Poderiam os diletos leitores imaginar que a coluna vertebral já foi considerada uma espécie de amuleto? Na Europa medieval, acreditava-se que tocar a corcova de um corcunda trazia sorte. O mais interessante é que, em algumas regiões mediterrâneas, este estranho costume ainda persiste. É possível comprar pequenos talismãs de plástico representando um corcunda sorridente.
A coluna vertebral fascinava os antigos. Os macedônios estavam inteiramente convencidos que ela se transformava em serpente depois da decomposição do corpo. Em várias culturas, a medula espinhal era representada como uma estrada, uma escada ou um bastão. Alguns povos chegavam a entender a medula como uma réplica da árvore cósmica que faz ligação com o paraíso (o cérebro). É uma linguagem figurativa que não foge muito da função real desta estrutura.
Voltando à Idade Média, defeitos de nascença na coluna vertebral eram bem vistas pela população. Qualquer pessoa que tivesse uma parte a mais da coluna eram tidas como bem-aventuradas, ou até abençoadas. Neste período, “a ‘essência’ da medula era considerada muito benéfica” (MORRIS).
O único problema era saber exatamente que essência era esta. Afinal, estamos falando de uma época em que tomar banho mais de uma vez por ano era considerado perigoso e queimava-se gente na fogueira por dizer que a terra girava em torno do sol.
Da medula espinhal saem 33 pares de nervos que comandam tudo que há na gente. Este “rabicho” atua como um elo entre o cérebro e o resto do corpo — inteiramente protegido pela coluna vertebral. O conceito da “árvore cósmica”, relatado no segundo parágrafo, portanto, estava bem no alvo. Mas, apesar desta função de guardiã da coluna, o papel simbólico das costas na história da humanidade foi de pouca relevância.
O que existia muito na antiguidade e persiste até os dias de hoje é a linguagem corporal associada com a coluna.
Entrando numa área ainda mais subjetiva, porque, afinal de contas, gosto não se discute, há a questão da beleza. A coluna feminina é naturalmente mais arqueada do que a masculina. Por isso e por muitos considera-se que há uma certa poesia em suas curvas — talvez por serem deliberadamente acentuadas com a projeção do quadril para trás. E ainda por cima, coroadas com duas pequenas depressões situadas de cada lado da base da coluna bem acima dos glúteos — mais perceptíveis nas mulheres devido à gordura depositada nesta região. Não por acaso as costas nuas femininas estão presentes em tantas pinturas clássicas. Já as estátuas de guerreiros e deuses na Grécia e Roma Antiga, bem como o David de Michelangelo retratam as costas masculinas com uma riqueza de detalhes impressionante — sobretudo no relacionamento entre os músculos trapézio, grande dorsal e serráteis.
Sim, caros leitores, as costas podem servir como sinônimo de beleza e até, para alguns, um potente símbolo sexual.
Nossa coluninha, quem diria… Simbólica, cultural e até objeto de desejo!
Fonte: The Naked Woman: A Study of the Female Body, de Desmond Morris. Editora Vintage, 2005. 288 pgs.