Olha quanto tempo já faz…
No dia 14 de janeiro de 2001, foi exibido nos Estados Unidos o 10º episódio da 12ª temporada d’Os Simpsons intitulado “Mãe Coruja”. Nele, Homer Simpson “trava” sua coluna (ver resenha completa do episódio e transcrição dos diálogos no Artigo 7). Com fortes dores, e atrás de medicação, o patriarca da família visita seu médico, o doutor Julius Hibbert. O clínico o indica para um Quiropraxista. Seu singelo argumento é que “a medicina moderna tem um péssimo histórico de tratar as costas. Gastamos tempo demais na parte da frente”.
Gozações, sátiras e paródias à parte, esta afirmação pode até fazer sentido. Parte do motivo é que a coluna vertebral, adaptativa por natureza, se comporta de maneira relativa e subjetiva. Sua única constante é a relativa inconstância.
Por exemplo, os sintomas de uma hérnia discal num segmento específico irão se manifestar de maneira diferente, dependendo do indivíduo. Haverá até pessoas que não sentirão dor alguma, mesmo sofrendo de tal “mal” — que, por incrível que pareça são maioria.
E também o conceito de dor varia de acordo com a fisiologia de cada um. Existem fatores musculares, psicológicos e até culturais a serem considerados. Portanto, não é suficiente simplesmente detectar um problema de coluna. O quadro clínico de cada indivíduo tem que ser avaliado.
Talvez por causa deste poço de incertezas, relatividades e probabilidades que compõe a nossa coluna vertebral, esteja aí a razão, num âmbito geral, dos números reduzidos de médicos que, de fato, lidam diretamente com esta tão singela estrutura.
Mas como assim, “reduzidos”? E quanto aos ortopedistas e neurologistas? Sim, caros leitores, estes competentes profissionais dedicam-se a combater afecções que incluem as da coluna vertebral. Apesar de serem muitos em números absolutos, estatisticamente fazem parte de uma seleta minoria.
É o que diz um estudo até então inédito apresentado pelo Conselho Federal de Medicina (CFM) no mês de novembro de 2011, intitulado Demografia médica no Brasil: dados gerais e descrições de desigualdades compõe um completo “censo (…) de médicos especialistas e generalistas” deste nosso país (Jornal Medicina – dez/2011).
“Por meio do cruzamento dos dados registrados pelos conselhos regionais de medicina — que compõem a base do CFM — pela Comissão Nacional de Residência Médica (CNRM) e pelas sociedades brasileiras de especialidades médicas, reunidas na Associação Médica Brasileira (AMB), o censo traz, pela primeira vez, uma radiografia com percentual de especialistas no país, distribuição pelas regiões e unidades da Federação e outros dados, como perfil de acordo com idade e sexo”.
O estudo, claro, tem sido atualizado com alguma regularidade. Chegou a sua 4ª edição em 2018 e a mais nova edição (pelo menos até o momento que este artigo foi reescrito) em 2023, foi “a primeira produzida em parceria entre a Associação Médica Brasileira (AMB) e a Faculdade de Medicina da USP (FMUSP), no mais completo estudo já realizado sobre a realidade dos médicos em todo o país”.
De acordo com o estudo de 2011, “o Brasil (contava) com aproximadamente 55% de médicos especialistas e 45% de generalistas” — este último, todo médico que concluiu a faculdade de medicina, mas não fez especialização (não confundir com o clínico geral, que fez residência em clínica médica).
Já em 2022, este número cresceu: “62,5% dos profissionais em atividade no país. Os demais 37,5% eram médicos generalistas, ou seja, sem titulação em nenhuma especialidade”. Em números absolutos, o “total de registros de médicos titulados no país chega a 495.716, o que representa 84% a mais em relação aos 268,2 mil registros existentes em 2012”.
E este estudo “projeta que país chegará em 2035 com mais de 1 milhão de médicos; médicas declaram renda 36% anual inferior que os colegas homens” — que “são maioria em 36 das 55 especialidades médicas e as mulheres predominam em 19 delas. As especialidades mais ‘femininas’ são Dermatologia, Pediatria, Alergia e Imunologia, Endocrinologia e Metabologia e Genética Médica. As especialidades mais ‘masculinas’ são Urologia, Ortopedia e Traumatologia, Neurocirurgia, Cirurgia Cardiovascular e Cirurgia do Aparelho Digestivo”. A mulherada é vasta maioria em Dermatologia (77,9%), Pediatria (75,6%), “Alergia e Imunologia e Endocrinologia e Metabologia, ambas com 72,1%”.
Maioria ou minoria, ainda ganham um terço a menos do que os colegas do sexo masculino, ressalte-se. Mas sigamos adiante…
Até 2022, tínhamos no nosso país 495.716 especialistas:
Se somarmos as últimas 7 titulações desta lista (que, afinal de contas, interessam diretamente a nós, Quiropraxistas), chegamos a 14,5% dos especialistas com alguma capacidade potencial de identificar, diagnosticar, e até de tratar problemas da coluna vertebral (uma diminuição dos 15,26% em 2011). Por nem todos seus pacientes sofrerem, efetivamente, de problemas de coluna, este percentual pode ser ainda menor.
Notem que as 8 especialidades com maior número de registros de especialistas (Clínica Médica, Pediatria, Cirurgia Geral, Ginecologia e Obstetrícia, Anestesiologia, Ortopedia e Traumatologia, Medicina do Trabalho e Cardiologia) “representam mais da metade (55,6%) do total” das titulações.
Notem também que “um segundo grupo, de cinco especialidades — Oftalmologia, Radiologia e Diagnóstico por Imagem, Psiquiatria, Dermatologia e Medicina de Família e Comunidade — soma 14,4% do total de especialistas. Assim, 13 das 55 especialidades médicas existentes no Brasil reúnem 70% dos registros de especialistas”.
“No período entre 2012 e 2022, algumas especialidades como Clínica Médica, Medicina de Família e Comunidade, Radiologia e Diagnóstico por Imagem, Medicina Legal e Perícia Médica, Cirurgia de Mão, Medicina de Tráfego, Angiologia, Geriatria, Cirurgia de Cabeça e Pescoço, Neurologia, Genética Médica e Mastologia pelo menos dobraram o número de especialistas”.
“Outras 15 especialidades se destacaram, com crescimento entre 80% e 100%. São elas, Ortopedia e Traumatologia, Cirurgia Vascular, Endocrinologia e Metabologia, Cirurgia do Aparelho Digestivo, Dermatologia, Reumatologia, Patologia, Nefrologia, Medicina Intensiva, Medicina Esportiva, Cirurgia Geral, Endoscopia, Psiquiatria, Infectologia e Oftalmologia”.
Resultado: apesar do crescimento expressivo das profissões em negrito acima, nossa coluna vertebral e demais problemas de cunho neuromusculoesquelético, como bursites, tendinites, fascites, fibromialgias (e etecéteras), ainda não alcançam uma representação muito abrangente neste censo — considerando os 80% da população que têm ou já tiveram algum tipo de dor na coluna.
Ainda assim este percentual em termos absolutos representam médicos cujos números, na sua maioria, estão muito, mas muito mais além da totalidade de Quiropraxistas com formação universitária no Brasil.
Com tudo isso, vale uma reflexão (usando como corruptela a máxima do dr. Hibbert no 1º parágrafo): por quanto tempo mais a profissão médica irá continuar a passar tempo de menos na parte de trás?