O artigo desta semana — o que esperamos ser o primeiro de uma série — foi elaborado de outro escrito originalmente em 2020 a partir de documentos do acervo pessoal da Dra. Sira Borges e do Dr. Brent Mcnabb. O projeto, impulsionado pelo IDQUIRO, visava na época criar um banco de dados onde as pessoas pudessem se informar sobre a história da nossa profissão no Brasil. Nossa Diretora de Operações, Lídia Morsoletto Ferreira, compilou e organizou o vasto material disponível. Sua irmã, Margarida Morsoletto Ferreira, foi quem escreveu (tudo o que está entre aspas abaixo é de autoria dela).

Apesar dos pesares, dos percalços, e dos altos e baixos, o número de Quiropraxistas formados no nosso país tem crescido de uma maneira quase exponencial. Se formos considerar como “marco zero” da nossa profissão o ano da fundação da Associação Brasileira de Quiropraxia (ABQ), em pouco mais de 3 décadas, demos um salto de 3 para mais de 1.500 profissionais reconhecidos. Portanto, “historicamente, é importante reconhecer o quão notável tem sido o crescimento da profissão de Quiropraxia no Brasil”.

“Para dar a esse crescimento fenomenal alguma perspectiva, é importante compará-lo com o desempenho da profissão internacionalmente. Na maioria dos países, fora da América do Norte, o crescimento da profissão foi muito lento. Desde o início da profissão de Quiropraxia em 1895, a primeira faculdade de Quiropraxia fora da América do Norte não foi estabelecida até 1965 (Colégio Anglo-Europeu de Quiropraxia (AECC) em Bournemouth, Reino Unido)!

Desde o início da profissão em 1895 até 1965, todas as faculdades de Quiropraxia estavam localizadas na América do Norte. Estudantes de outros países teriam que viajar para essas faculdades e voltar para casa para praticar a profissão. Seu número aumentaria gradualmente ao longo de muitos anos até que houvesse Quiropraxistas suficientes para justificar a criação de uma faculdade. Mesmo considerando o México, que é próximo dos Estados Unidos, que contava muitos estudantes mexicanos formados em escolas americanas, a profissão permaneceu pequena e sem programa universitário de Quiropraxia até depois da abertura das escolas brasileiras (2001: UNEVE: Universidade Estatal do Vale do Ecatepec).”

Mas como a Quiropraxia “cresceu e se desenvolveu no Brasil tão milagrosamente e em tão pouco tempo”?

Pode-se dizer que tudo começou quando uma médica de uma cidade no interior da Bahia se impressionou com o resultado de um ajustamento de um Quiropraxista americano num paciente dela. Encantada com o que viu, depois de muito planejamento e sacrifício, ela foi para os Estados Unidos e em 1990 se formou pelo Palmer College of Chiropractic. Logo em seguida voltou ao Brasil com pique e visão. Sim, esta médica e agora Quiropraxista, a Dra. Sira Borges, “provou ser um ponto crucial na história da Quiropraxia no Brasil” e (…) tornou-se o catalisador que uniria forças díspares para estabelecer com sucesso uma base sólida para a profissão”.

Numa época em que a internet praticamente não existia no Brasil (e muito menos as redes sociais), a doutora Sira Borges conseguiu localizar e entrar em contato com mais três profissionais que atuavam no Brasil na época:

  • Um veterano Quiropraxista “que havia praticado nos Estados Unidos antes de retornar ao Brasil”: Marino Schuler;

  • “Um graduado de uma escola de Quiropraxia japonesa que imigrou para o Brasil”: Mitsuyoshi Nagaya;

  • E “um profissional treinado informalmente trabalhando por muitos anos em São Paulo”: Matheus de Souza.

“Normalmente, a quiropraxia se desenvolveu em outros países somente depois da formação de uma massa crítica de quiropraxistas ativos para estabelecer a profissão e obter reconhecimento legal.” Mas foi graças ao comprometimento de Sira Borges, Marino Schuler, Mitsuyoshi Nagaya e Matheus de Souza que a “Quiropraxia no Brasil começou a se desenvolver e florescer como resultado direto dos esforços desses quatro indivíduos, que estavam isolados (cada um residindo numa região do pais) e que haviam acabado de se conhecer na época, mas que compartilhavam o mesmo objetivo de desenvolver a Quiropraxia para o Brasil.”

Houve, claro, tentativas anteriores. “Mas, apesar do esforço aleatório de diferentes quiropraxistas ao longo dos anos, nenhum esforço organizado para promover e construir a profissão jamais havia sido tentado.” Por isso, parecia “altamente improvável que um grupo tão pequeno de quatro indivíduos, em um país que, em 1992 possuía 154,6 milhões (cento e cinquenta e quatro milhões e seiscentos mil habitantes), poderia ter um grande impacto no futuro da profissão de quiropraxia. (…) Portanto, o sucesso desse pequeno grupo é especialmente digno de nota quando se considera a motivação, o comprometimento e a grande paixão que eles tiveram”.

Então, este grupinho se reuniu “em São Paulo em 1992 para criar a Associação Brasileira de Quiropraxia. A partir dessa reunião inicial, eles praticamente trouxeram o sopro da vida à Quiropraxia no Brasil”.

