O romance O Físico de Noah Gordon (Editora Rocco) retrata a vida de Rob J. Cole, um barbeiro-cirurgião no século XI (naquela época, eram os barbeiros que se aventuravam a fazer cirurgias). Cole ansiava por mais conhecimentos, mas não tinha como nem onde obtê-los. Os médicos não eram bem vistos pela igreja. Para a Santa Sé, existia uma linha tênue entre medicina e bruxaria. Nosso herói então descobre que os muçulmanos, bem mais tolerantes do que os católicos da Idade Média (como os tempos mudam…), prezavam tanto o exercício da medicina ao ponto de construírem universidades e hospitais — barrados ao estudante cristão. Cole resolve assumir a identidade falsa de um judeu para estudar medicina numa universidade da Pérsia. Sob a tutela de Ibn Sina, um célebre médico (que realmente existiu), Rob Cole floresceu. Aprendeu que a ferramenta mais importante do médico é a capacidade de observar. A tolerância muçulmana tinha limites, e era sacrilégio dissecar os mortos, com pena passível de morte. Portanto, só restava ao médico auscultar, apalpar, observar e especular sobre a possível causa da doença. Não podia ir mais além. Apesar da classe médica ter sido forçada a nadar tanto tempo na ignorância, esta limitação acabou por torná-la observadora por excelência — um talento refinado ao longo de 50 séculos.

Felizmente o mundo mudou. Fizemos mais descobertas científicas no século XX do que em toda a história da humanidade. E hoje vivemos na era das especializações. O que é ótimo, por sinal. Todo tratamento de ponta é bem-vindo. Procuramos pneumologistas se temos problemas respiratórios; cardiologistas se temos problemas no coração; gastroenterologistas se temos problemas digestivos; e assim por diante. Mas sobra pouco espaço para o médico da família. Por mais que haja um esforço contrário, a relação médico-paciente acaba enveredando no caminho da impessoalidade. E o paciente quer e precisa de um tratamento personalizado: uma visão mais abrangente do paciente, não visualizando-o como um tão-somente pulmão, coração, ou intestino, mas com um enfoque mais holístico — o que potencializará ainda mais a eficácia do tratamento.

E esse é justamente um erro que nós, clínicos, às vezes, cometemos: considerar o paciente como um mero pulmão, rim, vesícula, apêndice, coração ou coluna. Mas aquela pessoa do outro lado da mesa que nos procura para solucionar um determinado problema de saúde é tão mais do que isto. É um ser humano pleno, com aspirações, sonhos, frustrações, perspectivas e, acima de tudo, esperança — fácil de ignorar no exercício da nossa profissão. Mas nunca devemos perder de vista que fomos educados para servir o paciente no melhor da nossa capacidade. E, é claro, seguir ao pé da letra aquela frase em latim: primum non noncere (acima de tudo, não fazer mal).

Todo bom tratamento em qualquer área da saúde envolve ciência e arte. A recuperação pessoal (cura?) é tanto baseada em conhecimentos empíricos (ciência) como também em fatores não específicos (placebo?) que englobam crenças e emoções, como a confiança no profissional (arte). A arte afeta tanto a melhora quanto a ciência.

Claro, a eficácia do tratamento é de longe o fator mais importante para pacientes assessarem seus níveis de satisfação. Mas existem outros: boa comunicação; informações adequadas; explanação abrangente sobre o problema de saúde em questão; escolhas de auto-ajuda; a confirmação de que o tratamento determinado seria uma escolha lógica e apropriada; e seu impacto positivo no bem-estar da pessoa. Tudo isto transmite ao paciente uma mensagem de confiança e preocupação do profissional.

É primordial desenvolver este tipo de relação com a pessoa que tratamos. Não uma relação afetiva propriamente dita, mas amigável e afetuosa. A melhor maneira de conhecermos o paciente é pela anamnese — a entrevista. É neste primeiro momento que nos familiarizamos com seu problema. E se soubermos conduzir a entrevista com maestria, na maioria das vezes, ela nos proverá com muitas das respostas que buscamos. E nos dará informações pertinentes para descobrir o que aflinge o paciente.

