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— Artigo 209 —

Artigo 209 – O Ajuste da Girafa

Por |2024-05-09T18:38:38-03:0009/05/2024|Categories: Coluna da Coluna, Curiosidades, Quiropraxia|

Quiropraxia Veterinária aqui no Brasil Quiropraxistas não podem exercer. É do escopo exclusivo dos veterinários. A prática ainda engatinha, os cursos são um pouco deficitários — a maioria uma adaptação de técnicas feitas em seres humanos. Carece de cursos mais específicos.

Nos Estados Unidos, porém, dependendo do estado, Quiropraxistas podem, sim, ajustar animais. Alguns estados, como Washington, Wisconsin e as duas Virgínias, a prática é sumariamente proibida. Mas, desde 2016, 20 estados americanos permitem o ajustamento — muitos deles por indicação ou supervisão de um veterinário.

As diretrizes da AVMA (American Veterinary Medical Association) “recomendam que é o veterinário quem deve examinar um animal e estabelecer um diagnóstico primário antes de iniciar qualquer tratamento alternativo, como Quiropraxia”. Eles entendem a nossa profissão como “tratamento complementar e alternativo” (curiosamente, a Quiropraxia Veterinária “não é reconhecida pela American Chiropractic Association como Quiropraxia”).

Ainda assim, para nossos colegas americanos efetivamente ajustarem animais, é necessário certificação — oferecidas por duas agências na América do Norte: a AVCA (American Veterinary Chiropractic Association) e a IVCA (International Veterinary Chiropractic Association). O profissional tem que passar por um programa culminando com exame escrito e clínico. No consultório, tal e qual um ser humano, o bicho passa por uma avaliação biomecânica e neurológica da coluna e extremidades. Observa-se postura e marcha. Além da coluna e extremidades, o ajuste também pode ser feito nas suturas cranianas. Há quem seja especializado apenas em cavalos: os chamados “Quiropraxistas Equinos”. Tudo muito bem definido.

Mas há alguns poucos estados que têm uma política menos restritiva em relação à Quiropraxia Veterinária — como, por exemplo, Oklahoma. E é lá que clinica o Dr. Joren Whitley, DC. Dono de uma concorrida clínica em Edmond (uma cidadezinha de pouco menos de 100 mil habitantes), ele lá atende seres humanos e animais. Dr. Whitley tem ganhado notoriedade internacional graças a seus vídeos ajustando animais no TikTok. um deles em particular foi uma sensação recentemente: o ajustamento de uma simpática girafa — visto até agora mais de 48 milhões de vezes.

Tudo começou cinco anos atrás quando Missy Nowell, uma criadora de gado da raça Texas Longhorn (bois e vacas com chifres bem grandes), resolveu pegar pra criar uma girafinha de dois meses que havia sido rejeitada pela mãe. Nowell, fã de animais exóticos (possui também uma zebra e três camelos — um deles amicíssimo da “girafinha”), construiu um galpão especialmente para acomodar o filhote (que ela batizou de Gerry). Pois Nowell amamentou o “bichinho” por dois anos e brinca que ele agora está “mimado demais”. De fato, Gerry é bastante afetuoso e gosta muito de atenção.  A girafa (ou o girafa) “ama todo mundo — (…) é um cachorro num corpo bem grande,” diz sua dona. Um cãozinho de mais de uma tonelada.

Um parêntese: em alguns estados dos Estados Unidos é legal criar girafas e outros animais exóticos. De fato, Nowell, após comprar Gerry de um parque de safari de vida selvagem do Texas, passou a frequentar classes e seminários promovidos por zoológicos e grupos de conservação das girafas para aprender mais sobre esses bichos que são os mais altos do mundo — cujo habitat natural está ameaçado por secas e conflitos humanos (estimam-se que hajam apenas 117 mil exemplares no continente africano).

Pois foi justamente num desses eventos, que Missy Nowell soube do trabalho do Dr. Whitley. Ela notou que Gerry não estava mastigando direito e resolveu pedir a ajuda dele. Nosso Quiropraxista não pensou duas vezes: pulou no carro e dirigiu por duas horas até a fazenda dela num pequeno vilarejo de 24 mil habitantes nos confins de Oklahoma.

Outro parêntese: além de ser uma celebridade das redes sociais, Joren Whitley, DC, é também um profissional extremamente qualificado. Possui um bacharelado em Bioquímica e Biologia Molecular da Oklahoma State University. Durante este período ele trabalhou como técnico de laboratório no Instituto Nacional de Perícia Microbiana e Biossegurança Alimentar e Agrícola — além do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos. Sua paixão por Quiropraxia veio depois de formado, quando se machucou enquanto trabalhava em construção. Tratado por um Quiropraxista, melhorou e decidiu seguir carreira, formando-se em abril de 2016 pela Parker University of Chiropractic. Algum tempo depois, após ter obtido seu certificado em Quiropraxia Veterinária, começou a prestar serviços no Zoológico da Cidade de Oklahoma e outros santuários de animais e safaris — além de, claro, atender seres humanos na sua clínica (incluindo aí o grupo de balé da Cidade de Oklahoma e o pessoal da torcida do Oklahoma State University).

