Forrest Gump (1994) foi inspirado num livro homônimo escrito por Winston Groom. Apesar de ter algumas diferenças em relação ao livro, o filme foi um estrondoso sucesso. Eis o enredo: era uma vez um menino meio raquítico e de baixa inteligência que ama Deus, a mãe e a mulher amada. Sua progenitora, interpretada por Sally Fields, acredita nele, mesmo com todas as suas limitações físicas e intelectuais. E ensina-o bons valores, como honestidade, respeito e fidelidade.

O menino Forrest tem um Q.I. abaixo de 75. Com uma coluna “torta como um político” e “como um ponto de interrogação”, o médico (fumando feito uma caipora), inexplicavelmente, sapeca-lhe um aparelho para as pernas. Nos anos 50 ainda usava-se este tipo de coisa. Só que o aparelho era para ser usado por quem tinha pernas tortas ou por quem sofria de pólio. Seria um tratamento revolucionário para escoliose?

Seja lá o que for, parece não existir correlação nenhuma na literatura médica. O próprio filme não oferece justificativa. Seria falta de informação da Alabama rural de 1950 sobre o colete de Milwaukee, que já existia? Seria pela racionalização do médico (se a pessoa tiver que caminhar reto, a coluna ficaria reta)? Ou somente uma desculpa esfarrapada do roteirista para o personagem usar tal aparelho? Tais incongruências, no entanto, não diminuem a mágica do filme.

O Forrest Gump adulto não tem opinião formada sobre nada. É uma folha em branco. Mesmo assim, durante um período de 40 anos, acaba participando, inadvertidamente, de alguns dos fatos mais marcantes da história recente dos Estados Unidos:

  • Ensinou Elvis Presley a dançar;

  • Solidarizou-se com uma jovem negra em pleno ápice do movimento anti-segregacionista do Sul dos Estados Unidos;

  • Lutou na Guerra do Vietnã;

  • Participou de protestos também contra a Guerra do Vietnã;

  • Participou de campeonato de pingue-pongue na China de Mao;

  • Apertou a mão de três presidentes (John F. Kennedy, Lindon Johnson e Richard Nixon);

  • Foi o estopim do processo de impeachment de Nixon;

  • Inspirou John Lennon a escrever a música Imagine;

  • Tudo isso sem ter a menor ideia do que estava fazendo.

O que Forrest Gump perdia em inteligência, ganhava em retitude e idoneidade. Era dono de uma pureza de caráter excepcional. E de uma sorte maior ainda. Enriqueceu na pesca do camarão honrando o sonho de um amigo morto em seus braços no Vietnã (claro que o fato do seu barco ter sido o único poupado após uma violenta tempestade também ajudou bastante). Seu tenente, líder do batalhão, interpretado por Gary Sinise, mesmo tendo perdido as pernas na guerra, tornou-se seu braço direito. Fez o protagonista ainda mais rico ao comprar ações “numa empresa de frutas” (Apple Computadores). Gump tocou a vida. Sem perder a ternura, sem perder a inocência, sem perder a noção das coisas que lhe eram mais importantes na vida: Deus, a mãe e a mulher amada.

Forrest Gump dá a impressão de ser um libelo da direita. Eis aí um cara que faz tudo certinho e se dá bem. O amor de sua vida, Jenny (Robin Wright) trilha o caminho oposto. Envereda-se nas drogas, participa de protestos, desgasta-se em relações degradantes, e experimenta tudo que a contracultura dos Estados Unidos dos anos 60-70 tem a oferecer. Paga um preço terrível por tudo isso: contrai uma doença “nova” (AIDS) e morre. Castiga-se então a esquerda?

Mas, pensando bem, Gump nem faz noção do que seja direita e esquerda. O filme é meio que uma ode ao conformismo — basta diligentemente acreditar em Deus, amar a mãe e a mulher amada que tudo vai dar certo. E a vida do nosso protagonista vai passando tal qual uma pena ao vento (recurso, por sinal, usado para ilustrar exatamente esta faceta do personagem – tanto no início, quanto no final do filme). No fundo mesmo, trata-se de uma ode ao povo americano.

Forrest Gump consagrou-se no Oscar ® de 95: ganhou Melhor Filme, Diretor, Roteiro Adaptado, Efeitos Visuais, Edição e Ator para Tom Hanks, que se tornou o segundo ator na história da Academia a ganhar dois Oscars ® por dois anos consecutivos (somente Spencer Tracy tinha alcançado tamanha façanha — em 38 e 39).

O livro é mais cáustico, mais engraçado, menos piegas — e bem mais politicamente incorreto. Nele, Gump foi também astronauta, jogador de xadrez e lutador mascarado de luta livre.

Para Roger Ebert, saudoso crítico do jornal americano Chicago Sun-Times, não há “ninguém parecido com Forrest Gump num filme antes e, a propósito, eu nunca vi um filme da mesma cepa de Forrest Gump. Qualquer tentativa de descrevê-lo corre o risco de fazer com que o filme seja mais convencional do que já é, mas deixe-me tentar. É uma comédia, eu acho. Ou talvez um drama. Ou um sonho”…