Mais uma eleição se passou e resta-nos contabilizar o prejuízo. Renovação que é boa, tivemos pouca: 39% ante 47% da anterior. Já tivemos candidatos tido como inusitados que estão entrando no segundo e terceiro mandatos. No passado, elegemos tipos caricatos e pitorescos como os saudosos Enéas e Clodovil — campeões e puxadores de votos, diga-se.  Houve também candidatos que tentaram, mas não chegaram lá, como Popó, Marcelinho Carioca e a Mulher Pêra – esta última endossada por nada menos do que o senador Eduardo Suplicy em pessoa!

Suélem Aline Mendes Silva, no alto dos seus 105 centímetros de quadril contrastando com a cinturinha de 63 centímetros, fez com que ganhasse o singelo apelido de Mulher Pera. Já fez de tudo nesta vida e não tem medo de trabalhar, não. No começo da carreira, “ela ganhou fama cantando funk com esse codinome, incrementando a ‘banca de Mulheres-Fruta’ ao lado de Melancia, Jaca, Melão, Morango…” E em 2010, cismou de candidatar-se a deputada federal. Os 4 000 votos foram insuficientes para levá-la ao Congresso Nacional. Aí, em 2013, tentou a carreira como apresentadora infantil na RedeTV!, no programa Fadinha Brasil, mas a parca audiência tirou-a do ar em menos de um mês. No ano seguinte, casou e “deixou a carreira artística de lado ao (…) se tornar empresária no ramo de cristais para lustres“.

Reza a lenda que esses 105 centímetros de quadril contrastando com a cinturinha de 63 centímetros foram moldados pelo uso de um apertado espartilho, estilo aristocracia francesa do século XVIII. De tanto usá-lo, supostamente ficou com uma cintura bem mais fina do que naturalmente é. Adicionado a uma boa dose de genética que lhe proporcionou quadris bem largos, seu corpo de abelha rendeu-lhe o apelido (ou nome artístico) daquela fruta de sabor suave e doce com um centro fibroso.

Não se sabe até que ponto o uso prolongado do espartilho possa ter enfraquecido os músculos que sustentam as costas da (então) Mulher Pêra e gerar uma dependência, uma vez que removido pode provocar dor. Ela poderia eventualmente ser obrigada a continuar vestindo-o cada vez mais — o que parece não ter sido o caso, uma vez que ela se reinventou e trabalha hoje em dia no setor empresarial.

O cirurgião vascular da Beneficência Portuguesa, Fábio Haddad, desaprova o uso do espartilho. Ele alerta que os riscos da pressão excessiva no abdome “reflete nos órgãos internos e, consequentemente, no aumento da pressão venosa, ou seja, das veias centrais, precipitando o aparecimento de varizes e inchaço nas pernas. Em casos extremos, isso pode causar uma trombose.” E mais: a pressão interna eleva o diafragma, modificando a dinâmica respiratória. Isso pode levar à atelectasia, resultado da diminuição da ventilação pulmonar, o que pode provocar acúmulo de secreções e até uma infecção.

A grande pergunta é: porque usar espartilho?

Lembram-se de …E o Vento Levou, filme ganhador de 10 Oscars™ em 1940 (feito superado por Ben-Hur quase 20 anos depois)? A heroína, Scarlett O´Hara (Vivien Leigh, Oscar™ de Melhor Atriz), travava uma constante batalha contra seu espartilho. Sua criada Mammy (Hattie McDaniel) tinha que suar em bicas para cabê-la na peça, principalmente depois da maternidade.

McDaniel se tornaria a primeira mulher negra a ganhar um Oscar™ (de Melhor Atriz Coadjuvante). Levaria 50 anos para acontecer novamente com Whoopi Goldberg em Ghost – Do Outro Lado da Vida  (1990). Mas, felizmente, nos últimos 20 anos tivemos mais algumas: Halle Berry, Jennifer Hudson, Mo’Nique, Octavia Spencer, Lupita Nyong’o, Viola Davis, Regina King e Ariana DeBose.

Voltemos, pois, à pergunta do porquê do uso do espartilho.

Antropologicamente, e de acordo com o zoólogo Desmond Morris, autor do best-seller A Mulher Nua: Um Estudo do Corpo Feminino, existe uma razão simples e biológica para gostarmos tanto de cinturas finas. Por séculos representaram uma espécie de símbolo de virgindade. O sinal que transmitem (ou, pelo menos, que transmitiam) era de mulheres que já estão preparadas para o sexo, mas ainda não experimentaram. Parece balela, não é? Mas os homens, de acordo com Morris, são condicionados biologicamente a sentirem-se atraídos por mulheres estilo violão. A cintura fina insinua virgindade. A anca larga, alta capacidade reprodutora.

Ocorre que a cintura da mulher, após o primeiro parto, inevitavelmente se alargará um pouco. Morris afirma que, “mesmo que consiga, com um regime alimentar rigoroso, recuperar o corpo esbelto que tinha antes da gravidez, a cintura nunca vai ser tão fina quanto era. Isso acontece devido às irreversíveis mudanças que ocorrem na região abdominal quando ela se torna mãe. Calcula-se, depois de vários partos, a cintura da mulher aumente de 15 a 20 cm. em média”. Daí a batalha de Scarlett O´Hara no parágrafo acima.

É claro que o britânico Desmond Morris talvez não esteja antenado com o que as mulheres brasileiras fazem hoje em dia para recuperar sua antiga forma, principalmente as celebridades. Destas últimas, por outro lado, às vezes são agraciadas com uma pitada de photoshop

Uma mulher tipo violão “exerce tal atração sobre o macho reprodutor da espécie que muitas mulheres, mesmo aquelas que já não a possuem, anseiam recuperá-la, mesmo que de uma maneira simbólica”, explica Morris.

E é justamente aí que vem o problema do espartilho. Sua idade de ouro foi entre o século XVII e o final do século XIX. Os primeiros 40 anos do século XX, com boa parte do mundo civilizado devastado por duas guerras mundiais, puseram um fim na ditadura do espartilho. As mulheres se livraram de mais este suplício. Era realmente muito desconfortável. Algumas mal conseguiam respirar. Mas a postura que a mulher via-se obrigada a adotar com esta peça dava-lhe um inevitável ar de graciosa altivez. Mal sabiam que o que ajudava a manter o tronco ereto era uma barbatana enfiada verticalmente na parte da frente do espartilho. Em alguns casos, chegava até a causar ferimentos.

Por isso, caros leitores, causou-nos certo estranhamento ao tomar conhecimento anos atrás da figura da Mulher Pêra. Afinal de contas, pra quê usar uma coisa que não faz nenhum bem a saúde? Claro, o uso do espartilho alçou-a a fama e lhe permitiu voos mais altos. Mas até que ponto sua coluna foi afetada? Esta notícia não deve fazer manchete.

Em tempo: Depois da fama, sucesso e riqueza, nossa heroína realizou mais um desejo: ser mãe. Deu tudo certo no final, mas a gestação foi de alto risco “após descobrir que é portadora de trombofilia. Por conta disso, tomou cerca de 700 injeções de anticoagulante durante os nove meses“.

Olha aí. Com alguns estudos sugerindo que sim, o ocorrido neste caso poderia ter tido alguma relação com o uso crônico e prolongado do espartilho? Vai que…?