Se o ser humano dorme (ou deveria dormir) oito horas por dia, então ele passa um terço de sua vida nos braços de Morfeu. Um sujeito de 60 anos de idade pode muito bem passar cerca de 20 anos dormindo. Aqui no Nordeste, pelo menos uma parcela desse sono se passa numa gostosa rede. Utensílio doméstico de origem indígena, ela está presente em grande parte das residências. E quanto mais ao norte o país for, mais rede se usa — não só em casas, mas em barcos também. Há até mosquiteiros de rede.
“Durante o Brasil Colônia, a rede era utilizada para dormir, enterrar os mortos no meio rural e como meio de transporte. Com a vinda dos portugueses, as mulheres dos colonos adaptaram a técnica indígena (feita com cipó e lianas)…” Elas começaram a fazer redes de algodão “e enfeitadas com franjas”. (Jornal A TARDE, 29/12/2012)
A rede naquela época era necessária, até mais do que uma cama. As casas não primavam pela limpeza. Ratos e insetos passeavam pelos quartos. Dormir suspenso sem tocar no chão era uma questão de saúde pública. Os escravos africanos não gostaram da novidade. Preferiram dormir no chão, por mais que suas amas insistissem.
O nome indígena para rede é hamaka. Foneticamente, a língua inglesa foi a que mais chegou chegou perto do nome original: hammock. Ergonomicamente, porém, a estória é outra. Deitar-se na rede faz mal para a coluna? Será que aquele doce balançar é ruim mesmo para as nossas costas?
Para quem já sente dores na coluna, dormir na rede é sem dúvida desconfortável. Mas dormir em uma rede por si só efetivamente gera problemas na coluna? Não há consenso. Se esta máxima fosse verdadeira, haveria uma incidência muito maior de dores de coluna na população do Norte e Nordeste, se comparados ao resto do Brasil. E não é assim. Este que vos escreve já atendeu nas regiões Sul, Centro-Oeste e Nordeste e nunca notou qualquer tipo de correlacionamento. Até o presente momento ainda não atendeu também um só índio com lombalgia. E considera-se fã incondicional de redes. Daqueles de carteirinha!
A verdade é que nem os especialistas estão de acordo. Num artigo da G1 alguns anos antes, o ortopedista Alexandre Fogaça, do Hospital das Clínicas de São Paulo foi taxativo: dormir em rede é ruim. Ao deitar-se nela, as costas ficam em forma de “C”. Não há, pois, adaptação da curvatura.
Esta informação procede, mas SE o indivíduo dormir no sentido paralelo da rede. A coluna fica numa posição neutra ao deitar-se no sentido transversal. Desta forma, o ato de dormir numa rede já não se torna ergonomicamente incorreta.
A posição linear da coluna ao dormir “proporciona o relaxamento dos discos de cartilagem”, avisa o médico ortopedista especializado em coluna vertebral Fabio Ravaglia. “Em muitas regiões no Brasil, continua forte o hábito de se dormir em redes — o que não traz problema para a coluna desde que se evite a posição de barco e se mantenha a coluna reta, o que é possível deitando na rede na transversal. Mas, independente da cultura, não podemos negar que o colchão surgiu para tornar o ato de dormir mais confortável”.
A distância aproximada entre os armadores deve ser de 3,75 metros numa altura média de dois metros do solo. “Os armadores podem ser instalados tanto em paredes opostas (uma de frente para outra), como em paredes vizinhas, uma ao lado da outra, desde que faça um ângulo de, pelo menos, 90 graus”. (A TARDE)
É tudo uma questão de técnica e de boa vontade. Mas que vale a pena aprender a deitar apropriadamente numa rede só para curtir um soninho no seu doce balançar sem ter que arcar com a dor da coluna no dia seguinte — ah, isso vale.
E como vale!