Ra´s Al Ghul é uma espécie de anarquista com causa. Ele é o chefão da Liga das Sombras, uma organização criminosa internacional, cujo objetivo é reduzir a população mundial para acabar com injustiças sociais e preservar o planeta. Ra´s Al Ghul (رأس الغول  “cabeça do demônio”, em árabe) está tentando curar o mundo.

Para isso, treina com afinco seu discípulo mais valioso: Bruce Wayne. Este jovem herdeiro milionário teve seus pais assassinados quando criança, e está sedento de vingança. Eis aí o enredo básico de Batman Begins (2005). O filme foi o primeiro de uma trilogia dirigida pelo talentoso Christopher Nolan e resgatou o personagem da obliviedade imposta pelo fracasso do último filme da franquia anterior Batman & Robin (1997). Nolan deu um tom mais sério ao filme, largamente baseado nos clássicos (e sombrios) quadrinhos do escritor e desenhista Frank Miller na década de 80.

Foi o segundo filme da franquia Batman: O Cavaleiro das Trevas (2008) que quebrou recordes de bilheteria. Ultrapassou a marca de um bilhão de dólares, e é nele que aparece o quintessencial agente do niilismo: o Coringa. Faturou dois Oscars (incluindo um póstumo para Heath Ledger pela sua brilhante atuação como o Palhaço do Crime).

Esta atuação de Ledger, por sinal, impressiona pela mudança corporal que ele impõe ao personagem. O seu Coringa fala com uma voz quase fanha e anda meio empenado, com os ombros encolhidos e um mais alto que o outro. Foi como se o ator quisesse expressar na “escoliose” do personagem a sua alma torta.

Batman: O Cavaleiro das Trevas foca na batalha pela erradicação da criminalidade na fictícia (e assombrosamente real) Gotham City. O correto promotor Harvey Dent (Aaron Eckhart) namora a ex-namorada de Bruce Wayne. Mas enlouquece após um acidente e se torna o vilão Duas-Caras. O Coringa está por trás de tudo. Delicia-se jogando lenha na fogueira. E quer que tudo se exploda mesmo. Não está nem aí. Gosta de tocar o rebu. Batman é responsabilizado pelos pecados da cidade, se torna um fora-da-lei, e desaparece por oito anos.

E é daí que temos início ao último filme da trilogia: Batman: O Cavaleiro das Trevas Ressurge (2012). Bruce Wayne está mais velho, alquebrado, isolado e deprimido. Lesionou terrivelmente seu joelho e mal consegue caminhar. Tem que usar uma bengala.

Por outro lado, Gotham City está mais segura. Em homenagem ao promotor que morreu como santo, a Lei Dent foi aprovada. Ela permite que chefões do crime organizado sejam presos sem julgamento. A paz foi alcançada a um preço alto. Os ricos e poderosos já podem dormir em paz. Mas os 99% não estão satisfeitos.

Surge então um novo vilão: o terrorista Bane. Este aí vem maquinando por anos um plano elaboradíssimo de varrer Gotham da face do mapa. Para fechar o arco, é ligado a Ra´s Al Ghul. Bane sabe onde botar o dedo na ferida: após atacar a bolsa de valores de Gotham, usa as digitais roubadas de Bruce Wayne para tomar controle de sua companhia. Praticamente falido, nosso herói, meio relutantemente, volta à ativa.

O primeiro passo é consertar seu joelho artrosado e defeituoso. Uma engenhoca criada pelo inventor Lucius Fox (Morgan Freeman) parece dar conta do recado: ele chega a quebrar uma parede com um único pontapé. Mas é de pouca valia. No primeiro confronto com Bane, o Cavaleiro das Trevas é praticamente partido em dois pelo vilão.

Bane arrebenta a coluna de Batman. O filme apressa-se em explicar que sua vértebra fora “deslocada”. Wayne fica imobilizado de dor e tem que assistir impotente a Gotham City ser tomada de refém pelo grupo terrorista do seu mais pavoroso inimigo.

O personagem Bane é um cara marombado que vive em constante estado de dor. Para amenizar, usa uma máscara em que respira gás analgésico. Interpretado pelo ótimo Tom Hardy, impõe sua presença pela postura e pela voz, já que não pode mostrar a face (salvo em uma única cena) — definitivamente um progresso do cartunesco e carnavalesco Bane de Batman & Robin. Christopher Nolan conseguiu resgatar o personagem do ridículo limbo para o qual fora relegado em 1997.

Coluna deslocada ou não, Bruce Wayne é mandado para uma prisão antiga e remota, provavelmente no Oriente Médio. Lá, revoltado com o reino de terror de Bane, resolve desenvolver seu próprio e personalizado tratamento de coluna.

Primeiro, ele se pendura numa corda. Segundo, pede a um companheiro de cela que esmurre a vertebrazinha deslocada. É isso mesmo que vocês leram: o capanga dá um murro nas costas de Wayne e conserta a coluna dele. Lembra até aqueles vídeos que ficam circulando nas redes sociais sobre algum desavisado usando uma marreta para manipular a coluna de algum outro incauto. Terceiro, depois de receber esta tremenda técnica de manipulação vertebral uma única vez (ufa!), e depois de menos de três meses de intensos exercícios (numa prisão tenebrosa, ressalte-se), o nosso herói está então apto a tentar subir o fosso que o separa da liberdade e realizar um salto que ninguém naquela prisão jamais conseguiu — exceto por uma criança (!).

Um pequeno detalhe: não se vê nenhum indício daquele joelho incomodando nosso herói — mesmo na prisão.

Vale ressaltar aqui o que se convencionou a chamarmos na sétima arte de suspensão de descrença. Trata-se de “uma suspensão de descrédito, da incredulidade ou ainda ‘suspensão voluntária da descrença’. E “refere-se à vontade de um leitor ou espectador de aceitar como verdadeiras as premissas de um trabalho de ficção, mesmo que elas sejam fantásticas, impossíveis ou contraditórias. É a suspensão do julgamento em troca da premissa de entretenimento. O termo é tradicionalmente aplicado na literatura, no teatro, e no cinema, embora também possa ser considerado nos videogames.” Então, como Quiropraxistas, melhor relevar os absurdos do roteiro, deixar de lado o que sabemos sobre a coluna vertebral, e apreciar o filme que encerrou esta franquia mais sombria do Batman.

Então, mesmo com essas irregularidades, o filme é considerado muito bom. Não tão bom quanto o anterior, já que não conta com o brilho do Coringa de Heath Ledger, mais ainda assim muito bom. Tem um roteiro bem amarrado, é bem dirigido e bem editado.

Só a coluna do Batman é que é meio obscura.

Em tempo: Sete anos depois, no filme Coringa (2019), o ator Joaquim Phoenix tornou-se a segunda pessoa a ganhar um Oscar interpretando o Palhaço do Crime. Phoenix perdeu tanto peso para interpretar o personagem, que, em uma cena que aparece sem camisa, é possível vislumbrar a sua coluna em detalhes — vértebra por vértebra. Entretanto, a obra é um estudo da psicopatia humana, bem ao estilo de Travis Bickle em Taxi Driver (1976), interpretado por Robert de Niro (que, não por acaso, está também neste filme). O fato do protagonista anti-herói ser o Coringa é só um detalhe. E, se prestarem bem atenção, não parece ser essencial no desenrolar do enredo. Mas que dá um temperozinho extra a estória, ah, isso dá. Ainda assim, o filme não parece compartilhar o mesmo universo da trilogia resenhada acima.