Na Quiropraxia, é imperativo passar o máximo de informação possível sobre o problema de coluna em questão: causa e recuperação da dor; conteúdo do tratamento; e instruções de pegar peso, exercícios e postura. Ouvir minuciosamente a descrição da dor faz com que o paciente se sinta validado e bem-tratado. É confortante saber que o profissional se importa, e que tem confiança no diagnóstico e na eficácia do tratamento.

Meeker e Haldeman, em artigo publicado na prestigiada revista Annals of Internal Medicine, atestam que a dinâmica da consulta deveria ser mais focada “na pessoa do que na doença”. O profissional que tem paixão pelo seu trabalho acaba passando este entusiasmo para o paciente. A confiança entre os dois floresce. Isto é ainda mais importante em terapias que envolvam algum tipo de toque, como em massagem ou manipulação vertebral. De acordo com o artigo, “no decorrer das sessões, um relacionamento floresce que é frequentemente usado para comunicar, tanto num nível social e psicológico, quanto em implicações biológicas do tratamento”.

Dr. David Reilly, um especialista escocês em medicina interna e clínica familiar, que também exerce a homeopatia, atesta que “apesar de ser extremamente eficaz em situações que envolvam alta tecnologia, existe poucas doenças crônicas e degenerativas que medicina ocidental pode realmente curar. Pacientes tem exigido um sistema de saúde que é menos baseado em medicações e mais pessoal”.

Hunter D. “Patch” Adams, M.D., autor de Boa Saúde é Uma Questão de Riso e fundador do Instituto Gesundheit na Virgínia do Norte, costuma dizer que “a vida por si só é maior do que qualquer doença, diagnose, ou tratamento”. Enquanto estudava medicina, Patch notou que a relação médico-paciente estava cada vez mais impessoal, e resolver nadar contra a corrente. Logo após se formar, abriu uma clínica multidisciplinar e até então inédita em 1971 oferecendo, além da medicina tradicional, modalidades como acupuntura, Quiropraxia, homeopatia e naturopatia — a precursora do instituto mencionado acima. Vestia-se de palhaço e ia para os hospitais locais fazer os pacientes rirem, principalmente os em estado terminal. Lembram dos Doutores do Riso aqui no Brasil?  Tudo começou com o trabalho de Patch Adams. Um (sofrível) filme sobre sua vida foi lançado em 1997 com Robin Williams interpretando este pioneiro “doutor do riso”. Patch também estimulava o paciente a ter uma postura ativa sobre sua doença — e ser responsável pela sua saúde. Advogava boa gestão ao invés da “cura”.  Soa familiar?

Não obstante, este autor acredita que todo paciente possui dentro de si as informações necessárias para chegar a uma lista de prováveis hipóteses diagnósticas. Cabe ao clínico  decodificá-las. É um trabalho comparável ao de Sherlock Holmes, famoso personagem-detetive do célebre escritor Sir Arthur Conan Doyle. Holmes observava pistas, e com uso da razão e da lógica, chegava a uma conclusão plausível. Mas não como no seriado House, em que o personagem principal, um médico brilhante, mas extremamente anti-social (interpretado por Hugh Laurie), considera a doença como o crime e o paciente como o criminoso. Nunca podemos esquecer que estamos tratando de um ser humano que veio procurar nossa ajuda. Sem perder a ternura, como dizia Che Guevara.

Temos que “pinçar” as informações necessárias a partir do que o paciente nos relata e ficar atento às pistas. O primeiro passo é por meio da boa e velha observação — calcada, mais uma vez, em mais de 50 séculos de exercício da medicina. Mas também ficar atento aos anseios do paciente.

Afinal de contas, o que o paciente quer e necessita é de respostas claras e concisas; confiar na eficácia do tratamento; e sentir a segurança transmitida pelo profissional. Sentir-se tratado como um ser humano, e não como um órgão.

Enfim, sentir-se respeitado como pessoa.