Como Quiropraxistas, crises de coluna fazem parte do nosso dia-a-dia clínico. Uma lombalgia intensa, por exemplo, quase sempre não ocorre sem aviso prévio. Sim, são sinais que o corpo nos manda avisando que algo está errado e que precisa ser tratado — tal qual a luzinha do console do carro que nos alerta de algum problema com o motor. Fisiologicamente, nossa “luzinha” é dor. E quando este sistema de alarme passa a irradiar para a perna, isso significa que, neurologicamente falando, a coisa chegou num nível mais complicado.

É importante, portanto, prestar atenção a esses sinais. Porque uma crise ciática pode aparecer inesperadamente e num momento bem inconveniente — como antes de um compromisso importante, uma viagem ou um projeto.

Agora, imaginem, no caso de um cantor, uma crise violenta de lombalgia com ciática aparecer antes de uma apresentação com milhares de ingressos já vendidos? Aconteceu com Roberto Carlos, Bono Vox do U2 e (pasme!) Wesley Safadão!

  • Roberto Carlos é unanimidade nacional. Nascido em Cachoeiro de Itapemirim (ES) no dia 19 de abril de 1941, tornou-se o cantor brasileiro que mais vendeu discos no mundo inteiro — mais de 120 milhões de cópias. O Rei também é notório sofredor de T.O.C. (Transtorno Obsessivo-Compulsivo), a ponto de se recusar a cantar um de seus primeiros sucessos Quero Que Vá Tudo Pro Inferno, pronunciar palavras negativas como “mal”, e fugir da cor marrom.

    Pois é. No final de 2009 o cantor deu um piripaque na coluna. A versão oficial da sua assessoria foi que Roberto Carlos teve “uma contratura muscular causada pelo esforço físico e excesso de trabalho nas últimas semanas”. Cioso de sua privacidade, não se sabe o mecanismo exato de como o Rei machucou sua coluna lombar.

    Cogitou-se até em cancelar a gravação do tradicional “Roberto Carlos Especial” que vai ao ar na Rede Globo todo fim de ano — fato que só acontecera em 1999, com a morte de sua esposa, Maria Rita. O programa seria gravado no dia 10 de dezembro no Ginásio Ibirapuera, em São Paulo. Seu ortopedista aconselhou repouso absoluto por, no mínimo, dois dias. E o entupiu com “analgésicos, antiinflamatórios e relaxante muscular”. Aparentemente, surtiu efeito. O show acabou sendo gravado no dia 15, e foi ao ar no dia 25 de dezembro.

    Entretanto, o ano de 2010 não foi muito legal para o nosso Rei Roberto. No dia 17 de abriu, aos 96 anos, morreu a mãe do cantor, Laura Moreira Braga, a eterna “Lady Laura”. Ele se encontrava numa turnê no exterior em comemoração aos seus 50 anos de carreira, e teve que interrompê-la para comparecer ao funeral. A notícia o abalou profundamente.

    Mesmo tendo reassumido seus compromissos profissionais, seus percalços estavam longe de acabar. Após uma apresentação na Cidade do México, a dor lombar voltou para atazanar sua vida. E desta vez, impedindo o Rei de ficar em pé por muito tempo. Dois shows foram adiados em maio por causa da lombalgia.

    E aí, no final de 2010, outra crise apareceu — desta vez quando andava de moto e “o obrigou a ficar sentado durante quase toda a apresentação no dia 25, na praia de Copacabana”. Para conseguir tal feito, “ele fez fisioterapia e tomou ‘litros de analgésico‘”. Pouco mais de 2 meses depois, no Carnaval de 2011, o Rei tinha que estar pronto para desfilar porque era tema da escola de samba Beija-Flor. Muitas “sessões intensivas de fisioterapia e musculação” depois, conseguiu desfilar e a escola sagrou-se campeã.

    Na opinião profissional deste humilde escriba, o problema, que deveria ter sido solucionado adequadamente em 2009, voltou com carga total em 2010. Pela lógica, se não houver tratamento preventivo, bem provável que iriam ocorrer reincidências. Não se sabe se houve outras crises depois daquele fatídico ano. Será que o Rei chegou a tentar Quiropraxia?

