Mais do que trauma, vícios posturais são os principais causadores de disfunções na coluna vertebral. E a rotina do dia-a-dia contribui para formar estes tais vícios.

Então, o simples ato de dormir, de escovar os dentes, de dirigir o automóvel, de assistir televisão no sofá — tudo isso pode causar problemas de coluna.

Atividades domésticas são frequentemente catalizadoras de terríveis dores nas costas — e agora, principalmente neste período de pandemia, os casos parecem ter se multiplicado. Muita gente tem aparecido aqui no consultório com dores de coluna justamente por terem “pegado no pesado” (por assim dizer).

Algum tempo atrás (06/12/2012), a UOL publicou (postou?) um interessante artigo sobre os malefícios das atividades domésticas na coluna vertebral. A matéria não perdeu relevância, e se tornou até mais pertinente neste período de isolamento social.

Pequenos gestos como carregar compras, passar roupa, cozinhar e varrer a casa “exigem esforço físico e submetem o corpo a posturas que podem comprometer coluna, quadril, joelhos e ombros”. Quase nem prestamos atenção, mas ao realizarmos tais atividades “com uma postura inadequada, elas podem resultar em dores localizadas ou problemas mais sérios, como varizes, bursites nos ombros, lombalgias e até mesmo hérnia de disco”. Engana-se quem acha que a vida de uma dona-de-casa é fácil. Às vezes, é uma malhação alucinada “que exige um abaixar, levantar, carregar, arrastar repetidos, submetendo o corpo a posições arriscadas”.

Para cada atividade mencionada abaixo, o artigo foi atrás da opinião de notáveis como Francis Trombini de Souza (do Laboratório de Biomecânica do Movimento e Postura Humana da Faculdade de Medicina da USP), Helder Montenegro (diretor do Instituto de Tratamento da Coluna) e Rodrigo Amaral (membro do Instituto de Patologia da Coluna de São Paulo). Este pessoal dá dicas de como realizar atividades domésticas de uma maneira menos agressiva para nossa coluna vertebral.

Sendo assim, segue então um verdadeiro pout-pourri de conselhos ergonômicos para que possamos executar alguns afazeres domésticos de uma maneira menos nociva.

  • Faxina: Sabe aqueles momentos que antecedem uma limpeza quando arrastamos ou suspendemos os nossos móveis? É nessa hora que ocorrem as lesões. Não precisa ser assim. Quando a gente pega “um volume (…) mais pesado, é preciso abaixar e flexionar os joelhos para dividir com as pernas o peso do corpo e da carga, levá-lo junto ao corpo, pegando-o com as duas mãos, mantendo um ângulo próximo de 90º no cotovelo”, explica Rodrigo Amaral, médico especializado em coluna, membro do Instituto de Patologia da Coluna de São Paulo. Basta manter os joelhos um pouco dobrados, “os pés afastados e o abdômen contraído”. E não ter vergonha de pedir ajuda se o móvel estiver pesado demais. A intenção é dividir o peso e minimizar a sobrecarga na coluna.

  • Pegar coisas no chão: Muita gente se machuca assim. “Todo objeto deve ser transportado próximo ao nosso corpo para evitar que o tronco se incline para frente”, ensina Helder Montenegro, presidente da Associação Brasileira de Reabilitação da Coluna. “O primeiro passo é dobrar os joelhos, o segundo é trazê-los para próximo do corpo e, finalmente, ficar de pé; com isso, a força é transferida para as pernas e não para coluna vertebral”, aconselha.

  • Varrer ou aspirar: Vale a pena gastar um pouco mais para ter um aspirador e uma vassoura com cabo mais longo. Assim, “evita-se que a coluna seja curvada para frente ou para trás de maneira excessiva”, afirma Francis Trombini de Souza, do Laboratório de Biomecânica do Movimento e Postura Humana da Faculdade de Medicina da USP. Agachar-se com o abdome contraído ao varrer por baixo dos móveis é uma boa maneira de proteger a sua coluna de sobrecargas.

  • Estender roupas e espanar: “Para limpar lugares altos, é importante usar banquinhos ou escadas para evitar uma postura inadequada”, afirma Trombini de Souza. Afinal de contas, nossos braços não são fãs de ficarem estendidos por períodos muito longos. O mesmo vale para o varal, cuja altura, “acessível aos braços,” fazem com que nossas “mãos não ultrapassem a altura do ombro”. A região cervical agradecerá.

