Técnicas cirúrgicas para hérnia de disco foram definitivamente aprimoradas com o tempo. Não obstante, praticamente todas apresentaram resultados discutíveis a longo prazo:
Encaminhar ou não um paciente acometido por hérnia de disco para cirurgia tem sido palco de alguma controvérsia. Não existe unanimidade sobre qual seria o melhor tratamento, e se todos os casos invariavelmente acabariam em cirurgia. Por outro lado, toda unanimidade é burra, já dizia o saudoso dramaturgo e jornalista Nelson Rodrigues. O fato de haver escolhas de tratamento faz com que o tópico gere discussões saudáveis.
Mas vamos primeiro aos fatos do que ocorre fisiologicamente aos nossos discos intervertebrais:
Um estudo feito na Universidade Sulista da Dinamarca em 2005 (Kjaer P, Leboeuf-Y de C, et. al.), e publicada na revista Spine daquele mesmo ano, concluiu que “quase 01 em 04 crianças de 13 anos de idade (22%) já tiveram dores de coluna no mês anterior à pesquisa — e que 8% procurou tratamento”. A parte mais impressionante é que “ressonância magnética mostrou sinais de discopatia degenerativa em pelo menos um terço dos pesquisados, com prevalência nas lombares superiores dos meninos e nas lombares inferiores das meninas”. Pensem bem: aproximadamente 30% pré-adolescentes dinamarqueses exibem sinais degenerativos no disco. Isto pode muito bem ser verdade para o resto da população mundial. A questão é que não se costuma fazer uma ressonância magnética em crianças com queixa de dores de coluna. Ninguém imagina que este tipo de degeneração exista em alguém tão jovem. Há mais ou menos 20 anos, atendemos uma menina de 11 anos de Jequié-BA que tinha uma pequena hérnia de disco em L5/S1, comprovada pela ressonância. Na época, fomos pegos de surpresa. Mas seria adequado mandar uma pessoa tão jovem para este tipo de cirurgia? Será que tratamentos menos invasivos não teriam efeito semelhante? Continuem lendo.
Outro estudo comparativo foi feito entre pacientes que se submeteram à cirurgia e os que fizeram somente reabilitação da coluna (BMJ 2005; 330:1233). Foram selecionados 349 participantes, dos 18 aos 55 anos de idade, com dores lombares crônicas por duração de pelo menos 01 ano, todos potenciais candidatos à cirurgia envolvendo fusão intervertebral. Destes, 176 foram enviados para cirurgia e 173 para reabilitação. 284 (81%) providenciaram dados para reavaliações depois de 24 meses. Ambos os grupos obtiveram melhora gradual durante o curso dos 02 anos, “possivelmente não-relacionadas às intervenções”. A conclusão foi que “não existe evidências claras que cirurgia envolvendo fusão intervertebral foi mais benéfica do que reabilitação intensiva”. Em suma, os pacientes melhoraram tanto com a cirurgia quanto com a reabilitação. Só que a reabilitação, além de não ser tão mais lenta como se pensava, também tem a vantagem de não ser invasiva.
Dr. James Weinstein, professor da prestigiada Dartmouth Medical School em Hanover, New Hampshire, e editor da revista científica Spine, publicou uma pesquisa no Jornal da Associação Médica Americana (JAMA) em 22 de novembro de 2006. Nela, concluiu que “pacientes com hérnia de disco se recuperam quase que no mesmo patamar com tratamento cirúrgico ou não-cirúrgico, e, mesmo em casos de ciática severa, não há risco significativos de danos ao optar por esperar ou se submeter à tratamento conservador”. O estudo foi feito com 501 candidatos a cirurgia com 18 anos de idade ou mais, todos com hérnia de disco e sintomas persistentes de dores radiculares por seis semanas apesar de tratamentos conservadores. Foram divididos em dois grupos: o grupo da cirurgia recebeu uma discectomia com remoção de fragmentos discais e descompressão da raiz nervosa. O grupo não-cirúrgico continuou se tratando com fisioterapia ativa. Este pacientes foram orientados, aconselhados e instruídos a fazerem os exercícios apropriados em casa com uso opcional de medicação. 36 pacientes (11% do total) se trataram com Quiropraxia. Re-avaliações foram feitas com 06 semanas, 03 meses, 06 meses, 01 anos e 02 anos. Ambos os grupos mostraram progresso significativo em cada uma das reavaliações, com uma pequena, mas estatisticamente insignificante vantagem para o grupo cirúrgico. Há “pouquíssima evidência de danos de ambos os tratamentos, mas 5% dos pacientes cirúrgicos tiveram complicações durante a cirurgia, e 4% tiveram que ser operados de novo depois de 12 meses”.
Este estudo levanta algumas questões sobre quão realmente apropriadas estas cirurgias são, e, ao mesmo tempo, elimina dois paradigmas:
Uma matéria no New York Times sobre o resultado de tal pesquisa declarou um “empate técnico entre cirurgia e reabilitação”, e que a maioria dos pacientes “poderia decidir com segurança o que fazer baseado na preferência pessoal e nível da dor”.
Há reincidência em 85% dos casos cirúrgicos de hérnia de disco antes de 03 anos. 40% da população (entre eles os assintomáticos) tem algum tipo de protrusão discal. 10% dos casos de hérnia de disco são de fato indicação cirúrgica, de acordo com a própria Associação Brasileira de Ortopedia. Com estatísticas assim, não seria melhor procurar tratamentos menos invasivos?
Lembrando que já há até uma disfunção chamada FBSS (Failed Back Surgery Syndrome) – mais conhecido no Brasil como Síndrome de Dor Pós Laminectomia. Nunca é uma boa notícia quando um determinado procedimento cirúrgico que não dá certo tem o seu próprio código de CID.
Não obstante, existem algumas hérnias de indicação cirúrgica, principalmente em casos que envolvam deficiência muscular ou motora e envolvimento visceral (incontinência urinária e intestinal, impotência, etc..) Mas, fora estes casos extremos, intervenção cirúrgica deve ser considerada somente como última alternativa.
E acreditem: sempre há escolha.
NOTA: Nossos agradecimentos a David Chapman-Smith, ex-Secretário-Geral da Federação Mundial de Quiropraxia (WFC) e diligente editor da hoje extinta The Chiropractic Report, periódico que estava sempre na vanguarda de amealhar e publicar resumos e comentários sobre estudos mais recentes e pertinentes à nossa profissão.