Dor lombar incomoda muita gente. Dor lombar com ciática incomoda muito mais. Só quem já teve faz idéia de como é. Muitas mulheres relatam preferir parir a sentirem tais dores. Portanto, não é mole, não.
Desde 1995, convencionou-se dizer que 80% da população já teve algum tipo de experiência com dores de coluna. Mesmo tendo passado mais de um milhão de anos depois do Homo erectus ter conseguido a proeza de andar todo empinado, o ser humano ainda tenta se adaptar à sua condição de bípede. As cinco vértebras lombares são de cinco a seis vezes maiores do que as cervicais justamente para agüentar a maior parte do peso corporal. Mas ainda assim, nós, Homo sapiens sapiens, padecemos.
João Lidanio Cavalcante definitivamente não fugiu desta regra. Nos idos de 2010, exercia o cargo de secretário de Educação de Maués, uma cidade localizada a 276 quilômetros de Manaus. E, como 80% de sua espécie, sofria de dores lombares — causadas, neste caso, por uma hérnia de disco.
O que o senhor Cavalcante não imaginava, caros leitores, é que esta dor SALVARIA SUA VIDA no dia 13 de maio de 2010.
O secretário havia ido a Manaus duas semanas antes a fim de resolver algumas questões de caráter administrativo. E “estava escalado na comitiva que levaria a secretária de Educação do Estado, Cínthia Régia Gomes do Livramento, para a apresentação de um painel escolar em Maués” (UOL notícias, São Paulo). “Desde segunda-feira, estava combinado. Fui convidado pela secretaria estadual e já tinha programado de voltar para Maués com o grupo de governo na quinta-feira”, relata.
Cavalcante amanheceu com dores lombares alucinantes justamente naquela quinta, 13 de maio de 2010. E foram piorando durante o dia. Em desespero, e com muito custo, conseguiu uma consulta às 16 horas com um massagista e acupunturista. Achou que dava tempo de pegar o avião. Mas o acaso interferiu. “Normalmente, as decolagens são à ‘tardinha’, no começo da noite. (…) Mas fui avisado que a partida tinha sido adiantada para (…) 15h. Então comuniquei, mesmo em cima da hora, que não poderia ir. Estava com muita dor”, lembra. A aeronave partiu do aeroclube de Manaus sem ele. Bendita dores nas costas!
Logo após iniciar o voo, o avião caiu e explodiu! Ninguém sobreviveu!! O universo definitivamente conspirava a favor de João Lidanio Cavalcante naquele fatídico dia. A data 13 de maio, Abolição da Escravatura, terá sempre um significado especial na vida deste cidadão — o dia em que ele renasceu. “Quando recebi a notícia, minhas pernas começaram a tremer. Senti uma palpitação no coração. Foi muito estranho”, afirma. Como bom político, completou: “ao mesmo tempo que estava aliviado, sabendo que poderia estar morto, fiquei extremamente triste em saber do falecimento de nossa secretária e das outras pessoas”.
A Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) informou no dia seguinte que a documentação da aeronave e do piloto (com 25 anos de experiência) estavam em dia. A companhia de taxi aéreo apressou-se em dizer que “a prática de terceirização de aeronaves entre empresas de táxi aéreo é permitida pelas normas de aviação civil”, mas reiterou que assumia as “responsabilidades profissionais pelo acidente”. Testemunhas afirmaram que viram gente saindo engatinhando do avião antes da explosão. A Delegacia Especializada de Ordem Pública Social do Amazonas abriu um inquérito policial para tirar este assunto a limpo. As causas do acidente foram, claro, alvo de investigação da aeronáutica — como de praxe.
O piloto era dono de uma biografia singular. Miguel Vaspeano Lepeco nasceu a bordo de um avião da VASP em 1957 — daí o nome. Se orgulhava de ter sido a primeira criança do mundo a nascer num avião em pleno ar. A companhia presenteou-lhe passagens aéreas vitalícias até falir em 2008. Escapou ileso de cinco acidentes no ar. Salvou vidas de seus passageiros e até neste acidente fatídico conseguiu desviar de uma escola e de um conjunto de casas.
É mesmo um paradoxo se dar conta de que a mesma dor de coluna que causou João Lidanio Cavalcante tanto sofrimento foi precisamente a responsável por ele ter sobrevivido.
Acaso? Sorte? Predestinação? Mesmo com a dor, o susto e o luto, João Lidanio Cavalcante deve ter ficado sorrindo à toa. Resta saber se sua lombalgia melhorou depois destes estranhos eventos.