Considere um caminhoneiro que aparece num consultório de Quiropraxia com dores nos flancos. O profissional desde já elabora algumas perguntas. Existe irradiação para os membros inferiores? O paciente apresenta mudanças na maneira de andar? Exibe antalgia? Há sinais de fraqueza muscular ou parestesias? Como saber se a dor é uma lombalgia proveniente de uma distensão muscular? Ou de uma hérnia de disco? Ou de um simples “desnivelamento” vertebral? Há outras enfermidades que podem referir dor nos flancos? Rins? Gases? Apêndice? Próstata? O paciente relata algum tipo de febre?

Todo profissional da área de saúde faz perguntas para formular uma lista de possíveis diagnósticos. Afunila as possibilidades ao observar e examinar o paciente. Após confirmar sua suspeita com os exames complementares, pode então fechar o diagnóstico. Os clínicos são treinados para pensar de maneira sistemática e organizada. Este método de raciocínio ensinado nas faculdades são parecidos entre si.

Isto serve para fazer sentido de uma profissão que tem um alto grau de subjetividade, apesar da raça humana ser fisiologicamente e anatomicamente análoga. Sim, por incrível que pareça, medicina não é uma ciência exata. E isto às vezes induz ao erro médico, que acarreta graves consequencias para o paciente.

No ano 2000, 43.458 pessoas morreram nos Estados Unidos por acidentes de carro, 42.297 por câncer de mama e 16.516 por Aids. Mas, “entre 44 mil e 98 mil norte-americanos morrem todo ano devido à erros médicos”, afirmou um estudo feito pelo prestigiado Instituto de Medicina dos Estados Unidos. O relatório,  intitulado To Err is Human: Building a Safer Health System (Errar é Humano: Construindo um sistema de saúde mais seguro), sustenta que estes óbitos superam o número atribuído à oitava causa de morte nos Estados Unidos. Pensem bem, caros leitores: nos Estados Unidos morrem mais pessoas por erro médico do que por acidentes automobilísticos, câncer mamário, ou  HIV. Nos Estados Unidos!! Aqui no Brasil, sequer temos estatísticas confiáveis — hoje ou duas décadas atrás!

O lugar-comum é culpar a incompetência profissional pelo erro médico. Mas não é sempre o caso. O problema em si pode ser elusivo demais e enganar um bem-intencionado clínico. Então, nem sempre o médico erra por ser incompetente. Muitos dos melhores do mundo já erraram. A questão reside numa coisinha chamada heurística.

Digamos que 70% dos pacientes de Quiropraxia sofram de hérnia de disco. Suponhamos que o clínico, por estar bem familiarizado com esta afecção, enxerga certos sinais no caminhoneiro do 1º parágrafo que o levam à mesma conclusão. E o diagnostica como sendo “feliz” proprietário de uma autêntica hérnia de disco. Parece simples, não? Contudo, se nosso caminhoneiro estiver passando um cálculo renal, o profissional se equivocou baseado em sua experiência profissional. Isto se chama de Heurística da Disponibilidade: se o clínico tiver ouvido falar de determinada situação recentemente ou assistido ao seu desenrolar, terá mais chances de pensar nela quando estiver diante de situações semelhantes.

Suponhamos também que nosso profissional esteja ciente de uma suposta alta incidência de hérnia de disco entre as pessoas que dirigem caminhões. Categorizando o paciente neste determinado grupo, o diagnóstico tende precipitadamente para hérnia de disco. A pressuposição que alguém de determinado grupo compartilha características semelhantes com outro daquele grupo se chama de Heurística da Representatividade.

Mesmo que o paciente apresente sinais e sintomas condizentes, e a existência da hérnia de disco seja confirmada com uma ressonância magnética, ela pode ser apenas incidental. E o clínico deve estar atento à isto. A heurística, na maioria das vezes,  melhora nossa eficiência. Permite que tomemos decisões mesmo quando as evidências estão incompletas ou difusas. Mas pode também nos guiar na direção errada. Não devemos nos permitir à este luxo. A saúde dos nossos pacientes depende disso.

Em tempo: ambas as heurísticas da disponibilidade e da representatividade não se aplicam somente no campo clínico. Elas podem igualmente ser usadas num contexto econômico, psicológico e político-social. E também nas mídias, particularmente as sociais — o que ajuda a explicar este fenômeno de polarização e intolerância que está ocorrendo no Brasil e no mundo. Sim, heurísticas podem servir como ótimos atalhos. Mas nos induzem muito a erros…

E neste último caso, existe uma linha tênue entre certeza absoluta e fanatismo num específico momento da história em que se pede apenas reflexão.