“Paleontólogos encontraram sinais de degeneração vertebral nos dinossauros. Teriam eles também problemas de coluna?”
Manipulação vertebral é quase tão antiga quanto a própria humanidade. Com muito refinamento evoluiu para a Quiropraxia, tal qual a conhecemos.
Andar ereto foi um diferencial na vida do homo sapiens. Os antropólogos atestam que a partir daí o cérebro humano atingiu um inédito grau de desenvolvimento. Desmond Morris, celebrado autor de O Macaco Nu e A Mulher Nua, defende inclusive que até características femininas como o volume e a forma dos seios se modificaram para atrair o sexo oposto. Extrapolaram sua função de amamentar, e fizeram de nós a única espécie a sentir atração sobre a mama feminina. De acordo com Morris, a postura ereta foi decisiva para isso.
Este processo de andar ereto acelerou o desenvolvimento de uma curva anterior lombar: a lordose — que também é exclusiva dos humanos. Lordose proporciona postura ereta. Não obstante, o aumento ou a falta desta curva tem sido responsável por grande parte dos nossos problemas de coluna – um pequeno preço a pagar pelo dom do raciocínio.
Então, ao andar ereto, a coluna do homem ficou suscetível a danos. Como resultado de sua natureza inquisitiva, diversas formas de tratar a coluna foram desenvolvidas através dos séculos. E muitas envolviam alguma forma de manipulação vertebral.
Pinturas rupestres já faziam menção a isso milhares de anos atrás. Esqueletos encontrados, mesmo os dos mais jovens, já mostravam sinais de osteoartrose severa da coluna, deslocamentos, luxações, e fraturas. Era uma questão de sobrevivência e simples necessidade tentarem encontrar um meio de tratar problemas de coluna — o indivíduo não podia ficar imobilizado de dor esperando ser devorado por um predador.
Existem evidências que estes humanos podiam realizar intervenções simples, e em alguns casos, até manipulação articular bem-sucedida, o que pode explicar porque através da história, em todas as culturas, uma significância simbólica é atribuída aos ossos, às juntas, ou ao esqueleto inteiro.
A origem das técnicas de manipulação é objeto de divergências. “Alguns afirmam que tais métodos são procedentes dos povos árabes do Oriente Médio, outros os atribuem aos egípcios e, finalmente, há quem os associem aos chineses”, relata o livro Medicina Complementar: Vantagens e questionamentos sobre as terapias não-convencionais do Dr. Alex Botsaris e Telma Mekler (Nova Era, 373 páginas, 2004).
Arqueólogos já constataram que as múmias sofreram de apendicite, artrite, hérnia discal e até de dentes estragados. De acordo com Botsaris & Mekler, “o registro mais antigo que se tem notícia sobre o uso de técnicas de manipulação articular foi encontrado num papiro datado de 1600 a.C., chamado Papiro Smith, em homenagem ao seu descobridor. Na tumba do Faraó Ramsés II (c. 1198-1166 a.C.) existe a figura esculpida de um médico manipulando o cotovelo de um paciente”.
Os egípcios e astecas acreditavam que a alma descansava nos ossos, e que eles seriam eventualmente ressuscitados. Os Purépechas do México acreditavam que “quando os deuses criaram os humanos, as articulações ficaram faltando (…) e o mundo inteiro teve que ser destruído três vezes antes das articulações normais fossem incluídas”.
Apesar de considerarmos que quase todos os procedimentos médicos tiveram início na Grécia antiga, as culturas orientais já tinham ideias definidas a respeito de como tratar com sucesso uma coluna vertebral. Outras, teorias e lendas.
No Tibet, acreditavam “que o deus Devas primeiro criou os humanos com um corpo em forma de diáfano. Outro deus, Asuras, em seguida petrificou o corpo em esqueleto sólido. Para desfazer o feitiço, Devas ‘quebrou’ os ossos, e daí as juntas foram criadas”. Curiosamente, este mito faz um paralelo com uma teoria de Lavoisier que “humanos foram criados a partir de gases solidificados”.
Na antiga medicina Chinesa, afirmavam que “as juntas são os funcionários públicos do corpo humano, e o sangue, seu ministro”. Neste sistema, estruturas anatômicas não são referidas como orgânicas, e sim como uma interação energética. O axis shao yin lida com vitalidade interior e movimentos articulares; o axis shao yang previne as articulações de se tornarem frouxas e ossos de amolecerem para que o corpo continue saudável.
A China também largou na frente em termos de manipulação articular. O país possui uma tradição antiquíssima neste aspecto. Contudo, todos os textos conhecidos são posteriores a 220 a.C.. Os livros mais antigos teriam sido destruídos durante o período das guerras feudais (450 a.C. – 220 a.C.). Uma pena. O livro Huang Di Nei Jing (Tratado Interno do Imperador Amarelo) contém algumas referências sobre manipulações ósseas e articulares. Outro livro mais específico, o Clássico da massagem de Qi Bo e do Imperador Amarelo (estima-se ter sido escrito aproximadamente em 300 a.C.), se perdeu com o tempo. Houve, claros algumas obras escritas em 846 d.C. e outras em 1247 d.C.. Mas muitas foram perdidas ou destruídas por disputas e guerras.
Na Índia antiga, articulações eram manipuladas por atendentes de banho. A manipulação para eles deixou de ser uma prescrição médica e se tornou um mero hábito de higiene.
