Modern Family foi um seriado no formato de “documentário fictício” — bem ao estilo de The Office (2005-2013). O intuito do programa foi meio que subverter os conceitos familiares do novo milênio. Lançada em 2009 nos Estados Unidos e encerrada em 2020, ganhou 22 Emmys™ — incluindo o de Melhor Série de Comédia por 4 anos seguidos (2010 a 2014).

A série retrata as aventuras e desventuras de três núcleos familiares interligados um ao outro:

  • A primeira família tem como patriarca o bem-sucedido sessentão aposentado Jay Pritchett (Ed O’Neill, de Married…with children — exibido na Band nos anos 90 como Um Amor de Família). O sujeito casou-se com uma mulher bem mais nova que ele, uma exuberante perua colombiana chamada Glória (Sofia Vergara). A primeira providência que ele tomou no casamento foi bancar os implantes de silicone da nova esposa. E capricha para tentar seguir o ritmo dela, mesmo que, para isso, a coluna tenha que travar de vez em quando. Foi o que aconteceu num dos episódios em que a família viajou para o Havaí. Em crise por ter feito aniversário e vivido mais do que seu pai, resolveu fazer mil e uma estripulias. Terminou o dia imobilizado numa rede e morrendo de dor lombar. Mas o que Jay não sabe é que Glória quer paz e sossego. Depois de um relacionamento conturbado com seu primeiro marido, ela deseja estabilidade (nem que pra isso tenha que se contentar com um sexozinho meio morno). Seu filho, o gorducho Manny, é sensível, simpático, inteligente, e com pretensões (fracassadas) de amante latino. Adoraria namorar meninas mais velhas (14-15 anos), mas só leva fora.

  • A segunda família é mais tradicional, mas também a mais atribulada. Phil Dunphy (Ty Burrell) quer ser o “pai porreta”, mas não dá uma dentro. Totalmente desantenado, só faz envergonhar sua prole, com exceção do caçula Luke, tão bronco quanto ele. A esposa, Claire (Julie Bowen), é filha de Jay Pritchett. Controladora, estressada, mas extremamente dedicada (até demais), ela se sente intimidada pela sexualidade aflorante da filha adolescente, a insípida Haley (Sarah Hyland), que namora um garoto líder de uma banda de rock de garagem (e, para desespero da mãe, um pouco mais velho). Sofredora é a filha do meio, Alex (Ariel Winter), uma espécie de Lisa Simpson de carne e osso, extremamente inteligente, mas sem muito tato social.

  • O outro filho de Jay, Mitchell Pritchett (Jesse Tyler Ferguson), é um advogado ambientalista. Apesar de todas as evidências (e não foram poucas), Jay não se dava conta nas primeiras temporadas de que o filho era gay (“tem pai que é cego”, já dizia Jô Soares). Até que Mitchell finalmente criou coragem para sair do armário e assumir uma relação estável com Cameron (Eric Stonestreet) — que rouba absolutamente todas as cenas que aparece. Cameron é delicado, afeminado, uma autêntica prima-dona. Mas, se mexerem com seu homem, esta gazela vira leão. E ruge grosso, muito grosso. O casal decide adotar uma bebê vietnamita e é uma graça ver Cameron assumindo seu lado maternal.

    Impressionante é que, na vida real, Ferguson é realmente gay. Mas Stonestreet não é.

Em seu primeiro ano, Modern Family conquistou 9,3 milhões de telespectadores nos EUA e foi indicada ao Globo de Ouro de melhor série (musical ou comédia) duas vezes. Com um roteiro ágil, uma câmera nervosa, atores afinados e produção caprichada, as tramas leves levavam os espectadores ao deleite.

“Logo nas primeiras cenas, a sitcom Modern Family deixa claro o universo que pretende satirizar: a gama de novos arranjos familiares que grassam na sociedade americana contemporânea — e o modo politicamente correto como aos poucos se passou a ver os mesmos” (VEJA, 05/05/2010). “O plot minimalista interage diretamente com o público, visto que os acontecimentos da série coincidirão, em algum momento, com a experiência cotidiana do espectador. O roteiro é igualmente simples, mas a engenhosidade com a qual é elaborado consegue compor sacadas geniais. Cada episódio é executado com bastante minúcia desde a direção à sua montagem final. Sabe quando você assiste a uma série ou a um filme e percebe que cada olhar, gesto ou momento de silêncio faz sentido? Esta é a ideia que Modern Family expõe, a de que cada elemento presente em cena tem um propósito demarcado.” (Plano Crítico, 26/05/2014)

A linguagem televisiva, bem documental, espelha os reality shows que fustigam e castigam nossa televisão desde a última década. Só que, ao invés de famílias de roqueiros aposentados e crianças mal-educadas, somos premiados com um seriado vibrante e muito engraçado.

É bem melhor do que acompanhar big brothers desmiolados correndo atrás de seus quinze minutos de fama. Sim, Andy Warhol deve estar se revirando no túmulo…

E a coluna lombar de Jake Pritchett, nas temporadas seguintes, parece ter se acomodado aos solavancos da patroa.