Pois bem. Quase nove anos atrás, a revista semanal ÉPOCA (19/03/2012) fez uma resenha sobre um jovem de 18 anos campeão sul-americano de cubo mágico. O rapaz pegou gosto pela coisa, começou a treinar quatro horas por dia, e conseguia montar o tal cubo em apenas sete segundos. “Não existe treinador no cubo mágico. Você treina sozinho”, afirmava. De qualquer maneira, superou mais de 80 participantes, sagrou-se campeão, e ganhou uma bela lesão por esforço repetitivo. “Treinei tanto que meus dedos começaram a doer, a ponto de eu ter de ficar com a mão em repouso durante alguns dias”. Teria sido o primeiro caso de tenossinovite, ou síndrome do túnel do carpo causado por um cubo mágico?
Já que estamos falando de frivolidades, a mesma edição da ÉPOCA também traz uma matéria sobre uma coqueluche que tomou conta do Rio de Janeiro e São Paulo no começo da década passada: carrinhos de cachorros ao invés de carrinhos de bebês. A “novidade”, que chegou a custar a bagatela de 450 reais na época, vinha com amortecedores e almofadas para o bicho não enjoar e ainda tirar uma pestana. Porque, afinal de contas, a vida é dura — um proverbial osso duro de roer.
A empresária Margareth Monteiro, que lançou o equipamento no Brasil diz ter sofrido rejeição no início. As pessoas, no entanto, foram compreendendo “porque hoje em dia cachorro não é mais bicho, é um membro da família”. A moda pegou depois que a apresentadora Ana Maria Braga apareceu com um carrinho na televisão. Xuxa andou também saracoteando com um. Mas não é só pelo luxo, não.
O tal veículo seria “ideal para cães velhos (…), com doenças motoras, dores na coluna, problemas no coração e filhotes (…)”. Uma das entusiastas retratada na matéria da revista diz que “muita gente pensa que é frescura, mas minha cadela (…) precisa do carrinho porque tem um problema na bacia e não pode andar muito”. Ah, bom.
Então animais podem sofrer de dores de coluna? Tudo indica que sim. Corria o ano 2000 durante as Olimpíadas de Sydney, na Austrália. Já era dada como certa a medalha de ouro de hipismo para Rodrigo Pessoa. Seu cavalo, Baloubet du Rouet, estava em ótima forma. Mas refugou três vezes na hora de pular um obstáculo. Pessoa acabou ficando com o bronze. Na época, uma distensão lombar foi apontada como causa pela hesitação do cavalo na hora do salto. O cavalo não pulou porque estava com dor de coluna. A lombalgia do equino custou Rodrigo Pessoa uma medalha de ouro.
No ser humano, a coluna é composta de 24 vértebras: sete cervicais, doze torácicas e cinco lombares.
As sete vértebras do pescoço são comuns a quase todos os mamíferos, exceto pelo peixe-boi, o bicho-preguiça-de-dois-dedos (com seis), o tamanduá (com oito) e o bicho-preguiça-de-três-dedos (com nove).
Já o cachorro tem sete vértebras cervicais, 13 torácicas e seis lombares (o gato possui sete). A maioria dos problemas de coluna de um canino está localizada entre T13/L1, de acordo com a veterinária Paula Rocha, mestra em Ciência Animal com especialização em radiologia e acupuntura. “É comum encontrarmos artrose durante toda a extensão da coluna de um gato idoso, com 15 anos de idade. O cavalo pode vir a sofrer de compressão cervical, bem como de instabilidade no quadril”, completa.
A doutora Paula Rocha afirma que o segmento entre T13 e L1 é o de maior instabilidade nos cachorros. Uma lesão neste local (por exemplo, uma hérnia de disco) pode provocar incontinência urinária e deambulação. O dachshund, mais popularmente o basset, seria a raça mais afetada por este problema. Mas displasia coxofemoral pode aparecer em várias raças, entre elas rottweilers, labradores, husky siberianos, pastores alemães e akitas. Cauda equina pode causar sérias sequelas neurológicas no pastor alemão, pastor belga, husky siberiano e akita. Hérnia de disco cervical ocorre muito na raça tipo yorkshire. Os bichinhos ficam se contorcendo e ganindo de dor. Dá pena ver.
Isso nos remete a figura do Quiropraxista Veterinário, cuja atividade vem crescendo exponencialmente ao redor do mundo. Por incrível que pareça, a prática é antiga. D.D. Palmer usava a Quiropraxia Animal para desbancar o suposto efeito placebo que acusavam nossa profissão de somente ser. De qualquer modo, a atividade é completamente reconhecida e regulamentada em mais de 40 estados nos Estados Unidos.
Mas, por ora, e até que a bengala para cachorro seja inventada, o jeito é se virar com o que a gente tem. Por isso, caros leitores, antes de esculhambarem uma madame andando por aí se exibindo com um carrinho de cachorro, saibam que o totó pode estar sofrendo de sérias dores de coluna. Ou de velhice. Ou de excesso de juventude.
Ou talvez, quem sabe, seja um pouco por frescura mesmo.