Apesar da amizade duradoura (até os dias atuais) de pelo menos 3 dos integrantes deste seleto grupo, logo começaram algumas divergências com o 4º integrante. É que entre eles, “já existiam duas abordagens muito diferente de como desenvolver a quiropraxia no Brasil”:

  • “Matheus de Souza já estava investido no treinamento de indivíduos para fazer o ajuste da coluna vertebral com um treinamento informal de curto prazo. Ele achava que essa era a maneira mais conveniente de construir a profissão rapidamente em um país tão grande. Com base no exemplo de outros países, ele sentiu que levaria muitos anos para criar um programa formal de nível universitário. Parecia igualmente ridículo esperar até que um punhado de brasileiros estudasse quiropraxia em escolas estrangeiras e retornasse ao Brasil para iniciar o atendimento. Ele já havia treinado várias centenas de alunos nos cursos que ministrava em finais de semana e tinha toda a intenção de continuar fazendo o mesmo.”

    Matheus era uma figura controversa e meio misteriosa. Começou a clinicar desde 1964 e dizia ter feito um curso no Brasil com Quiropraxistas americanos por intermédio de uma universidade dos Estados Unidos. Ocorre que esta universidade foi extinta, seus documentos passaram a ser administrados por outra universidade — e nunca foi encontrado um único documento que comprovasse o que ele alegava.

  • Já “Sira Borges e Marino Schuler tinham uma perspectiva muito diferente. Schuler ouvira falar dos cursos que Matheus de Souza estava ministrando e desconfiava da perspectiva e motivação de Souza. Além disso, eles haviam sido treinados na América do Norte, e estavam familiarizados com os altos padrões acadêmicos de lá. Eles entenderam o status e a autonomia que esses padrões proporcionavam à profissão, pois estavam conscientes das dificuldades que teriam internacionalmente, se o crescimento da profissão fosse aleatório e inconsistente. Eles estavam muito comprometidos em iniciar a profissão no modelo norte-americano e sentiram fortemente que o próximo passo deveria ser o de estabelecer um programa de nível universitário no Brasil” — de preferência, “o mais rápido possível”.

“Outra questão muito debatida foi como se deveria denominar a profissão. Matheus de Souza chamava a profissão de quiropatia e já havia publicado e traduzido literatura com esse nome. Sira Borges havia escolhido a Quiropraxia por sentir que transmitia mais de perto o significado de ser “realizado à mão”. Ela argumentou que a palavra quiropatia usava o termo patia relacionado à patologia. Ela também sentiu que no Brasil, o quiropráctico (tradução do espanhol) implicava mais um trabalho realizado por uma pessoa de nível técnico. Ao final Matheus finalmente cedeu, apesar do volume de materiais que ele já publicara com o nome de quiropatia.”

Mas as divergências entre como conduzir o crescimento da profissão no Brasil culminou mesmo num ponto de cisão. Poucos tempo depois da criação da ABQ, Matheus de Souza acabou se desligando da instituição. E até a sua morte, continuou acreditando que o caminho para uma eventual reconhecimento da profissão consistia em promover estes cursos informais.

De qualquer modo, tendo a Dra. Sira Borges como sua primeira presidente, esta “pequena e (então) jovem associação formada por (estes) 4 membros em 1992, (…) alcançou um crescimento extraordinário e sem precedentes. Basta (conferir) o que foi realizado nos primeiros 8 anos”:

  • 1994: “A ABQ sediou uma Conferência Internacional com cerca de 100 participantes em Ilhéus – Bahia. Estiveram presentes cinco professores do Palmer College e o ex-presidente da Associação Americana de Quiropraxia.”

    Na opinião deste que vos escreve, esta data deveria ter sido considerada como o 1º Congresso da Associação Brasileira de Quiropraxia. Tivemos a oportunidade de celebrar seus 30 anos em 2024, mas não o fizemos. Uma lástima.

  • 1995: “A ABQ patrocinou a vinda de um (renomado Quiropraxista) norte-americano, John Triano, DC, para falar em um simpósio internacional sobre lombalgia, em colaboração com a Faculdade de Medicina da Bahia.”

  • 1997: A ABQ ajuda a coordenar “a criação do primeiro programa universitário de Quiropraxia no Brasil, entre a Universidade Feevale, em Novo Hamburgo – Rio Grande do Sul e o Palmer College of Chiropractic, em Davenport – Iowa”.

  • 1998: “O primeiro programa acadêmico da Feevale começa com o corpo docente da Palmer que irá treinar o futuro corpo docente brasileiro de Quiropraxia.”

  • 1999: “Eduardo Bracher, DC, MD, foi homenageado no Congresso da Federação Mundial de Quiropraxia em Auckland, Nova Zelândia, recebendo o ‘Private Practice Award‘ por sua pesquisa.” Bracher, àquela altura formado do hoje recém-extinto Palmer College of Chiropractic West, já era membro (ABQ 0006) e foi o primeiro Quiropraxista brasileiro a receber um prêmio acadêmico internacional.

    A honra se repetiu com alguns dos nossos colegas ao longo dos anos: Jaqueline Trierweiler, Marcelo Botelho, Carolina Kolberg, Daniel Facchini, Paulo Gomes… — só para mencionar assim de memória.

  • 2000: “Início do programa de graduação em Quiropraxia na Universidade Feevale no Rio Grande do Sul e início do curso de graduação em Quiropraxia na UAM (Universidade Anhembi-Morumbi) em São Paulo.” — este último graças aos esforços empreendidos por Eduardo Bracher.

“E tudo isso ocorreu em apenas (nos primeiros) oito anos, contando com um número muito pequeno, mas altamente motivado e competente de membros da ABQ.” O diligente trabalho de Schuler (ABQ 0001), Nagaya (ABQ 0002) e Borges (ABQ 0003) consolidou a visão que os 3 tinham do futuro.

Claro que, a medida que a profissão foi crescendo e se estabelecendo, foram também surgindo novos desafios e algumas ameaças à integridade da Quiropraxia.

Mas isto já é tópico para outros artigos.