Dr. Whitley pôs-se então a examinar o pescoço e a articulação temporomandibular de Gerry (no estado de Oklahoma, indicação veterinária não é necessária). A ATM da girafa “tinha boa amplitude de movimento em uma direção, mas não tinha a mesma amplitude de movimento no outro lado. (…) não estava movendo para a esquerda”, explicou numa entrevista ao Washington Post. Encontrou também “problemas menores no pescoço superior e inferior”. O animal, porém, não parecia sentir dor ou incômodo. O Quiropraxista “aplicou pressão em (algumas) áreas ao redor da ATM e pescoço (da girafa) para ajudar a restaurar movimento nas suas articulações”. E gravou tudo. O bichão, muito dócil, fez um chamego nele quase como se fosse um agradecimento. Pronto. O frisson foi geral. Quebrou a internet. “Tratar um pescoço de girafa é o sonho de qualquer Quiropraxista”, disse. “É o pescoço mais longo do mundo”.

Uma curiosidade: por incrível que pareça, a girafa (como a vastíssima maioria dos mamíferos — incluindo o homo sapiens) tem somente 07 vértebras no pescoço. Só que cada uma é do tamanho de uma bola de futebol.

Desta subclasse de animais vertebrados (ver Artigo 47), somente distoa o peixe-boi (6 vertebras cervicais), o tamanduá e o bicho-preguiça (8 ou 9).

“Não é muito comum, mas eu tinha esse desejo de ajudar ambos”, relata o Quiropraxista. “Um humano pode dizer ‘eu tenho esse problema — isso aqui é o que doi’, mas um animal não pode.” O interessante da Quiropraxia Veterinária é que ela meio que elimina os efeitos não-específicos do tratamento da equação (como o placebo — ver Artigo 27). Um dos motivos que D.D. Palmer ajustava animais lá pelo começo do século 20 era justamente para desmentir críticas que Quiropraxia se beneficiava do efeito placebo. E de fato, testemunhar um animal se recuperar de limitações causadas por uma hérnia discal em sessões de ajustamentos é Quiropraxia pura, simples e depurada.

Incidentalmente, Missy Nowell relatou que os ajustamentos parecem ter dado certo porque Gerry voltou a mastigar normalmente. “Eu descreveria como uma resposta positiva imediata”, disse.

Apesar da doçura e da meiguice da girafa, a verdade é que os bichos não costumam aceitar assim de mão beijada estes ajustamentos, não. Numa outra entrevista com o Business Insider, Dr. Whitley, falando com a autoridade de já ter tratado cachorros, gambás, cavalos, ursos, chimpanzés, búfalos, leoas, tigres, touros, cobras, morcegos, outras girafas (e até uma galinha), alerta que todos esses animais têm um ponto em comum: não gostam de ser ajustados. A maioria fica agressiva porque o ajuste da coluna causa dor “e aproximadamente 90% já estão com dor por estarem sendo tratados por algum tipo de lesão” e “eu estou tocando em todas as áreas que doem”. Apesar de parecerem dóceis, até as girafas podem ser perigosas para tratar. São extremamente fortes e podem causar danos com os cascos e cornos (ossicones).

Nosso Quiropraxista disse nesta entrevista que alguns dos posicionamentos de ajuste vistos em outros vídeos na internet (como os do “osteopata e quiroprata” alemão Murat Colak (outra sensação das redes sociais) “são incomuns no tratamento de Quiropraxia e os sons dos estalos podem ter sido exagerados”. O pessoal “chega no consultório e espera que eu dê uma chave de pescoço no cachorro (e) espera que ocorra um estalo (gigantesco) e (também) espera que o cão seja gentil e calmo e tudo, mas eles trazem um cachorro (que) está com dor”. A reação do totó pode ser bem mais inesperada do que aqueles olhos arregalados dos TikToks do alemão. Dr. Whitley ressalta não ter a intenção de criticar os colegas, mas quer que a população tenha uma ideia do que esperar quando trazer seu pet para tratar com Quiropraxia.

Por ser uma celebridade, as pessoas tendem a pensar que os honorários do Dr Joren Whitley são proibitivos. Mas o Quiropraxista Veterinário cobra US$ 60,00 por uma consulta e US$ 40,00 por sessão subsequente (para animais de grande porte, US$ 100,00) em contraste dos 250€ que Colak cobra para “tratamento/massagem canina” (mais ou menos US$ 265,00). Uma diferençazinha boa.

À propósito, quando o Insider entrou em contato com Colak para responder às declarações do Quiropraxista americano, um assessor seu disse que “não responde a comentários ‘motivados por ciumeiras’ e que as colocações do Dr. Whitley eram ‘falsas'”.

É. Às vezes o bicho pega no metiê da Quiropraxia Veterinária.

Sobre o Autor:

Iury Borges Rocha formou-se Quiropraxista em 1996 pelo Palmer College of Chiropractic, em Davenport, Iowa - EUA. É também bacharel em Ciências pelo Palmer e tem Licenciatura em Comunicações pelo Scott Community College, em Bettendorf, Iowa, EUA. Atende em Ilhéus-BA e região. Atual Diretor Acadêmico e palestrante internacional da FLAQ e do IDQUIRO, já exerceu o cargo de Tesoureiro da ABQ e foi o primeiro Coordenador do programa de Quiropraxia da Feevale. Escreveu cerca de 300 artigos num período de cinco anos sobre diversos assuntos para o hoje extinto jornal Diário de Ilhéus — sempre tendo a coluna vertebral como pano de fundo.

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