  • O irlandês Bono Vox, vocalista da banda de rock U2, músico, ativista, filantropo e empresário teve sua crise nos idos de 2010. Houve uma forte compressão no nervo ciático, o que causou, de acordo com o neurocirurgião Joerg-Christian Tonn, “uma paralisia parcial na parte inferior da perna”. Foi necessário, portanto, fazer cirurgia de emergência: uma microdiscectomia endoscópica, em que um tubo passa por um corte de 2 centímetros sem necessidade de dissecar a musculatura. Remove-se umas lasquinhas de lâmina e voilà — o canal espinhal é visualizado através do tubo por magnificação de alta potência e o fragmento discal, removido. Em 6 semanas, o paciente pode resumir praticamente toda a sua atividade. Deve ter dado certo porque durante a retomada do “360° Tour”, Bono correu, trotou, dançou e nem parecia um homem de então 50 anos recém-saído da cirurgia (menos de dez semanas). É, mas para ter tido este tipo de progresso, o vocalista da U2 afirma que fez quatro horas de fisioterapia por dia. Ou seja, realizou um excelente e árduo trabalho de reabilitação.

    Segundo o empresário da banda, Paul McGuinness, o período que Bono ficou parado acarretou em 15 milhões de dólares de prejuízos para a banda, “mas metade da quantia foi coberta por seguros”. De acordo com McGuinness, foi enormemente complicado reagendar os shows nos E.U.A., “mas pouquíssima gente pediu reembolso, e a maioria dos shows estão (com ingressos) esgotados”, afirma. A etapa norte-americana acabou ficando para 2011. De qualquer maneira, estima-se que o faturamento final do “360° Tour”, que começou em 2009 em Barcelona (batizado assim por causa de um enorme palco circular arrodeado pela platéia), tenha ficado em torno de 650 a 700 milhões de dólares — em valores da época.

    Durante o show do dia 06 de agosto, em Turim, na Itália, Bono agradeceu seu público pelas cartas e e-mails torcendo por sua recuperação. “Esta banda é como uma família. É um negócio familiar, o U2. Eu sou o filho pródigo, eu gostaria de agradecer meus irmãos por sua paciência”, disse.

    A decisão de submeter o cantor a uma cirurgia partiu do renomado ortopedista Hans-Wilhelm Müller-Wohlfahrt, tomada com base nos resultados de uma ressonância magnética. “Dei-me conta de que não havia outra opção a não ser uma operação cirúrgica”, afirmou. Médico oficial do time alemão Bayern de Munique e autoridade mundial em medicina esportiva, é também conhecido por seus métodos pouco ortodoxos como usar uma substância extraída da crista de galos para “lubrificar o joelho e aliviar a dor”, ou injetar sangue de bode ou bezerro para tratar lesões musculares.

    “A cirurgia era a única maneira de ele se recuperar completamente e evitar paralisia no futuro”, salientou o Dr. Tonn. Os dois profissionais que trataram de Bono são, indiscutivelmente, autoridades competentes em suas respectivas áreas. Ainda assim, sobressai a impressão que a decisão cirúrgica foi tomada um tanto rápida demais e com uma pitada de alarmismo. Será que um tratamento conservador não teria surtido efeito semelhante? A pressão para voltar à turnê não teria falado mais alto?

    Sim, porque, vale salientar que, mesmo com o excelente trabalho dos neurocirurgiões que operaram Bono, sua incrível recuperação deve-se ao fato de ter realizado reabilitação intensiva. Alongamento, fisioterapia e exercícios específicos e aplicados para o problema em questão são tão importantes quanto a cirurgia. Isso não pode ser enfatizado o suficiente — e é justamente o que é frequentemente negligenciado durante a recuperação do paciente. Reabilitação deve ser priorizada porque ajuda a prevenir reincidências. Afinal de contas, nenhuma cirurgia, invasiva ou não, reforçará a estrutura muscular da coluna. A musculatura paravertebral e abdominal representam a síntese da sustentação da coluna vertebral — e nestes tempos de sedentarismo devem ser devidamente trabalhadas.

