Os bebês recém-nascidos não conseguem controlar os músculos do pescoço e, por tabelinha, a cabeça. Aos poucos, nos próximos seis meses, eles ganham esta habilidade. O controle cervical é imperativo para vencer outras etapas de desenvolvimento. Sentar e andar, por exemplo, dependem primeiro da capacidade de controlar os músculos do pescoço — alguns intimamente interligados aos reflexos pupilares. Em outras palavras, o recém-nascido só consegue focar sua pupila após adquirir algum controle do seu pescoço.
Ao nos tornarmos bípedes, a sustentação e a flexibilidade do pescoço tomaram outro significado. O corpo foi obrigado a bombear mais sangue para o cérebro, que cresceu vertiginosamente. Esta expansão, principalmente na região frontal, nos deu uma testa. Os demais primatas não têm esta característica. Não como nós.
Apesar de perdermos a capacidade de mover as orelhas para identificar sons, ganhamos em mobilidade da cabeça. Animais como gatos ou cervos, ao ouvirem um som atípico, erguem a cabeça e movem as orelhas na direção do barulho. Nós viramos o pescoço para descobrir de onde o som vem. O resultado final é praticamente o mesmo.
Andar ereto requer um envolvimento maior da capacidade de equilíbrio, regido pelo ouvido interno. Cada um dos três canais semicirculares é ativado por certos movimentos cervicais. São estas constantes e sutis adaptações do equilíbrio que tornam possível nossa vida de bípede.
O pescoço feminino, mais delicado e alongado do que o masculino, é objeto de adoração por parte de algumas culturas. Os japoneses são conhecidos por terem uma certa fixação por nucas, por exemplo. Mas nada se compara com as mulheres-girafas da tribo padaung.
Mianmar é um pequeno país budista encravado no sul da Ásia. Faz fronteira com Laos, China, Tailândia, Índia e Bangladesh. Até relativamente pouco tempo atrás era conhecido como Birmânia. Ou Burma.
Independente desde 1948, Mianmar sofreu alguns golpes de estado. A figura mais prolífica da resistência contra a ditadura foi Aung San Suu Kyi, vencedora do Nobel da Paz em 1991. A ditadura caiu em 2011 e foi instaurada um arremedo de democracia. Suu Kyi assumiu em 2016 a posição de Conselheira de Estado — uma espécie de Primeira-Ministra. Mas foi acusada de fazer vista grossa aos intermináveis conflitos no país. Finalmente, no começo de fevereiro de 2021, militares do governo deram mais um golpe de estado, assumiram o poder, prenderam o Presidente a a própria Suu Kyi, e dizem eles que pretendem permanecer no poder por um período de um ano. Cenas dos próximos capítulos…
Pois é. Existe uma tribo neste conturbado país em que as mulheres, desde novinhas, usam anéis de cobre no pescoço. Quanto mais alta e alongada a cervical, mais bela é considerada a mulher. Elas começam usando cinco colares, e vão adicionando cada vez mais ao decorrer dos anos. Podem atingir 25 colares, mas o objetivo é a assombrosa quantia de 32. Este número, porém, é meio utópico — poucas mulheres o atingem. Os aros de cobre, também usados nos braços e pernas, podem pesar de 20 a 30 quilos numa mulher adulta.
Cada anel é eventualmente substituído por um mais largo. O peso comprime as clavículas e a caixa torácica. As resultantes deformações destas estruturas fazem com que o pescoço pareça mais longo do que realmente é.
Não obstante, já foi documentado um recorde de 40 centímetros de pescoço. Os músculos são distendidos até o limite. As vértebras cervicais se afastam uma da outra de uma maneira totalmente anormal. E gera uma fragilização impressionante. As mulheres padaung conseguem tirar os anéis em determinadas ocasiões. Mas, dizem, que se virar o pescoço bruscamente, pode fraturar.
Esta “lenda” é completamente plausível. A musculatura, cronicamente atrofiada, juntamente com a descompressão discal, e adicionado à perda óssea, podem, sim, causar algum tipo de problema — até alguma incapacidade de sustentar o peso da própria cabeça. Mas, por outro lado, o uso contínuo dos aros estabiliza o pescoço. Tirá-los, no entanto, muda toda a conversa.
Exageros à parte, esta estória meio que lembra o uso do colar cervical para estabilizar pacientes com dores no pescoço. Sim, o colar estabiliza, mas cobra um preço: a literatura sugere que perda muscular começa já no primeiro dia de uso. Imaginem usar o tal colar por 30 dias?
Mas voltando às mulheres-girafas, ninguém sabe ao certo como este estranho costume começou. Algumas fontes afirmam que foi para desestimular a captura das mulheres por tribos vizinhas. Outras, para proteger o pescoço delas contra mordida de tigres. Finalmente, há quem diga que a questão é estética mesmo. Os homens padaung podem, sim, ter verdadeira tara por pescoçudas.
Afinal de contas, há gosto para tudo neste mundo.
EM TEMPO: Boa parte das informações coletadas neste artigo vieram do magnífico livro A Mulher Nua, de Desmond Morris (Editora Globo, São Paulo, 2005). Recomendo.
O título do artigo ficaria mais correto se fosse As Mulheres-Girafas do Mianmar. A palavra “Birmânia” ressoa melhor, mais exótica e até mais pitoresca — na opinião deste que vos escreve.