Durante a época áurea da Grécia Antiga, os procedimentos de manipulação articular faziam parte da rotina médica. O próprio Hipócrates (460-370 a.C.) já havia experimentado alguma forma de manipulação vertebral. O pai da medicina alinhava fraturas e corrigia deslocamentos da coluna. E mencionou algumas destas técnicas no livro Tratado das articulações. K.A. Ligeros, no seu trabalho publicado em 1937, How Ancient healing governs modern therapeutics: the contribution of hellenic science to modern medicine and scientific progress, advogava que os médicos gregos manipulavam a coluna de uma maneira muito parecida com a dos Quiropraxistas nos dias de hoje. Com Hipócrates, a medicina deu um salto qualitativo. Porém, vários aspectos continuavam sendo tabu, especialmente no que concerne dissecar corpos.
No século II viveu Galeno. Sua contribuição para a medicina foi inestimável. Escrituras do período relatam de como Galeno conseguiu tratar com sucesso um paciente com queixa de dormência e formigamento nos dedos da mão esquerda. Os sintomas haviam começado após uma queda. O tratamento consistiu, pasmem, de uma única manipulação cervical. A manobra, apesar da aparente simplicidade, requereu toda a especialidade de Galeno para ter sucesso.
O cristianismo estava deixando de se tornar uma seita do judaísmo para se tornar mais abrangente. Com pouco mais de 200 anos após Galeno, o imperador Constantino faria do cristianismo a religião oficial do Sacro Império Romano.
Na Idade Média, a Igreja ditava as regras. A medicina naquele período foi declarada seu domínio exclusivo. Pouco importava se grande parte dos métodos para tratar o doente fosse totalmente irracional. O importante era que tivessem o aval da Santa Sé. Uma pessoa não autorizada pela Igreja que se aventurasse a tratar dos doentes era logo considerada uma herege. E terapia manual certamente não foi exceção.
Práticas de manipulação vertebral foram banidas na Europa durante a Idade Média pela Igreja Católica. Havia muita pressão religiosa contra este tipo de técnica. O contato com o corpo humano era considerado pecaminoso pela Santa Sé. Estranho era a religião ter até um especialista em dores nas costas: São Lourenço. Pedir ajuda a ele podia. Mas se tratar não.
Houve até relatos de gente punida pela Inquisição. Há documentado um julgamento por bruxaria em 1662 na Noruega, em que uma mulher foi acusada de manipular as vértebras da coluna usando simplesmente as mãos.
Aliás, pode-se dizer que a antiga Igreja Católica não via os médicos com bons olhos. “Eles interferiam no negócio da morte”, satirizava Richard Gordon, autor do livro A Assustadora História da Medicina (Ediouro, 223 páginas).
Os muçulmanos, quem diria, na contramão da Idade das Trevas, investiam em conhecimento. No século XIII, em pleno império Persa viveu Ibn Sina (ou Avicena). Ao lado de Hipócrates, Galeno e Maimônides, foi um dos maiores médicos da história da humanidade. No seu livro Tratado de Medicina, ele dedica várias páginas à descrição de técnicas de manipulação, ainda consideradas atuais por osteopatas contemporâneos. Ibn Sina foi retratado de forma ficcional no ótimo livro O Físico de Noah Gordon (Editora Rocco).
O Iluminismo redimiu a classe médica após o século XVIII, mas não significou o fim das atrocidades. Mentes brilhantes foram sacrificadas. O grande químico Lavoisier, por exemplo, foi guilhotinado em plena Revolução Francesa. Não obstante, foi a partir deste período que a profissão médica obteve seu reconhecimento definitivo.
Muitos autores do século 17 (Gregos, Romanos, Bizantinos, Cretos, Árabes, Espanhóis, Turcos, Italianos, Francês, ou Alemães) publicaram métodos semelhantes de manipular a coluna por meio de tração. Consistia no paciente ser enfaixado e deitado numa madeira. A cabeça e os pés eram tracionados enquanto algum tipo de pressão era exercido em áreas específicas da coluna.
Países como Portugal, Espanha, Holanda, França e Inglaterra, bastante versados em navegação marítima, partiam para estabelecer colônias. O famoso Capitão Cook, após ter chegado ao Taiti em 1775, relatou ter sido tratado por uma mulher praticante do rumi. Seus músculos foram massageados e relaxados de tal maneira, que ela, sem esforço, conseguiu estalar suas vértebras. Descobriu-se mais tarde que no Havaí havia um procedimento semelhante – o lomilomi. Como o momiryoji do Japão, consiste em caminhar nas costas dos pacientes com o auxílio de duas bengalas até causar um “estalo” nas vértebras.
No Iluminismo, o conceito de manipulação vertebral foi perdendo a força e acabou sendo relegado ao ostracismo. Os músculos se tornaram o centro das atenções, e não as vértebras. Os bonesetters, pessoas que possuíam certo traquejo para manipulação vertebral, e cuja arte era passada de pai para filho, ajudaram, porém, a manter a tradição acesa na Europa nos séculos 18 e 19.
Mas faltava algo mais. Um certo refinamento e uma certa especificidade, por assim dizer.
No final do século 19, período em que a medicina estava se reinventando e saindo da era das sangrias, um canadense radicado numa pequena cidade do meio-oeste americano postulou que deveria haver um relacionamento entre dores referidas e áreas específicas da coluna. Nascia então a Quiropraxia em 1895, que finalmente acabou refinando manipulação vertebral e a correlacionando à neurologia.
O resto é história.
NOTA: Além das obras mencionadas acima, recomendamos a leitura do livro CHIROPRACTIC: An Illustrated History by Peterson & Wiese (Mosby Year Book, Inc) para melhor aprofundamento no assunto.