Ela atazana a vida de muita gente. Algumas das mentes mais brilhantes da história humana já foram atormentadas por esta maldita companheira: o psicanalista austríaco Sigmund Freud (1856-1939); o escritor britânico Lewis Carrol (1832-1898); o filósofo alemão Friedrich Nietzsche (1844-1900); a poeta americana Emily Dickinson (1830-1886); o escritor espanhol Miguel de Cervantes (1547-1616); o músico polonês Fréderic Chopin (1810-1849); o naturalista britânico Charles Darwin (1809-1882); o escritor russo Liev Tolstói (1828-1920)… A lista é longa. Até o poeta pernambucano João Cabral de Melo Neto (1920-1999), acometido de crônica e severa enxaqueca, escreveu um poema expressando sua agonia:
(…) quando o sol é estridente
a contrapelo, imperioso,
e bate nas pálpebras como
se bate numa porta a socos
Dor não é brincadeira. O filósofo grego Aristóteles (384–322 a.C.) dizia que ela “transtorna e destrói a natureza de quem a sente”. E é verdade.
Mas nem toda dor é ruim. A dor aguda age como um sistema de alarme. “E vai embora assim que a origem do problema desaparece” (Revista VEJA, 24/08/2011).
Com a dor crônica, a cantiga é outra. “É algo tão inútil quanto incômodo”. Ela não obedece aos preceitos fisiológicos da dor como defesa. “Neste caso, as células nervosas permanecem superativadas mesmo sem a presença dos estímulos dolorosos originais”. Ou seja, os neurônios, por um mecanismo perverso de memória, continuam a transmitir dor mesmo sem existir mais a razão desta.
Os médicos então começaram a olhar para o quadro sintomatológico de forma diferente. A dor crônica, mais do que “o sintoma de um distúrbio primário”, é ela mesma a própria doença. Esta conclusão foi chegada a partir dos “avanços nos conhecimentos dos mecanismos cerebrais associados à transmissão e supressão dos estímulos dolorosos” e levaram o Conselho Federal de Medicina (CFM) nos idos de 2011 a “liberar” a dor como “área de atuação para médicos de mais seis especialidades. (…) A partir de (então), clínicos gerais, acupunturistas, neurocirurgiões, reumatologistas e fisiatras podem se dedicar a tratar a dor com mais foco”.
Ainda assim, é difícil tratá-la. “A grande dificuldade (…) é a sua subjetividade”. Nem todo mundo sente dor da mesma maneira. “(…) depende de uma conjunção de fatores – genéticos, culturais e emocionais”.
De qualquer maneira, a resolução do CFM coincidiu, na mesma época, com a chegada ao país do livro As Crônicas da Dor – Tratamentos, Mitos, Mistérios, Testemunhos e a Ciência do Sofrimento (Editora Objetiva). A jornalista e escritora americana Melanie Thernstrom, no auge dos seus 47 anos convivendo com dores crônicas, resolveu, pelo menos, escrever sobre a experiência. Um trecho do seu livro exprime magnificamente o sofrimento de conviver com esta companheira indesejável:
“A Dor começou a impor o seu domínio sobre o meu mundo. Não era como uma intrusa violenta que entra à força, quebra tudo e vai embora. Era mais como uma parceira doméstica azeda, íntima e feia; uma presença ameaçadora, suja, perturbadora, mas que se recusava a ir embora. Eu não gostava de acordar e sentir suas mão grudentas em mim; não gostava que ficasse pela cozinha, me fazendo derrubar pratos pesados; não gostava que interrompesse meus telefonemas, especialmente quando uma amiga confidenciava uma tristeza que eu me preocupava em escutar. Eu me preocupava, mas não como antes, porque agora parte de mim só se preocupava com a Dor. O meu pescoço dói, era o que me segurava para não dizer, queixosa, quando as minhas amigas discutiam casamentos e abortos. O meu braço dói”.
Uma parte significante dos pacientes num consultório de Quiropraxia sofre de dores crônicas. Quantos deles sentiram-se exatamente da mesma maneira retratada no trecho acima? A resposta é: muito mais do que gostaríamos.