A medicina progrediu mais nos últimos cem anos do que em toda a história da humanidade. Criamos antibióticos, desenvolvemos vacinas, mapeamos o genoma humano, e realizamos transplantes de coração, fígado, rins e tantos outros. Mas as coisas mais simples ainda nos eludem. Não conseguimos ainda curar uma simples gripe e nem entender o mecanismo exato das dores de cabeça.

Em 1980, a Sociedade Internacional de Cefaleia (International Headache Society) reclassificou as dores de de cabeça em vários tipos e subtipos. O mais comum é a cefaleia tensional, que acomete 20% a 30% da população adulta pelo menos uma vez por mês. Estas dores são causadas por estresse ou contração muscular, e são crônicas (mais de 15 dias por mês) em 3% da população. Estado emocional, fatores nutricionais ou ambientais, alterações no sangue que diminuem o limiar da dor, ou (em menor escala) disfunção na coluna cervical, são fatores que contribuem para este quadro.

Enxaqueca ocupa a segunda posição, e é seguida de perto pela CEFALEIA CERVICOGÊNICA — o foco do nosso artigo. Reconhecida e classificada pela medicina somente em 1988, é qualquer dor de cabeça com origem na coluna cervical (como sugere o nome). A Sociedade Norte-Americana de Cefaléia Cervicogênica vai mais além e define esta afecção como “dor irradiada para qualquer região da cabeça causada primariamente por fonte nociceptiva nos tecidos musculoesqueléticos irrigados por nervos cervicais”. Os sintomas são dor localizada no pescoço e nuca, que pode irradiar para a testa, em redor dos olhos, têmporas, ou ouvidos. É precipitada ou agravada por certos movimentos cervicais ou postura cervical imprópria. O paciente apresenta resistência ou limitação de movimentos cervicais passivos, e alterações na musculatura como contorno, textura e tônus. Há resposta negativa à alongamento e contração, tanto ativos quanto passivos. Enfim, qualquer dor atípica da musculatura cervical.

De acordo com a Sociedade Internacional de Cefaleia, 14% a 16% da população sofre de dores de cabeça — destes, 17.8% por mais de 05 dias por mês. Uma em cada cinco pessoas deste segmento (15% a 20%) apresenta de fato cefaléia cervicogênica. Simplificando um pouco mais, isto significa que 2.5% da população sofre de dores de cabeça decorrentes da coluna cervical. Somente num contigente populacional de uma cidade como São Paulo (12,22 milhões em 2020), são aproximadamente 310 mil pessoas — uma verdadeira multidão. Já imaginou?

A boa notícia é que 90% dos pacientes tem cefaleia considerada benigna. E pode ser tratada com terapia manual, mudanças de hábitos e de alimentação, bem como acompanhamento psicoterápico em alguns casos.

Não obstante, a Sociedade Internacional de Cefaleia reconheceu que a reclassificação de 1980 teve “muito pouco impacto no diagnóstico e gerenciamento da prática clínica.”. Os tipos de dores de cabeça até se sobrepõem em alguns casos. Por exemplo, 28% dos pacientes que sofrem de cefaléia satistazem os critérios de enxaqueca, mas 50% destes também exibem os sintomas de cefaleia tensional. E aí?

Notamos em nossa clínica que vários pacientes com enxaqueca melhoram com Quiropraxia. Mas sempre relutamos um pouco em afirmar isso. Talvez a resposta esteja justamente nesta sobreposição. De qualquer maneira, pesquisas mais aprofundadas neste tópico em particular são necessárias.

Estudos realizados na América do Norte, Europa e Austrália relatam que “80% dos pacientes de Quiropraxia sofrem de dores musculoesqueléticas, predominantemente dores lombares. 10% dos pacientes sofrem de dores de cabeça.” E se esses 10% visitam uma clínica de Quiropraxia somente para tratarem das tais dores de cabeça, é porque esperam que possa haver algum tipo de correlacionamento. E às vezes há.

Então, se há de fato um vínculo direto entre pescoço e cefaleia, em que mecanismos pode manipulação vertebral ajudar?

