Biritinga é uma bucólica e sonolenta cidadezinha de pouco mais de 15 mil habitantes localizada no norte da Bahia, numa região do sertão baiano conhecida pela produção de sisal. Bucólica? Sonolenta? Pois Biritinga foi palco de um embróglio que já dura um bom tempo e teve em 2025 seus 15 minutos de fama nos noticiários brasileiros.
Foi nesta bucólica e sonolenta cidadezinha que Fábia se apaixonou perdidamente por Acel e se casaram por lá em 2012 — ela aos 21 anos de idade, ele aos 26. O casamento foi registrado em Serrinha, uma cidade maior que fica a 24 km de Biritinga. “Eu casei com tanto amor, quando vejo as fotos desse dia eu me emociono”, ressalta a dileta esposa. Eventualmente os pombinhos se mudaram para Abrantes, em Camaçari, na Região Metropolitana de Salvador (RMS). Iam levando uma vida sossegada até tomarem o que provavelmente foi o maior susto da vida deles.
Entra em cena Abel, irmão mais velho de Acel. Este “nasceu em 16 de agosto de 1985, enquanto (seu irmão) em 15 de agosto de 1986”. Os dois nasceram na mesma cidade e, por serem irmãos, obviamente, possuem os mesmos sobrenomes.
Um parêntese: esta informação acima vai ter uma significância mais tarde na nossa história. Esperem e verão.
As coisas também estavam caminhando direitinho na vida de Abel. Ele conseguiu um emprego com plano de carreira numa mineradora e foi morar em Juazeiro. Havia juntado os trapinhos com Anny Beatriz em 2019 e desta união, 5 anos depois, nasceu um simpático e fofilho pimpolho. A vida sorria também para aqueles dois.
Pois é.
Um dia, em 2021, apareceu uma oportunidade de promoção na empresa em que Abel trabalhava. Bastava fazer um curso “que possibilitaria a transferência para o setor de detonação de explosivos da” mineradora. Mas para pegar o certificado, o rapaz precisava apresentar sua carteira de identidade. A que tinha estava defasada e precisava tirar uma nova. Agendou um horário no Serviço de Atendimento ao Cidadão (SAC). Quando foi lá munidos dos documentos necessários, descobriu algo inusitado: Abel era um homem casado e, portanto, precisava apresentar a Certidão de Casamento.
Um detalhe: Abel nunca se casou oficialmente — nem com Anny Beatriz, nem com ninguém. “Falaram que eu tinha uma cônjuge. Eu disse que nunca fui casado. Foi aí que começou toda a peregrinação”, conta.
A situação foi a seguinte: durante o casamento de Acel com Fábia, “o nome do noivo certo foi lançado de forma incorreta no livro do cartório” — e adivinhem qual foi o nome que apareceu na Certidão de Casamento? Abel. Com dois irmãos de nomes quase idênticos, mesmos pais, nascidos com diferença de 1 ano, algum distraído tabelião lavrou o documento com o nome errado.
“Para a defensora pública Julia Lordelo dos Reis Travessa, também há a possibilidade desse tipo de problema ocorrer ao passar o registro escrito para o banco de dados digital, medida que tem sido adotada nos últimos anos. ‘Os irmãos podem ter os registros nos mesmos cartórios e podem estar em ordem alfabética muito próxima’, explicou.”
Ok, erro cometido, bastava mudar o nome do noivo no sistema e corrigir o problema. Simples assim, né? Ledo engano.
A tal “peregrinação”, como bem disse Abel, foi, na verdade, um verdadeiro calvário. Desde que descobriram o equívoco, “a família diz ter feito mais de 50 visitas ao fórum e ao cartório de Serrinha, enfrentando muita burocracia. ‘Pedíamos para parentes irem ao cartório, mas exigiam a nossa presença. Quando íamos, a juíza, que atende três comarcas, não podia nos receber. Em outras vezes, diziam que só a juíza titular poderia encontrar uma saída. E também ficávamos sendo empurrados entre cartório e Justiça’, relata Acel”.
Outro detalhe: De Camaçari a Serrinha, são mais de 3 horas de viagem. De Juazeiro a Serrinha, 7 horas.