  • Arrumar a cama: Eis aí uma tarefa que não temos como realizar com uma boa postura. Mas dá para minimizar os danos. É só manter os joelhos dobrados e o abdome contraído na hora de elevar o colchão para prender o lençol.

  • Arrumar as gavetas: Dobrar o tronco para arrumar as gavetas mais baixas é terrível para nossa coluna. “A postura correta é sentar em um banco de altura próxima à gaveta para evitar o esforço nos joelhos e a flexão anterior da coluna”, ensina mais uma vez Helder Montenegro.

  • Organizar o guarda-roupa: Ficar repetidamente abaixando-se e levantando-se para guardar as roupas pode impor uma pressão desmedida sobre os ombros e a coluna. Para minimizar a sobrecarga, o simples ato de usar um banquinho ou uma escada “para guardar ou retirar objetos acima no nível da cabeça” é uma opção simples, mas eficaz. “(…) dobre os joelhos para recolher objetos de lugares baixos”, aconselha Francis Trombini de Souza.

  • Lavar e passar roupa: Estas atividades são repetitivas e campeãs de queixas na nossa clínica. Lavar roupa, com o advento da máquina de lavar (e tanquinho), deixou de ser tanto assim. Lavar e passar forçam a coluna e os ombros. Um pequeno investimento para aumentar a altura da tábua de passar ou a do tanque será de grande valia. O objetivo é tornar as atividades as mais confortáveis possíveis, dentro de suas limitações. “A mesa de passar deve ficar na altura adequada para cada pessoa, ou seja, se ficar baixa vai comprometer a coluna vertebral e se ficar alta vai impactar áreas nobres do ombro”, avisa Helder Montenegro.

  • Cozinhar: A gente se mexe na cozinha que não é brincadeira. Cortamos nossa comida, picamos, mexemos com a colher, colocamos no forno, pegamos uma panela dali, um ingrediente daqui, tudo isso faz com que fiquemos com a coluna dobrada e com os braços estendidos por um longo período de tempo. “O ideal é manter o corpo ereto, porém não tenso. Deve-se manter um dos pés um pouco à frente do outro, flexionando levemente a outra perna para garantir um descanso para as costas”, diz Rodrigo Amaral.

  • Lavar pratos: O segredo reside na altura da pia. Este que vos escreve aumentou todas elas na sua casa (até as do banheiro) — para o desespero do mestre-de-obras, que achou uma heresia ficarem fora de padrão. A pia deve ficar um pouquinho mais alto do que o umbigo. Se alguém da família for mais baixo, aconselhamos um banquinho. Mas, se o dileto leitor viver em casa alugada e não quiser mexer com o padrão, pelo menos mantenha suas costas eretas e disponha de um pequeno suporte para apoiar seus pés. “Cada um dos pés deve ser apoiado alternadamente, aliviando assim a sobrecarga imposta à coluna durante uma tarefa prolongada”, explica Francis Trombini de Souza.

  • Fazer compras: É outra campeã de queixas na nossa clínica. A gente se abaixa, se levanta, pega mercadorias pesadas, em prateleiras altas e baixas, empurra carrinho (às vezes de má qualidade), e (horror!) coloca as compras no bagageiro do carro. Não é moleza! “Uma boa dica é evitar cestinhas ou carrinhos que tenham que ser puxados em vez de empurrados e que sobrecarregam muito mais os ombros e as costas. Outra boa dica é, na hora de transportar as mercadorias, usar uma mochila que possa ser igualmente adequada a ambos os ombros, ou então distribuir o peso igualmente em ambos os braços”. Este balanceamento de peso, mesmo sendo uma mudança simples, faz uma diferença enorme para nossa coluna. “Para carregar as sacolas, divida os itens em duas partes, carregando uma em cada mão, assim mantendo o corpo balanceado e evitando a inclinação excessiva ou sobrecarga muscular de um único lado”, ensina Rodrigo Amaral.

Sutis mudanças de hábitos nesses exemplos ajudarão a prevenir um mal maior. São pequenas coisas, insignificantes até, que podem fazer uma enorme diferença nas dores nossas de cada dia. Não custam quase nada para seguir e consomem pouco tempo para executar.

Afinal de contas, dor de coluna é uma daquelas coisas no mundo que a gente pode passar muito bem sem.