  • Primeiro, que existe realmente uma ligação neurológica entre os dois. Das vértebras cervicais superiores, originam-se as raízes nervosas que formam o plexo cervical. Um destes nervos, o Occipital Posterior, sobe pela nuca e enerva a parte pôstero-superior da cabeça. É plausível, portanto, que um “pinçamento” ou inflamação química da raiz nervosa que sai da junção Occipital/C1, ou de C1/C2, afete este nervo e cause dor na região irrigada por ele (neste exemplo, a área enervada da cabeça).

  • Segundo, que existe uma explicação miofascial: uma espécie de “aponeurose” cranial, rica em terminações nervosas, pode ficar “esticada” pela contração muscular, sobretudo dos suboccipitais, e portanto, sofrer algum tipo de irritação.

    Nos cursos do IDQUIRO de Logan e Nimmo & Trigger Points, discutimos pesquisas sobre fáscias musculares que mostram que o sistema ligamentar contribui com informações proprioceptivas para o sistema nervoso e que os ligamentos têm dez vezes mais feedback do que os músculos para o cérebro pois contém corpúsculos de Ruffini e terminações nervosas livres. (Robert Schleip, PhD.)

  • Terceiro, que foi descoberto na década de 90 um novo detalhe anatômico que pode explicar ainda melhor a existência das cefaléias cervicogênicas: “pontes” de tecido conjuntivo ligando um músculo suboccipital, osso, e um ligamento à dura mater que reveste a medula espinhal (veja este estudo). Estas “pontes” se originam das vértebras cervicais superiores (Occipital/C1 e C1/C2), se unem ao músculo reto posterior menor da cabeça e o ligamento da nuca, conectando-se com a dura máter, que é extremamente sensível à dor.

  • Quarto, uma outra “ponte” ligando o músculo reto posterior menor da cabeça e o ligamento da nuca foi descoberto em 2002 por pesquisadores do Anglo-European College of Chiropractic (Universidade de Quiropraxia Anglo-Européia) na Inglaterra, e pela National University of Health Sciences (Universidade Nacional das Ciências da Saúde) nos Estados Unidos. Esta descoberta foi consistente em estudos com cadáveres e visíveis em 30 pessoas por meio de ressonância magnética com ou sem contraste. O estudo foi  publicado na revista Clinical Anatomy 15 (p. 182 a 185) daquele mesmo ano.

Manipulação vertebral parece mesmo ser extremamente eficaz para pacientes que sofrem de dores de cabeça oriundas de disfunções musculoesqueléticas da coluna cervical. Os resultados que nós, Quiropraxistas, obtemos com cefaleia cervicogênica num ambiente clínico são nada menos que excelentes. E há pesquisas para comprovar:

  • Uma revisão sistemática da Duke University Evidence-Based Practice Center na Carolina do Norte, Estados Unidos (um dos 12 centros de pesquisa às quais este título é concedido pelo Departamento Americano de Saúde e Serviços Humanos) gerou este estudo em 2001 com o pomposo título de Evidence Reports: Behavioral and Physical Treatments for Tension-type and Cervicogenic Headache. Este trabalho relata evidências substanciais favoráveis à tratamento com Quiropraxia em pacientes com cefaleia cervicogência e tensional. Os pesquisadores concluíram que “manipulação feita com Quiropraxia é eficaz para o tratamento de cefaleia cervicogênica, produzindo reduções mais duradouras na freqüência e severidade das dores de cabeça do que as outras formas de terapias manuais”. Mais do que isso, concluíram também que a Quiropraxia tem um efeito benéfico nas cefaleias tensionais — as mais comuns dores de cabeça dentre todas classificadas. De acordo com os pesquisadores, manipulação vertebral feita com Quiropraxia produz “mais resultados a longo prazo do que o tratamento padrão com a medicação à base de amitriptilina”.