    Paira a dúvida se a cirurgia endoscópica percutânea não teria sido mais indicada, já que nela a lâmina fica relativamente preservada. Esta consiste na utilização de videolaparoscopia para atingir a área afetada. Faz-se uma incisão de cerca de 0,7 centímetros na região lombar, insere-se uma cânula até a região e injeta-se uma solução de soro e antibióticos. A anestesia é local, a taxa de infecção pós-operatória não chega a 1% e o paciente pode receber alta no mesmo dia. Considerado o maior especialista neste tipo de procedimento, o neurocirurgião Gun Choi, do Wooridul Spine Hospital, na Coréia do Sul, afirma que “com essa técnica podemos retirar o tecido da parte posterior do disco inflamado e aliviar a dor do paciente”, e até prevê que, no futuro, pode ser até utilizado em outras situações como “a reconstrução da estrutura entre as vértebras com a utilização de células-tronco”. Mas na época, o procedimento era relativamente novo, até então inédito no Brasil, e havendo sido apresentado durante o 6º Simpósio Internacional de Cirurgia Minimamente Invasiva da Coluna em São Paulo em 2009.

    Desconhece-se também se houve alguma reincidência com Bono.

  • O cantor Wesley Safadão, por sua vez, andou às voltas com dores incapacitantes na coluna em 2022 — a ponto de ter que cancelar apresentações durante as Festas Juninas e depois. Mesmo com uma atividade profissional que exige muito fisicamente, as dores aparentemente começaram depois de um estalo durante um inofensivo banho. Sinais o corpo havia dado. Parece que “o histórico de compressão em dois discos intervertebrais, (…) descoberta há quatro anos, (…) apresenta uma variação anatômica congênita conhecida como vértebra de transição”. Isso predispõe o desgaste prematuro do disco, mas há outro fatores. Segundo o médico ortopedista Daniel Oliveira, cirurgião de coluna vertebral, “as principais causas da hérnia são as atividades diárias, os vícios posturais, traumas, má postura ao dormir e no dia a dia, além dos altos níveis de estresse”.

    De qualquer modo, o procedimento cirúrgico foi feito em julho — e uma nova recaída aconteceu em setembro. O ortopedista ponderou que uma das formas mais inovadoras de tratamento cirúrgico em casos de hérnia de disco teria sido a cirurgia endoscópica da coluna, mas frisou: “é muito importante que haja uma rotina rigorosa de exercícios de fortalecimento, com acompanhamento fisioterápico e atenção ao estilo de vida mesmo, para evitar a recidiva”.

    Os episódios foram amplamente divulgados nas redes sociais, com direito a mãe chorando no instagram e tudo. Depois a poeira baixou e não se ouviu falar mais disso.

Olhaí. Muda os atores, mas o mesmo enredo permanece…

Mesmo se minimamente invasiva, cirurgia para correção da hérnia de disco tem sido vista ultimamente com relutância nos meios médicos. Resolve o problema imediato, mas há reincidência à longo prazo. Quer queira, quer não, há uma certa invasividade e pode, sim, causar complicações pós-cirúrgicas (ainda que raras).

É uma espécie de “faca de dois gumes”, porque o paciente terá que ter acesso ou levar à sério um bom programa de reabilitação. Isso, no final das contas, acaba sendo até mais importante do que o próprio procedimento cirúrgico. Se não houver realmente outra alternativa, a cirurgia tem, sim, que ser considerada — mas, de preferência, que seja, de fato, minimamente invasiva.

Paira a dúvida: o que teria acontecido a Roberto Carlos, a Bono Vox e a Wesley Safadão se eles tivessem feito Quiropraxia? Teriam melhorado? Talvez piorado? O tratamento seria inócuo? A resposta agora nunca saberemos. Mas, e se…?