Planos de saúde não cobrem Quiropraxia. Muitas vezes por isso, o paciente se dispõe a nos consultar somente quando nada mais dá certo. E já traz consigo um arsenal de exames. Tudo bem, nos últimos anos, detectamos uma sutil mudança: as pessoas começaram a nos procurar, não como última, mas como a primeira escolha.

Ainda assim, o arsenal de exames persiste. “Há uma questão cultural no país que resulta na solicitação de exames em excesso. Há uma visão coletiva da nossa sociedade de que toda pessoa com dor musculoesquelética necessita de uma ressonância magnética”, de acordo com o Dr. William Jacobsen, ortopedista preceptor e pesquisador do HC-FMUSP. Os pacientes tendem a não valorizar os médicos que não pedem exames.

Claro que esta questão cultural não é exclusividade do Brasil. Mas está longe de abranger o mundo todo. “Em alguns países do mundo, os protocolos de investigação são restritos a quem apresenta sinais de maior gravidade ou dor persistente a fim de evitar exames desnecessários que geram custos proibitivos ao sistema de saúde”, esclarece Dr. Jacobsen.

No Brasil, especialistas em saúde musculoesquelética confirmam que há excesso de pedidos de exames de imagem, principalmente ressonâncias magnéticas. O oposto do que as diretrizes científicas atuais mundiais recomendam. Ao sentir uma dor mais intensa nas costas, nos ombros ou em outra região do corpo, as pessoas costumam ir ao pronto-socorro onde, frequentemente, são submetidas a exames e até a procedimentos que, segundo estudos recentes, poderiam ser evitados e são desnecessários. (…) Menos de 4% dos casos de dor musculoesquelética são graves a ponto de justificarem a realização de exames.”

De fato, cerca de 60% dos pacientes com dor musculoesquelética crônica relatam buscar médicos especialistas como profissionais de primeiro contato no Brasil, de acordo com pesquisa publicada em 2017 no Journal Pain Research and Management, — onde a primeira triagem deveria ser feita com os clínicos gerais, fisioterapeutas e (por que não?) Quiropraxistas.

Os mais procurados para o manejo de dor crônica são ortopedistas (25%), seguidos por especialistas em dor (14%), reumatologistas (12%), neurologistas (10%) e clínicos gerais. Aproximadamente 8% dos entrevistados relataram não ter acompanhamento médico.

Sim, médicos e fisioterapeutas brasileiros têm se unido para mudar essa prática que eles acreditam ser ineficaz e cara. Mas internacionalmente a questão dos exames excessivos tem tido lá suas ramificações:

  • Segundo um estudo publicado no British Journal Of Sports Medicine, “1 em cada 4 pacientes da atenção primária e 1 em cada 3 pacientes que chegam com dor lombar em serviços de emergência, são submetidos a exames de coluna desnecessários. Apenas os casos considerados graves, conhecidos como bandeiras vermelhas e que representam até 4% desse total, deveriam ser checados através de tomografias ou ressonâncias magnéticas, conforme as melhores práticas preconizadas mundialmente.”

  • “Um outro estudo divulgado em 2011 na revista Radiology pelo Dr. David Larson, médico radiologista do Hospital Infantil de Cincinnati, nos Estados Unidos, mostra que o número de crianças submetidas a tomografias computadorizadas quintuplicou entre 1995 e 2008”. Tudo bem, o dileto leitor pode argumentar que as doses de irradiação são pequenas. Mas não exatamente irrelevantes.

  • Gilbert Welch, médico americano, professor da Escola de Medicina de Dartmouth e autor do livro Overdiagnosed (Diagnosticado em demasia, numa tradução livre), alerta que não é discutido entre o médico e o paciente se determinado tipo de tratamento “trará benefícios ou se provocará efeitos colaterais que podem ser piores do que os desencadeados pela irregularidade detectada” (ÉPOCA, 25/04/2011). Welch é contra a realização excessiva de exames. Para ele, a maior parte dos exames de rastreamento (os check-ups) não tem razão de ser. Trata-se daqueles “que os médicos nos pedem em consultas de rotina, ainda que tudo pareça estar bem com nossa saúde”.

    “De acordo com estimativas publicadas por Welch, a cada 1.000 mulheres de 50 anos submetidas à mamografia durante dez anos, apenas uma conseguirá detectar e tratar um câncer que a mataria. Entre 250 e 500 receberão resultados imprecisos, sugerindo (…) tumor. Metade passará por uma biópsia. (…) Entre cinco e 15 mulheres encontrarão o câncer mais cedo, mas a detecção precoce não impedirá que ele se desenvolva. Na prática, elas só ganharão anos a mais de preocupação — e de menor qualidade de vida. Entre duas e dez mulheres serão tratadas desnecessariamente, porque o câncer nunca evoluiria” — é ficar entre uma proverbial panela e frigideira.

