Sí, me encantan las películas mexicanas. Olha só que maravilha este diálogo:
INGENIERO — ¿Te acuerdas de los hombres del 78? ¿Cuantos muertos fueron?
TOÑO — Cinco. Anoche anterior yo me lastimé la spalda y me tuve que quedar en cama. Así que ni siquiera pude ir a rescatar mis compañeros.
INGENIERO — Terrible accidente… ¿Y ya no volvió a trabajar en la construcción?
TOÑO — Me dediqué a otros negocios…
INGENIERO — Por qué, ¿Toño? Si usted era uno de los mejores líderes…
TOÑO — Pues sabes lo que dicen por aí, ingeniero: “el buen capitán o salva su barco o se hunde con él”. (pausa) “Y yo no hice ni una cosa ni otra”.
Culpa. Tem coisa pior que corroi a alma de um ser humano?
Toño (Damián Alcázar) é um homem solitário e de poucas palavras. Resignado, acorda cedo no ferro-velho que toma conta, bebe um café sem açúcar e vai ver o sol nascer. Até um dia em que seu patrão chega com notícias pouco alentadoras. “En un desguace, los coches van a morir. Y yo estaba dispuesto a morir allí también. Pero un día, fui reemplazado por un perro.” Sim, nosso protagonista foi despedido e colocaram um cachorro no seu lugar. Apesar de ter passado lá seus 11 anos, juntou seus trapinhos numa mochila, pegou uma caixinha cheia de fotos, ligou sua caminhonete e se mandou sem olhar para trás.
Mas analizemos as outras duas frases anteriores em espanhol: se carros vão morrer no ferro-velho, por que um homem de cinquenta e tantos anos de idade estava disposto a morrer lá também?
É difícil para um sujeito com tamanho senso de responsabilidade aceitar seus fracassos na vida. No decorrer do filme, vamos gradativamente entendendo os motivos de Toño. Houve perdas. Houve briga e desentendimento com um filho de quem já não tem mais notícias — apesar de passar anos procurando-o. Houve um mergulho intenso e uma dedicação extrema no seu trabalho no setor de construção. Até o dia em que a coluna atacou e teve que ficar de repouso (“anoche anterior yo me lastimé la spalda y me tuve que quedar en cama“). Nesta mesma noite ocorreu uma tragédia em que perdeu 5 companheiros. Toño era o líder do grupo. Não se perdoava por não ter ido. Achava que poderia ter evitado tudo aquilo. “El buen capitán o salva su barco o se une con él. Y yo no hice ni una cosa ni otra” (“O bom capitão ou salva seu barco ou se une a ele. E eu não fiz nem uma coisa nem outra”).
Foi a gota d´água. Corroído pela culpa do ocaso da família — e mais agora do ocaso do trabalho — pediu demissão e se retirou para viver o restante dos seus dias no tal ferro-velho. Isso até ser despedido e “substituído por um cachorro”.
Agora era só ele, a caminhonete, a mochila, a caixa das fotos, e aquele sertãozão mexicano perdido no meio do nada. Toño saiu atrás de emprego nos sonolentos e bucólicos vilarejos daquele fim-de-mundo. Acabou encontrando um bico como frentista num posto de gasolina. Até que um dia aparece um velho conhecido que se admira de vê-lo ali.
Assim começa A Estreita Faixa Amarela (La Delgada Línea Amarilla), um filme mexicano de 2015 que pode ser encontrado no AppleTV+ e no Youtube.
Desabafando com este velho conhecido (na verdade, seu ex-chefe, referido apenas como “engenheiro”), Toño “fala das vicissitudes relacionadas ao mercado de trabalho e sobre a facilidade com que as empresas da iniciativa privada têm para demitir os seus empregados, se assim lhes der na telha”. El ingeniero sabe que está diante de um profissional de quilate, “outrora trabalhador respeitado na construção de estradas pelo país”, e lhe faz uma proposta irrecusável: “comandar a pintura da linha amarela que separa as vias de uma estrada recém-reformada”. O trabalho não era fácil, mas o soldo era excelente. Sob sua tutela uma equipe de quatro outros homens sem experiência “para pintar a faixa amarela central — aquela que serve de guia para os motoristas — por mais de 200 quilômetros de uma estrada que liga as cidades de San Jacinto e San Carlos” (no norte do México): uma região seca, inóspita, muito parecida com o semi-árido do Nordeste aqui no Brasil.