  • Uma pesquisa da Universidade de Odense, na Dinamarca, publicada no prestigiado Journal of Manipulative e Physiologic Therapy em 1997, envolveu 53 pacientes tratados 02 vezes por semana por 03 semanas. 28 deles (o grupo de tratamento) foram tratados com Quiropraxia (manipulação vertebral). Os 25 restantes (o grupo de controle) se submeteram à massagens, trigger points, e laserterapia. Apresentada no 4º Congresso Mundial de Quiropraxia em Tóquio, Japão naquele mesmo ano, a pesquisa concluiu que “manipulação feita com Quiropraxia tem sucesso significante no gerenciamento de pacientes com dores de cabeça cervicogênica”, com menor freqüência e intensidade, e menos uso de analgésicos.

  • Whittigham et al da RMIT University, em Melbourne, Austrália dividiu 105 pacientes com cefaléia em grupos de tratamento e de controle. O primeiro recebeu tratamento com Quiropraxia 03 vezes por semana por 03 semanas. O grupo de controle foi induzido a acreditar que recebeu alguma forma de manipulação. O grupo de tratamento obteve progresso em termos de dor, intensidade, força muscular e movimentos cervicais. O grupo de controle relatou melhora da dor somente. O trabalho foi apresentado no 6º Congresso Mundial de Quiropraxia em 2001 em Paris, França.

  • Outro estudo de 2007 por um grupo de pesquisadores da Western States Chiropractic College, de Portland, Oregon, dividiu 80 pacientes em 04 grupos: os dois primeiros com Quiropraxia, 01 e 02 vezes por semana cada; os dois últimos somente com massagem e compressa de água quente, também 01 e 02 vezes por semana. Após 12 semanas, nos pacientes que receberam manipulação vertebral, observou-se uma redução não só na intensidade como também na freqüência das dores de cabeça — principalmente no grupo que foi atendido 02 vezes por semana (num total de 16 visitas). Apresentado no 9º Congresso Mundial de Quiropraxia em Vilamoura, Portugal, representou uma vantagem clínica e estatisticamente significante para a profissão.

  • Gwendolyn Jull, PT, PhD et al publicou um estudo multicêntrico conduzido por fisioterapeutas de 06 universidades em 05 estados na Austrália na revista Spine em 2002. Com 200 pacientes de 18 a 60 anos de idade com sinais de cefaleia cervicogênica (“dores de cabeça pelo menos 01 vez por semana de freqüência por 02 meses ou mais”) tratados por um período de 06 semanas, entre 8 a 12 visitas cada com 30 minutos de duração. Pacientes que já faziam tratamento com Quiropraxia ou fisioterapia nos últimos 12 meses foram excluídos. Foram divididos em 04 grupos: o primeiro com manipulação; o segundo com um programa de exercícios; o terceiro uma combinação dos dois primeiros; e o quarto não recebeu tratamento. Em todos os grupos, o uso de medicação não foi restrito, mas monitorado. Nos três primeiros grupos, houve redução significante na frequência e intensidade das dores cervicais imediatamente depois do tratamento, quando comparado ao grupo de controle (o nº 04). Estas diferenças ainda eram evidentes após 12 meses. O grupo que se submeteu à exercícios e manipulação teve 10% a mais de melhoras. O uso de medicação DIMINUIU 100% nos grupos de manipulação e exercícios, 93% no grupo que combinou os dois, mas AUMENTOU 33% no grupo de controle (o que não recebeu qualquer tipo de tratamento).

Então. Vários trabalhos, portanto, apresentados em diversos Congressos Mundiais de Quiropraxia ao longo dos anos em países como Japão, França e Portugal. Todos vêm comprovando esta hipótese e confirmando o que já observamos clinicamente.

Pois é. Sendo cefaleia cervicogênica uma forma comum de dor crônica e recorrente, não faltam neste campo pesquisas amplamente reconhecidas sobre a eficácia da Quiropraxia no seu tratamento.

Porque ESTA dor de cabeça a gente pode passar sem ela. É só tratar bem da coluna que tem — e assim evitar muitas dores de cabeça pela frente (desculpe o trocadilho — não resisti).