A consulta representa o alicerce da relação médico-paciente. É através deste ato que “o ser humano, uma vez invadido por um sofrimento misterioso, procura o médico em busca de esclarecimento, alívio e cura”, teoriza o doutor Jece Brandão, representante do Conselho Federal de Medicina e Conselheiro do Cremeb.

Uma típica consulta médica engloba a história clínica ou anamnese, o exame físico, a elaboração de hipóteses ou conclusões diagnósticas, a solicitação de exames complementares (quando necessária) e, finalmente, a prescrição do tratamento.

Trocando em miúdos: o profissional entrevista o paciente e se intera do que o aflige. Depois de examiná-lo, pode pedir exames para confirmar suas impressões. Baseado nestas informações, forma uma hipótese diagnóstica. Repassa então estas informações para o paciente e o orienta a seguir um tratamento.

Na maioria das vezes, não dá para concluir isto tudo numa única visita. Exames complementares necessitam de algum tempo para serem realizados. Por isso, faz-se necessário uma segunda vista para avaliar tais exames, elaborar a diagnose e instruir o paciente. Configura-se então o retorno.

E, de fato, o Projeto de Lei 8231/17, aprovado pela Comissão de Defesa do Consumidor da Câmara dos Deputados em 2018, “proíbe a cobrança de consulta médica no caso de retorno do paciente para apresentação de exames. O prazo do retorno deve ser definido pelo médico conforme a necessidade”.

Mas, em alguns casos, não é tão simples assim. Se, por exemplo, o médico tiver acesso a todas as informações pertinentes, a primeira consulta pode ser mais do que suficiente para formular uma hipótese diagnóstica e planejar um tratamento adequado.

Este pode certamente ser o caso em algumas consultas com Quiropraxia. Como o tratamento é particular, o paciente só considera esta alternativa após exaurir outras possibilidades mais viáveis (como as incluídas pelos planos de saúde). Por isso, muitas vezes já traz consigo todo o tipo de exame complementar, como radiografias, exames laboratoriais, ultrassonografias, cintilografias, tomografias ou ressonâncias magnéticas. Tendo em posse estas ferramentas, o profissional em questão pode muito bem elaborar uma hipótese diagnóstica e um plano de tratamento — ainda na primeira consulta. E com isso, desobrigar-se do retorno. Simples assim.

E se o retorno virou tradição, toda tradição um dia acaba. Paradigmas podem ser mudados. Entre os Quiropraxistas, por exemplo, o retorno acabou meio que extinto. Acostumadas com os médicos, algumas pessoas, no entanto, podem esperar por ele. Em casos assim, convém manter os canais de comunicação abertos. O fato é que, legalmente, “não dá para fixar uma regra absoluta quanto à cobrança ou não do retorno”, afirma Arthur Rollo, advogado especialista em Direito do Consumidor. “Ao ligar para saber o preço da consulta, o paciente já deve ser informado sobre as regras do retorno: seu período e se será remunerado ou não. Essa informação é fundamental para que o paciente exerça sua liberdade de escolha”, reitera.

Na dúvida, a interpretação do artigo 47 do Código de Defesa do Consumidor impera. “Isto porque o art. 7º ‘caput’ do CDC estabelece que os costumes incorporam-se ao direito do consumidor, sendo que a praxe, no que diz respeito às consultas médicas, é a não cobrança do retorno”, informa Rollo. Frise-se a expressão “consultas médicas”.

Baseados nesta “tradição”, os planos e seguros de saúde determinam o retorno dentro de um prazo de vinte a trinta dias a partir da realização da consulta. Esta imposição era um grande ponto de atrito entre médicos e as operadoras de planos de saúde — que supostamente chegou ao fim depois da Resolução de nº 1.958/2010 do Conselho Federal de Medicina, publicada no Diário Oficial da União há mais de uma década. Ela regulamenta o ato da consulta médica e dá autonomia aos médicos para que eles avaliem se a ida do paciente ao consultório é complementar a uma primeira consulta ou se trata de um novo procedimento. “Até então os médicos eram reféns dos prazos estipulados pelas empresas que atuam na saúde suplementar” (vida & éticaRevista do Cremeb, ano 2 – nº 5. Jan/Fev/Mar 2011).

Esta normativa da CFM pôs fim a certas situações aberrantes, como a do paciente retornar ao médico 10 ou 15 dias depois da consulta com um outro problema de saúde e o mesmo ter que efetuar outra consulta diferente da primeira — sem cobrá-la.

Parece briga de gente grande para nós, Quiropraxistas. E talvez a prática do retorno nem seja assim tão disseminada entre a gente, mas por 24 anos o retorno foi honrado no nosso consultório. Precisou ocorrer uma pandemia para finalmente corrigirmos esta distorção. Porque simplesmente não fazia mais sentido continuar com tal prática.

Lembrando que consulta, no final das contas, é uma prestação de serviço feita por um profissional liberal. Mais do que uma mera relação de consumo, é imperativo proporcionar o bem-estar do paciente.

Mas, de preferência, sem que o clínico necessite sacrificar-se tanto para obtê-lo.