Muita gente sofre de prisão de ventre. Mais até do que pensamos. Esta quantidade chega a quase 20% da população — aproximadamente 35 milhões de pessoas só no Brasil. Três a cada dez mulheres sofrem com o intestino preguiçoso. Com a rotina moderna, elas acabam sendo as maiores vítimas por ficarem constrangidas em usar o banheiro fora de casa e não responder ao estímulo natural do organismo.
Se a demora for mais de 24 horas, caracteriza-se prisão de ventre, de acordo com a Organização Mundial de Gastroenterologia. Paradoxalmente, eliminar fezes 1-2 vezes ao dia pode também significar constipação — basta que haja retenção das mesmas no intestino por mais de 24 horas. O problema é que, à medida que o tempo passa, o corpo interpreta que é preciso esperar um acúmulo cada vez maior para avisar que chegou a hora.
“A constipação é um distúrbio muito frequente. É difícil de ser notado, pois as pessoas consideram um hábito evacuarem a cada três ou quatro dias. Resultado: apelam para o uso de laxantes sem prescrição médica e se acostumam com as dificuldades que enfrentam para defecar”, explica o ex-presidente da Federação Brasileira de Gastroenterologia, Dr. Antonio Frederico Magalhães.
O resultado é dor, desconforto, acúmulo de gases, barriga estufada, pele opaca, mal-estar, ansiedade, cefaleia, cansaço crônico, queda na libido, mau humor e depressão. A longo prazo, podem ocorrer hemorroidas, inflamações e até câncer no intestino. Mas há mais problemas que nem sonhávamos existir com prisão de ventre.
O intestino pode ser também afetado pela coluna. Uma pessoa em plena crise de hérnia de disco, com lombalgia e dores ciáticas à níveis verdadeiramente insuportáveis, mal podendo caminhar — como pode sentar-se na privada para fazer suas necessidades? A dor não deixa. E o sistema autonômico parassimpático, oriundo do sacro, aumenta a motilidade intestinal e pode muito bem ser afetado por uma disfunção pélvica. O sistema simpático então se torna dominante, e diminui as atividades intestinais. O resultado é constipação.
A prisão de ventre pode também afetar o limiar da dor de uma pessoa, alterando sua percepção de dor na coluna, por exemplo. Isto tem a ver com a secreção de um hormônio chamado serotonina e de outro chamado encefalina. Juntamente com outros peptídeos como a colecistocinina e o polipeptídeo intestinal vasoativo, estas substâncias são influentes no intestino e no cérebro, aumentam a secreção no intestino delgado e são vasodilatadores. E suscetíveis à influência do sistema autonômico parassimpático.
A serotonina é um neurotransmissor, cujos neurônios secretores se originam nos núcleos da rafe da linha média da porção inferior da ponte e do bulbo. Projetam fibras para muitas áreas do sistema límbico, hipotálamo, algumas outras áreas do cérebro e para os cornos dorsais da medula espinhal. Ali, este hormônio estimula a produção de encefalina, que bloqueia sinais de dor na entrada inicial da medula espinhal. A encefalina é semelhante à estrutura química dos opioides (morfina ou heroína), e se origina de neurônios do hipotálamo e do sistema nervoso entérico do trato gastrointestinal. A serotonina, por sua vez, também pode ser encontrada em quantidades significantes no tecido cromafin do intestino e de outras estruturas abdominais dos mamíferos.
A questão se torna mais complexa a partir daqui. Lembra que os neurônios secretores de serotonina se originam nos núcleos da rafe da linha média da porção inferior da ponte e do bulbo do cérebro? Esta área é também associada ao sono natural. Logo, a serotonina é considerada uma das principais substâncias associada com a produção de sono. Sua composição química (5-hidroxitriptamina) é análoga estrutural do LSD. Além de diminuir os tratos da medula espinhal associadas com a dor, controla também o temperamento. Sua deficiência diminui o apetite e o desejo sexual; e causa insônia e depressão. 8 milhões de pessoas nos Estados Unidos sofrem de depressão mental psicótica. Vivem à base de medicações como inibidores da monoamina oxidase (bloqueiam a destruição da serotonina) e antidepressivos tricíclicos (bloqueiam reaproveitamento de serotonina e norepinefrina (noradrenalina) nas terminações nervosas, fazendo ficar ativas por mais tempo). Poderia prisão de ventre crônica ter algo a ver com isso?
Serotonina e encefalina fazem parte de um time de neurotransmissores secretados pelas terminações nervosas de diferentes tipos de neurônios entéricos: acetilcolina, norepinefrina, trifosfato de adenosina, dopamina, somatostatina, bombesina e substância P. Esta última estimula a transmissão da dor. Serotonina e encefalina inibem a dor. Um intestino preguiçoso inibe a produção de serotonina e deixa a Substância P livre para agir.
Em suma, intestinos também produzem neurotransmissores que inibem a dor. E estes neurotransmissores são altamente suscetíveis à prisão de ventre. Se o intestino não estiver funcionando apropriadamente, a produção de serotonina e encefalina pode ser afetada. Como ambas são analgésicas e estimulam outros sistemas que inibem transmissão da dor, prisão de ventre crônica pode causar uma susceptibilidade maior da pessoa de sentir dor, ampliando-a significativamente. Alguns estudos de 2017 e 2018 já fizeram esta correlação.
Prisão de ventre pode, portanto, aumentar as dores musculoesqueléticas; deixar a pessoa suscetível a sentir mais dores do que o normal; e, por tabelinha, exercer certa influência nas dores de coluna. Quem tem prisão de ventre pode sentir mais dor do que quem é “regular”. Mas tem jeito?
Dr. Antonio Frederico Magalhães acredita que sim. Ele atesta que “a ingestão de uma dieta equilibrada, composta por alimentos funcionais, entre eles os probióticos — alimentos que, comprovados cientificamente, interferem na melhora do intestino — somados à prática de exercícios físicos e visitas periódicas ao gastroenterologista ou clínico geral, podem prevenir ou reduzir este problema”. Dr. Magalhães alerta que o intestino pode afetar células do sistema imunológico, responsáveis pela defesa do organismo. Uma infecção ou gripe atrás da outra por baixa resistência, por exemplo, pode estar relacionada à prisão de ventre. Ele lembra que 29 de maio é o dia mundial de saúde digestiva. E oferece algumas dicas:
Quiropraxistas tratam de disfunções da coluna vertebral. Nosso objetivo é normalizar a função articular e restaurar (na medida do possível) a biomecânica ideal da coluna. É inteiramente concebível que, se os ajustamentos de Quiropraxia façam a região pélvica (em particular a região sacral) voltar ao bom funcionamento fisiológico, os impulsos do sistema parassimpático sejam então normalizados e a motilidade intestinal obtenha uma certa melhora. Quantos de nós não observaram isso clinicamente? Um paciente dizer que melhorou da prisão de ventre e se a Quiropraxia não teve algo a ver com isso?
Ressalte-se que Quiropraxistas tratam de disfunções das articulações da coluna vertebral e extremidades. Não tratam constipação. Isso é função do médico gastroenterologista. É importante que o paciente entenda este bônus como um uma espécie de “efeito colateral” do tratamento — que não ocorre com qualquer um. E que, por isso, não saia por aí recomendando Quiropraxia a quem tem prisão de ventre.
E muito menos o Quiropraxista também sair por aí anunciando que resolve prisão de ventre. É propaganda enganosa, informação ilusória e incerta — sem falar da conduta antiética.
Ainda assim, manter o bom funcionamento intestinal pode ajudar a diminuir dores na coluna vertebral. Quem não quer isso?