    Argumentos similares deste autor tentam desbancar também o exame preventivo de próstata. “Com o envelhecimento, é normal que surjam pequenos tumores. A maior parte deles demorará tanto tempo a se desenvolver que não oferecerá risco de morte. (…) Os cientistas aprenderam que níveis elevados (de PSA) estão associados a presença de tumores. O problema é que o exame é impreciso. (…) Para Welch, as imprecisões são tantas e a possibilidade de um tumor grave tão pequena que é melhor, simplesmente, correr o risco e não fazer o exame de PSA”. O reumatologista americano Nortin Hadler, professor da Universidade da Carolina do Norte e autor do livro The Last Well Patient (O Último Paciente Saudável), reitera: “Os homens precisam saber que há uma chance de 15% de sofrer de incontinência urinária e de 30% de se tornar sexualmente impotente por causa da retirada da próstata, que é o tratamento-padrão para este tipo de câncer”.

    Exames rotineiros como radiografia do tórax, mamografias, ultrassonografia do abdome, densitometria óssea e exames de próstata não conseguem, de acordo com Welch, “diferenciar entre os tumores com potencial para crescer e se tornar letais e aqueles não perigosos”. Estes últimos são chamados de não progressivos, cuja evolução é lenta. “Minha profissão exagerou os benefícios da detecção precoce e ignorou os perigos da prevenção precoce”, afirma. Soa como heresia, não é?

Claro, seria irresponsável simplesmente afirmar que determinado tratamento poderia causar mal-estar, mutilações, impotência sexual ou incontinência urinária. Questiona-se também a origem dessas informações bombásticas. Por essas e por outras, muitos médicos não estão exatamente em sintonia com os pensamentos do dr. Welch. “Exagero não é fazer exames, mas achar que eles podem fazer mais mal do que bem. Exagero é deixar de descobrir doenças que podem matar”, rebate o cirurgião oncológico Ademar Lopes, diretor do departamento de cirurgia pélvica do Hospita A.C. Camargo, em São Paulo — com a autoridade de ser um dos que cuidaram do falecido ex-vice presidente José Alencar.

Por outro lado, nem tudo é preto no branco. Welch defende a ideia que é justificado realizar “exames em pessoas que tenham queixas, sintomas ou histórico familiar de alguma doença”. Mas questiona o porquê da avaliação médica (o exame clínico e a anamnese) ter se tornado, de repente, subjetiva e imprecisa. Planos de saúde pagam honorários baixos aos médicos. Estes, por sua vez, limitam o tempo de atendimento e pedem mais exames. Isto onera os planos de saúde, que, para segurar custos, mantém os honorários num patamar reduzido.

Entretanto, há muita gente na comunidade médica que apóia as idéias de Welch. “Um grupo cada vez mais ruidoso de especialistas tem se levantado contra a realização excessiva de exames”. Hadler preconiza “a necessidade de redefinir o conceito de saúde — da ausência de anormalidades, como parecem entender os médicos hoje em dia, ao ‘sentir-se bem’, mesmo que isso signifique conviver com anomalias”.

Rafael Alaiti, fisioterapeuta especialista em dor, mestre e Ph.D pela Universidade de São Paulo, e CEO da Tato, startup de fisioterapia e gestão de cuidado, voltada para o atendimento de empresas, operadoras e autogestoras de saúde, vai um pouco mais adiante: “além do gasto igualmente desnecessário, essa prática tende a levar à realização de cirurgias. Estudos observacionais evidenciaram que os pacientes com dor de coluna que fazem ressonâncias desnecessárias têm 50% mais chance de evoluir para uma cirurgia de coluna e mais do que dobram o custo do seu tratamento.”

E aí entra a questão dos planos de saúde. De acordo com uma pesquisa da Datafolha, 92% dos 160 mil médicos credenciados reclamam que as operadoras interferem nos diagnósticos e nos tratamentos dos pacientes (Jornal Medicina do CFM; Março/2011).

Há também queixas de baixos honorários. Como geralmente planos de saúde que pagam abaixo da tabela por consulta, o jeito então é inchar a agenda para poder manter um consultório economicamente viável. Não é incomum atenderem um paciente a cada 15 minutos. Como fazer um exame clínico e uma entrevista decente neste tempo tão contido? A solução é o quê? Pedir exames! E como isto tem sido feito!

Tal prática virou lugar-comum nos consultórios e virou febre mundial. Com o litígio correndo solto nos Estados Unidos, os médicos, para se defenderem de possíveis processos, pedem mais exames do que o paciente realmente necessita.

O argumento é que, ao menor sinal de anormalidade, todo mundo acaba sendo tratado. Depois de “esmiuçar o conteúdo de artigos científicos” (quais?), Welch conclui que “os benefícios não superam os riscos dos efeitos colaterais”.

Percebem o ciclo vicioso? Teria o doutor Gilbert Welch razão?

Nos Estados Unidos, essa necessidade de mudança inspirou a campanha Choosing Wisely, promovida pela ABIM Foundation (American Board of Internal Medicine Foundation) — com um braço no Brasil — e baseada em pesquisa publicada na Harvard Medical School e Beth Israel Deaconess, que sugere justamente uma revisão da eficiência clínica de determinados exames e tratamentos e promove uma comunicação mais ampla entre médicos e pacientes.
Alinhada com o Choosing Wisely, a Associação Americana de Quiropraxia (ACA) elaborou algumas diretrizes em relação a “5 testes e procedimentos muito usados, mas nem sempre necessários, no tratamento de Quiropraxia”:
  • 1. Na ausência de sinais de alerta, não solicitar imagens da coluna vertebral (radiografias) para pacientes com dores lombares agudas durante as seis semanas posteriores ao aparecimento da dor.

