Quem de nós, Quiropraxistas, não teve pelo menos um paciente nos perguntando sobre a eficácia do cloreto de magnésio para problemas de coluna? Apesar de ser apenas um sal, volta e meia pipocam na internet artigos enaltecendo os efeitos terapêuticos de tal substância. E esse disse-me-disse já ocorre há décadas.

Pierre Delbet (1861–1957) foi creditado como a primeira pessoa que “descobriu” as propriedades antissépticas do cloreto de magnésio. Este cirurgião francês usou sua descoberta para tratar as feridas dos soldados durante a I Guerra Mundial.

Até mais ou menos trinta anos atrás, usava-se este sal para tratar arritmias. Tal procedimento acabou sendo “abandonado (…) por se mostrar pouco eficaz”, afirma o cardiologista Ibraim Pinto, do Hospital do Coração. Estudos sobre o uso do mineral no tratamento da asma e enxaqueca são, por ora, inconclusivos.

Até que, em 1985, Beno José Schörr, um padre e também Professor de Física, Química e Biologia de Santa Catarina, publicou um autêntico manifesto em prol do cloreto de magnésio. Tal qual um vírus, o texto disseminou-se rapidamente na internet e é supostamente baseado nas suas experiências pessoais. O padre afirmava que, na época com 61 anos de idade, “estava quase paralítico (…)”, e creditou a cura de seus problemas de coluna ao uso deste sal. Recomenda a substância para “os desenganados de bico de papagaio, nervo ciático, coluna e calcificação (…) até artrose”, passando também por casos de próstata, “achaques da velhice” e (pasmem!) câncer.

Até onde se sabe, padre Schörr viveu uma vida saudável e produtiva. Morreu afogado em 2005 aos 92 anos numa praia em Florianópolis, de acordo com a edição n° 778 da Tribuna Catarinense (20/05/2005).

Presume-se que, como lecionava química, nosso religioso sabia do que estava falando. O cloreto de magnésio (MgCl2) é um composto químico usado largamente para fins culinários e industriais. É extraído principalmente da água do mar. Já o magnésio é um mineral de suma importância para o corpo humano. É envolvido “na produção de energia das células na ativação de mais de 300 enzimas e na geração de estímulos elétricos necessários ao funcionamento das células cardíacas, musculares e nervosas” (VEJA, 03/02/2010). Este micronutriente é, portanto, essencial para o bom funcionamento do nosso organismo.

O magnésio tem um importante papel na estabilidade celular. Quando há diminuição dos níveis sanguíneos do mineral, cálcio não é absorvido corretamente. E este cálcio supostamente acaba “grudando” nos vasos sanguíneos, ossos e articulações. Daí tecnicamente as origens dos bicos-de-papagaio, artrose, cálculo renal, cardiopatias, senilidade, catarata e até câncer — como afirmam algumas fontes francamente favoráveis ao cloreto de magnésio. Bom demais para ser verdade? Provavelmente é. Não existe consenso se isto ocorre de fato — ou pelo menos nestas dimensões. De acordo com a nutricionista Ana Maria Lottenberg, da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, “não há nenhum embasamento científico para os benefícios atribuídos à substância”.

Para os defensores do cloreto de magnésio, a maioria da população apresenta deficiência desse mineral. Suplementação, portanto, seria necessária. No entanto, o magnésio é abundante na típica dieta brasileira, que inclui feijão, banana, leite, ervilha, aveia, lentilha, castanhas e grande parte das verduras e legumes — mais do que o suficiente para suprir as necessidades diárias de 300 miligramas. “Portanto, se a pessoa não apresentar deficiência de magnésio, não há recomendação médica para que seja feita a suplementação”, afirma Lottenberg.

Nosso organismo, após ingerir cloreto de magnésio acima das recomendações diárias, pode simplesmente eliminar o excesso nas fezes e na urina. A suplementação, pois, torna-se inócua. Mas pode também intoxicar. E a substância é um potencial irritante. Há casos de diarreia, irritação do estômago e intoxicação renal. Por isso, convém não ingerir o sal se o dileto leitor sofrer de alguma doença nos rins, úlcera estomacal, estiver desidratado ou tiver alguma alergia a esta substância.

Isto não significa que não haja benefícios. Pode até haver. Mas mais prudente seria consultar um médico antes de consumir o tal cloreto de magnésio. Afinal de contas, por que dar tanta vazão assim à sorte?