uma possível interferência na rede elétrica do local onde o exame é realizado, a competência do operador e a qualidade do equipamento são fatores decisivos. Diversos estudos científicos demonstraram que a condutividade diminui com a idade, independentemente da existência de sintomas e, além disso, demonstraram que os resultados das eletroneuromiografias variam intensamente. Diversas são as causas desta síndrome, entre as quais destaca-se a idiopática, por sua alta prevalência na população em geral”, salienta o reumatologista.

O problema é basear a diagnose somente nos exames complementares — principalmente nos que são “operadores-dependentes”. Para Helfenstein, isto “pode trazer consequências indesejáveis, particularmente para os profissionais médicos que têm o hábito de transferir a responsabilidade do diagnóstico para tal exame complementar, desprezando a propedêutica médica” (ver Artigo 141).

Opiniões à parte, ressalte-se que o objetivo deste artigo não é desmerecer nem esculhambar os exames operadores-dependentes, e sim de chamar a atenção para um maior escrutínio na escolha e na recomendação do profissional capacitado que os fazem (como sabiamente explicou a dra. Roug) — e também de procurar não se basear e depender tanto assim destes exames.

Cabe a nós, Quiropraxistas:

  • Pesquisar clínicas de imagens que contem com profissionais competentes;

  • Indicar esses lugares aos pacientes que porventura necessitem fazer esses importantes exames;

  • E saber comunicar a eles o motivo dos possíveis resultados díspares de alguns desses exames de imagens.

Porque, lá do lado de lá, nestes tempos de planos de saúde, o que vemos tristemente em alguns minutos de atendimento médico é a troca da anamnese, do detalhado histórico familiar e do exame físico por um diagnóstico baseado quase que exclusivamente nos exames complementares. Adicionado às variáveis descritas neste artigo, contribui-se então para perpetuar o problema. “O estado clínico do paciente é muito  mais importante do que suas imagens”, costumava dizer a dra. Peg Seron, DC, DACBR — outra Quiropraxista Radiologista que inspira este escriba.

Afinal de contas, a palavra “complementar” já diz tudo: serve para eliminar possibilidades, tirar dúvidas e ajudar a fechar a diagnose. O resto é com a gente.