Celebrando o artigo de nº 180 do Coluna da Coluna, aproveito aqui para compartilhar com vocês o absoluto primeiríssimo artigo que publiquei a respeito desse assunto no jornal local de minha cidade, o saudoso DIÁRIO DE ILHÉUS, nos idos de 2008. Nele, se faz patente a inexperiência dos meus então 28 anos com pouco mais de 2 anos de formado. Mesmo que muita coisa ainda reverbere, quanto já não aprendi desde então… Portanto, perdoem a ingenuidade desta entusiasmada resenha. Eis aqui pois, sem mais delongas, a 1ª COLUNA DA COLUNA!!
Desde que o Homo Sapiens conseguiu a proeza de andar ereto, apareceram também as dores de coluna, afetando 80% da população mundial.
O fato, porém, é que andar ereto foi diferencial para a nossa espécie. Acredita-se que por isso nosso cérebro se desenvolveu tanto. E tudo graças a lordose lombar, que, por sinal, é exclusiva à raça humana. Mas isto veio com um preço. E este preço é que nossa coluna tem que estar o mais próximo do biomecanicamente ideal possível para que não tenhamos problemas.
A coluna vertebral, vista de perfil, não deveria ser reta. Tem que haver quatro curvas fisiológicas (02 lordoses e 02 cifoses) para que sirvam como uma espécie de mola (auxiliadas, é claro, pelos 23 discos intervertebrais). A intenção é amortecer. As cifoses são curvas posteriores, desenvolvidas ainda quando feto. São elas as cifoses torácica e sacral. As lordoses são curvas anteriores. E a gente não nasce com elas. É no importante ato de engatinhar que desenvolvemos as lordoses cervical e lombar.
No Brasil, as lordoses são freqüentemente referidas nos meios médicos como uma coisa ruim. Mas na realidade o problema não são as lordoses em si, mas a diminuição ou aumento delas, as chamadas hipolordoses ou hiperlordoses. Em suma, ao desviarmos da biomecânica ideal da coluna como descrito acima. A hipolordose proporciona uma carga excessiva no disco. E pode ser causada por falta ou insuficiência de engatinhar, fatores genéticos, etnia, trauma como fratura compressiva de uma vértebra lombar, ou até postura incorreta. A vasta maioria dos casos de hérnia de disco são nos “hipolordóticos”. A hiperlordose tem mais a ver com fatores genéticos e etnia, e é um pouco menos nociva que a hipolordose, apesar de causar aumento de carga nas articulações zigapofiseais, podendo gerar eventualmente um processo de artrose, chegando até a estenose do canal vertebral.
Nos equilibramos constantemente, portanto, numa linha meio tênue, regida pela ditadura do “biomecanicamente ideal.” Qualquer desvio desta utopia biomecânica predispõe a gente a ter problemas de coluna. É o preço a pagar por andarmos eretos.
Por outro lado, a coluna, com suas 24 vértebras (mais o sacro, o cóccix e a pelve) e seus mecanismos de compensação, tem lá sua linha de defesa. A nossa coluna vertebral é mestra na arte do improviso. E para isto voltamos nossos olhos novamente para uma de suas principais funções: a locomoção. As cidades se desenvolveram há menos de 10.000 anos, e nossa carga genética é anterior a isso, na época em que o ser humano não estava no topo da cadeia alimentar. Definitivamente não era interessante ficar imobilizado com dor de coluna à espera de predadores. Então a coluna criou um meio de defesa um tanto quanto negativa, é verdade, mas eficaz para manter-nos ambulatórios. Enquanto um segmento vertebral “trava” ali, ela compensa com uma escoliose ou hipermobilidade acolá. Nos casos mais severos, causa antalgia, em que a pessoa fica “empenada” para amenizar a dor. E vai tocando a vida pra frente.
A coluna tem pelo menos 10 funções definidas e protege-as a todo custo. Destas, destacam-se 03: suporte, locomoção e proteção.
A coluna, além de proteger a medula, serve como uma espécie de fronteira para a saída das raízes nervosas que eventualmente compõem os nervos espinhais. Grande parte destes nervos que saem do pescoço formam o plexo braquial, que dão origem aos nervos que vão pros braços. E boa parte dos nervos da região lombossacra formam os plexos lombar e sacral que dão origem aos nervos que vão para as pernas, entre eles o famigerado nervo ciático. Imagine aí um desnivelamento de alguma vértebra “pinçar” uma destas raízes nervosas. Um “beliscão” que causa fortes dores, a ponto de só ter idéia quem já teve. E acreditem, várias mulheres relatam que preferem parir a sentir este tipo de dor radicular.
Curiosamente, o ciático se resume a nada mais do que uma união de dois nervos: o tibial medialmente e o peroneal comum lateralmente. Estes, por sua vez, se separam atrás do joelho e dão origem ao popliteal medial e ao popliteal lateral. O ciático também não é o único nervo que irriga os membros inferiores. Outros, como o nervo femoral, o obturador ou o lateral cutâneo ficam relegados a segundo plano. Não obstante, generaliza-se todo nervo pinçado como o ciático. E ele acaba ficando com todo o crédito (ou a culpa).
Portanto, no intuito de proteger a medula espinhal e os 31 pares de raízes nervosas que se originam dela, a entidade “coluna” (composta por 24 vértebras, 01 sacro e 01 cóccix) comete todo o tipo de atrocidades:
Por fim, de certa maneira, escraviza-nos com aquela ditadura do ideal biomecânico. E quando este ideal é comprometido, improvisa-se vários tipos de desvios para preservar as três funções de suporte, locomoção e proteção.
Contudo, a intenção é somente ganhar tempo, porque eventualmente o desvio daquele ideal biomecânico mais cedo ou mais tarde vem cobrar a fatura. E por causa desta nossa predisponibilidade a ter problemas de coluna, surgiram ao longo do tempo várias modalidades de tratamento. Manipulação vertebral e acupuntura, por exemplo, existem há mais de 5.000 anos — culminando, desde 1895, com a alta especificidade da Quiropraxia
Esta é ao mesmo tempo a maravilha que é a coluna vertebral e a razão porque 80% da humanidade tem ou já teve problemas de coluna — nosso ônus e bônus. Mas, pelas vantagens, e havendo possibilidade de escolha, poderíamos realmente ter trilhado por outro caminho?