“O trabalho renderá um bom dinheiro, mas deve ser concluído em apenas 15 dias — no caso, antes que chegue a estação das chuvas e com ela os desabamentos de terras que podem resultar em acidentes (condição traumática que já ocorrera no passado).”
Sem perspectivas, Toño topa a empreitada. E com ela as tribulações e idiossincrasias de lidar com 4 sujeitos, “todos típicos losers de uma sociedade devastada pelo desemprego” — mas cada um com histórias interessantes para contar, “minimamente encantadoras em sua simplicidade e nos pequenos desejos que carregam”:
Com uma fotografia belíssima, o filme retrata a odisseia desses 5 arriscando a vida numa estrada numa região de caatinga que não tem mais tamanho, “em meio ao sol escaldante, ao clima seco e as paisagens áridas”; vencendo, passo por passo, as duas centenas de quilômetros que separam as duas cidades; e se aprofundando nas angústias, “sonhos, anseios, traumas, medos e arrependimentos” de cada um dos personagens — sobretudo porque “há ainda uma curiosa ética do trabalho (…) repetida nos discursos, sobretudo de Toño, sobre a importância do ofício que exercem, tanto num sentido mais prático (a divisão das pistas de uma estrada, que organiza o trânsito de veículos) quanto pretensamente filosófico (se referindo à importância de se ter um guia ao longo da jornada da vida). Por mais depauperados que sejam os personagens, eles carregam essa necessidade de cumprir, a todo custo, o que lhes foi demandado (…)” — uma ingenuidade que talvez esteja perdida neste nosso mar de cinismo tupiniquim…
O então novato diretor Celso R. Garcia consegue desenvolver bem os personagens, “dando o devido tempo para cada uma das cinco figuras que povoam sua narrativa se tornarem minimamente encantadoras em sua simplicidade e nos pequenos desejos que carregam” — e que fará, mesmo com “um pequeno fiapo de história, se transforme em um painel maior da sociedade, em que sentimentos como empatia, tolerância e respeito devem ser estimulados para que haja uma boa convivência”.
Toño, Pablo, Gabriel, Atayde e Mario “são figuras suficientemente carismáticas para segurar o filme e tornar verossímil, mesmo emocionante, a relação estabelecida no interior do grupo. São especialmente bonitos os momentos em que eles confraternizam e revelam um pouco mais de seus passados, formando laços que se tornam importantes para o funcionamento emocional de alguns desdobramentos da narrativa”.
E ainda que, inicialmente, o debate principal dessa verdadeira pérola do cinema mexicano tenha parecido ser (sobre desemprego), “logo o tom muda e passamos a entender que a obra (…) é muito mais sobre recomeços, sobre reencontros, sobre talvez buscar aquilo que já se considerasse perdido (…). E é por isso que, paradoxalmente, a morte aguardada por Toño, no começo da película, dará lugar a motivação para viver” — especialmente quando se tem, no final do filme, a oportunidade de reviver o que achava que poderia ter mudado antes, apesar da presença, das tentativas e dos avisos.
“Em resumo, A Estreita Faixa Amarela é o tipo de obra que prova que não são necessárias grandes tramas, cheias de reviravoltas, para que haja bons filmes, capazes de discutir conceitos simples mas importantes — como amizade ou companheirismo”.
Uma curiosidade: mesmo passando 15 dias dormindo no relento e trabalhando como jumentos, não se observou nenhum indício de problemas de coluna — sobretudo no personagem principal (Atayde usava uma cinta lombar numa cena em que jogava futebol, mas só). Teria sido interessante correlacionar isso com os momentos finais do filme. Por outro lado, talvez lhe teria também tirado a dinâmica da narrativa.
Enfim… Vale a pena assistir.