Com 3 filhos de mais de 20 anos de idade, hoje espalhados pelo país estudando em universidades federais, lembro-me, não sem certa nostalgia, da época em que eram preadolescentes ávidos por leitura. A escola onde estudavam, fundadas por freiras ursulinas há mais de 100 anos, investia nisso. A recomendação era que lessem, pelo menos, seis a sete livros por ano letivo.
Claro, o que começou como uma obrigação, logo virou diversão. Os meninos viajavam no universo de Jules Verne, Fernando Sabino, Jorge Amado, Miguel de Cervantes e muitos outros — apesar de uma ocasional derrapagem em Nicholas Sparks. Bem, nem tudo é perfeito…
Foi nesta época que meu filho do meio, leitor assíduo e extracurricular do seu então 7º ano, me chamou a atenção deste livro, Nele, havia algo relacionado a dores de coluna. E como este é o mote destes artigos, segue resenha abaixo:
A Cidade das Feras (La Ciudad de las Bestias, de Isabel Allende; tradução de Mario Pontes: – 4ª Ed. – Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2006), foi recomendado para o 7º ano (antiga 6ª série) no longínquo ano de 2013.
A autora, sobrinha do presidente chileno Salvador Allende (morto em 1973 em decorrência do golpe de estado no país) teve que se refugiar na Venezuela. Mora hoje nos Estados Unidos. Escreveu sucessos como A Casa dos Espíritos (1982).
Seu livro trata das aventuras de Alexander Cold, um típico garoto de 15 anos que mora na Califórnia. Sua mãe sofre de câncer. Por causa do tratamento, a família tem que se separar: as irmãs foram para um canto e ele para outro. Alexander foi morar com sua avó paterna, que acontece de ser uma escritora para a revista International Geographic (uma óbvia corruptela da famosa National Geographic).
Kate Cold é uma avó meio relapsa — a tal ponto de nem esperar pelo neto no aeroporto. O rapaz teve que literalmente andar até a casa dela. Mal chegou, foi logo informado que precisaria viajar para a Amazônia. Kate iria documentar uma expedição para comprovar a existência de uma fera que aterrorizava toda a região.
Vovó era assim mesmo: não dava moleza para os netos: empurrava-os na piscina para aprenderem a nadar; ou fumava charutos num carro fechado para ensinar os males do tabagismo. Então, se a velhinha cismasse de viajar com o neto para a floresta amazônica, não constituiria uma grande novidade em si. Era mesmo do feitio dela.
Alexander, já na Amazônia, faz amizade com Nádia, filha do guia local. Graças a sua influência, nosso herói torna-se uma pessoa mais consciente.
A expedição é composta, além da avó de Alexander, de um fotógrafo e seu ajudante, de uma médica, de um guia, e de um antropólogo chato e com dor de coluna (eis aqui nosso mote). Ludovic Leblanc, de fato, reclama de tudo: do calor, das muriçocas, dos animais, da Amazônia em geral. Seu nome mais apropriado seria Ludovic “Reclame” (quáquáquá).
O sujeito contrata um índio para abaná-lo nas noites modorrentas e para carregar suas coisas, já que sua coluna anda chiando.
Mesmo servindo para ilustrar a pieguice do personagem, sua atitude em relação às dores de coluna, aparentemente antipática, é ergonomicamente correta. Tentar forçar uma coluna que já dói, é o mesmo que misturar pólvora com fogo: o resultado não vai ser feliz. Ludovic, portanto, estava no caminho certo para preservar suas costas — ainda que o resto de seu grupo quisesse servi-lo de comida para formigas. Porque diplomata o sujeito não era.
Seria a tal fera uma versão tupiniquim do abominável homem das neves? Seria o ieti brasileiro? Ou seria apenas uma armação?
Cidade das Feras cumpre seu papel de literatura infanto-juvenil. É cheia de reviravoltas, vilões, e personagens enigmáticos. Nada é o que parece ser. A obra, escrita em 2002, dá início a trilogia As aventuras da águia e do jaguar. Nestes livros, “Alex e Nádia percorrerão mundos onde o limite entre sonho e realidade torna-se imperceptível, e dessa aventura nascerá uma verdadeira e duradoura amizade“.
Sim, o livro vai além da literatura infanto-juvenil e garante bons momentos de diversão e entretenimento — além de ter um personagem pernóstico com dores de coluna. Difícil é saber se foram as dores que o fizeram assim ou se o dito cavalheiro já era chato por natureza. Isso só a autora responde…