“Diante da dificuldade, os irmãos decidiram recorrer à Justiça. ‘Há dois meses procurei um advogado, porque não consigo emitir minha certidão de nascimento nem tirar outro RG. Isso está atrapalhando meu crescimento profissional, porque preciso da documentação correta para ter acesso ao certificado de um curso profissionalizante. Me sinto prejudicado financeiramente e emocionalmente’, desabafa Abel.” “Como que eu, que trabalho como CLT, vou ter tempo de ficar nesse jogo de empurra-empurra, viajando para lá e para cá?”
Fábia ficou desconsolada e revoltada — “principalmente porque disseram para ela que uma das soluções é se divorciar do marido ‘original’ para regularizar a situação. (…) ‘Agora eu talvez precise descasar para resolver a situação e eu não quero isso, não foi um erro meu’, desabafou”. Sim, um dia que foi tão especial na sua vida gerou um documento equivocado e ainda por cima, ilegal.
“No Brasil, não é possível ser casado com duas pessoas ao mesmo tempo. Na Justiça, também não é possível se casar com o ex-sogro ou cunhado, por exemplo, pois o parentesco por afinidade não se extingue com o divórcio. Nesse contexto, não seria possível Fábia ser casada com Abel e Acel, ou seja, juridicamente há a possibilidade dela estar casada apenas com o cunhado.”
Fábia pode ter ficado desconsolada, mas Anny Beatriz teve uma reação mais gutural. É que ela e Abel sonhavam “em formalizar a união. Segundo o minerador, a mulher já chegou a pensar em terminar o relacionamento por acreditar que ele estava ‘enrolando’ para casar“. E ainda tem outro agravante que, quer queira ou não, coloca uma certa pressão no casamento: uma fonte diz que “Anny Beatriz, está com um desvio na coluna e os dois têm gastado muito dinheiro com exames e consulta. Como não são casados legalmente, ela não pode aderir ao plano de saúde da empresa dele, como dependente”; outra fonte alega que a “mulher está com grave problema na coluna e casal tem investido recursos em consultas e exames caros. Como não são legalmente casados, ela não pode ser dependente do plano de saúde do companheiro”.
Pensaram que este artigo não teria algo relacionado com a coluna vertebral? Resta saber agora que “desvio de coluna” e “grave problema” seria esse. Pena não existir Quiropraxista formado em Juazeiro. Pelo menos ajudaria a debelar as dores de Anny Beatriz. E aliviar um pouco os problemas do casal…
Os amigos e vizinhos — e possivelmente os parentes e moradores de Biritinga — não deixaram barato e tiraram o maior sarro. “As pessoas fazem piadas pesadas. Diziam: ‘olha a mulher casada com os dois irmãos’ ou chamavam de ‘Dona Flor e Seus Dois Maridos’. A gente levava na esportiva para não arrumar confusão, mas incomoda”, afirma Acel. “(…) mas é uma situação constrangedora para quem está vivendo”.
Até o momento que este artigo foi escrito, nada ainda foi resolvido. Abel continua “enrolando” a esposa para casar, a promoção não ocorreu — nem tampoco o plano de saúde para Anny Beatriz.
Procurado pelas reportagens, a Defensoria Pública da Bahia ressaltou que “o casal ‘trocado’ não precisa se divorciar para resolver a situação”. (…) “Além disso, ninguém precisa fazer viagens até o local do casamento para resolver esse tipo de problema. Basta entrar em contato com a Defensoria Pública mais próxima através do telefone, aplicativo ou site. O defensor responsável vai explicar o passo a passo e entrar em contato com a unidade da Defensoria em Serrinha, cidade próxima a Biritinga, onde ocorreu o casamento.” Falando assim, parece tão fácil, não parece?
E, diante da repercussão do caso, “o Tribunal de Justiça da Bahia (TJBA) afirmou que a unidade competente já adotou as providências necessárias para sanear o problema”.
Hum. Só falta combinar isso com a vida de Fábia e Acel, o plano de carreira de Abel e a dor de coluna de Anny Beatriz.