  • 2. Não solicitar imagens da coluna vertebral repetidas para monitorar o progresso dos pacientes.

  • 3. Evitar o uso prolongado ou contínuo de tratamentos de terapia física passiva ou paliativa (como calor, frio, estimulação elétrica e ultrassom) para dores lombares, a menos que apoiem os objetivos de um tratamento ativo.

  • 4. Não proporcionar gerenciamento de dor a longo prazo sem uma detecção ou avaliação psicossocial para possíveis transtornos psicológicos relacionados, especialmente a depressão e a ansiedade.

  • 5. Não prescrever suportes ou cintas lombares para o tratamento a longo prazo ou a prevenção das dores lombares.

Ocorre que a Quiropraxia é uma profissão muito heterogênea e segue algumas vertentes filosóficas um tanto quanto diversas entre si. E venhamos e convenhamos, radiologia e Quiropraxia caminham juntas desde os seus primórdios. Sendo a cerne da profissão o ajustamento de articulações, naturalmente muitos de nós vamos querer ver em que estamos mexendo — isso sem falar na prática da espinografia. Não à toa, a vasta maioria das clínicas americanas de Quiropraxia possuem seu próprio aparelho de raio-x.
E, voltando ao começo deste artigo, já fazem alguns anos que não somos mais vistos como último recurso. Muitas vezes somos a primeira escolha do paciente. Isto, apesar de ser muito positivo para a profissão, por outro lado cabe a nós, desta vez, solicitar os exames necessários.
Pessoalmente, em nosso consultório, temos optado primeiro a chegar numa hipótese diagnóstica viável usando somente o exame clínico (análise do histórico, anamnese e exame físico). Uma lombalgia, afinal de contas, pode ter causas variadas e é possível diferenciá-las, na maioria das vezes, somente pelo exame clínico. Com base nesta suposição, damos início ao tratamento adequado.

Agora, se ao cabo de duas ou três semanas o paciente não obtiver uma resposta favorável, aí então solicitaremos os exames — para entender melhor o problema e saber qual a real perspectiva de melhora. Esta conduta pode parecer paradoxal, já que damos cursos de Imagenologia. Mas é na anamnese e no exame físico que se determina o tratamento. Os exames complementares foram feitos para tirar dúvidas. E, na sua maioria, os resultados provavelmente terão pouca influência em mudar o plano de tratamento, como apontam alguns estudos.

No livro Better Doctors, better patients, better decisions (Médicos melhores, pacientes melhores, decisões melhores, sem edição no Brasil), compilado pelo psicólogo Gerd Gigerenzer, do Instituto Max Planck, em Berlim, “diferentes especialistas propõem a necessidade de que os pacientes questionem a necessidade de exames e tratamento”. Porque “sentir dor não é indicativo para se fazer exames de imagem”, declara Rafael Alaiti. Dr. William Jacobsen acrescenta que, para reduzir o número de solicitações de exames e também o de cirurgias desnecessárias, deve-se procurar o hospital apenas em casos de urgência. Isto evita expor desnecessariamente os pacientes a doses de irradiação (ainda que mínimas) e economiza gastos de um procedimento que só vai ajudar a retratar o óbvio. Sim, exames devem ser solicitados, mas somente quando necessário.

“Embora a dor lombar inespecífica, sem causa detectável, seja responsável pela maioria dos episódios de dores nas costas, a indicação de exames de imagem são recomendadas pela literatura científica apenas para os pacientes cujos casos são considerados na saúde como bandeiras vermelhas, como suspeita da existência de tumores ou fraturas da coluna vertebral, deficiências neurológicas como radiculopatia, síndrome da cauda equina, infecção ou aneurismas da aorta, que representam, segundo Alaiti,”‘entre 1% a 4% dos casos'”. Welch avisa ainda que é imperativo realizar “exames em pessoas que tenham queixas, sintomas ou histórico familiar de alguma doença”.

E também, segundo o Dr. Jacobsen, “pacientes com a presença de sinais de alarme como dor associada a febre, perda de peso, déficit neurológico, antecedente de câncer ou imunossupressão, necessitam de cuidado médico precoce para investigação e tratamento. Já aqueles sem a necessidade de suporte analgésico maior, com ausência de sinais de alarme e que não tenham dores que persistam por longos períodos, podem ser tratadas sem essa investigação adicional”.

Essas ideias não vieram sem um grau de discussão. Alguns até as consideram controversas, radicais e provocativas — com certeza atraíram um sem-número de detratores. Mas ideias como essas fazem a gente pensar. Sacodem a poeira. Fazem-nos refletir “sobre os limites dos exames e os benefícios reais de tratar anormalidades”. E, como já dizia a saudosa escritora Lya Luft, “pensar é transgredir”!