Este artigo usou como fonte outro artigo do Jornal Folha de São Paulo de 20/04/2013 — e foi originalmente redigido mais ou menos neste mesmo período. É interessante ver como ainda se mantém atual…

Alguns neurocirurgiões de São Paulo andam aborrecidos com o Hospital Albert Einstein. “Aborrecidos” é uma palavra diplomática, porque eles ficaram mesmo fulos da vida com um programa que a instituição implantou para reavaliar se há necessidade real de indicação cirúrgica para a coluna vertebral. Funciona simplesmente assim: “após receber o diagnóstico de cirurgia, o paciente é encaminhado para outro médico, que confirma ou não o tratamento. Com isso, o índice de operações desnecessárias caiu de 70% para 57%”.

Pronto. Mexeram num ninho de maribondos. “Em dois anos, dos 1.679 pacientes que chegaram com pedido médico para a operação, só 683 (41%) foram confirmados como realmente necessários. (…) Os resultados foram apresentados em (abril num) fórum internacional de qualidade e segurança do paciente, em Londres”. Imperou o imbróglio.

O Hospital Albert Einstein é referência no setor. Logo, o programa despertou o interesse de alguns planos de saúde, como o Bradesco, a Marítima e a SulAmérica Seguros. Esse pessoal, naturalmente, enxergou aí uma tendência mundial: o crescente aumento dos custos de procedimentos cirúrgicos referentes à coluna.

De fato, os gastos dos americanos com este tipo de cirurgia dispararam na última década, tanto por causa dos números quanto pelo custo. E o governo dos EUA começou na época a investigar. Há suspeitas “de que os médicos estejam indicando mais porque ganham benefícios da indústria”. Lá, eles acionam o auxílio de Quiropraxistas. Já por aqui esta prática ainda claudica…

Não deu outra. O que qualquer empresa quer é maximizar lucro minimizando custos. Não poderia ser diferente com estes planos de saúde, que acabaram economizando na época “R$ 54 milhões com as cirurgias não realizadas”. E de quebra, “segundo dados do projeto, pacientes que adotaram tratamentos não invasivos, como fisioterapia, tiveram redução da dor e relataram melhoria de qualidade de vida.” Maximizaram lucro, minimizaram custos e aumentaram a satisfação do cliente. Não é esse o sonho ideal de qualquer negócio? Não é somente uma questão de economia e de bom senso?

Afinal de contas, cirurgia de coluna não é moleza. Vértebras são fundidas e parafusadas. Quanto mais invasiva, maior o comprometimento biomecânico. O paciente perde mobilidade. A taxa de sucesso depois de três anos é de 15%, segundos dados internacionais. O custo para cada procedimento é de “até R$ 200 mil e mais da metade desse valor se refere a dispositivos (pinos, parafusos etc)” — notem que esses valores são de 2013. Vejam as pesquisas mencionadas no Artigo 15.

Então. Esses planos começaram a encaminhar pacientes para o Albert Einstein para uma segunda opinião médica. Diagnósticos originais estão sendo questionados — o que tem causado um quiproquó danado.

“Isso fere um preceito básico da ética médica que é um médico interferir ou mudar a conduta de outro. A indicação de cirurgia é prerrogativa do médico (original),” alerta Marcelo Mudo, neurocirurgião membro da Sociedade Brasileira de Neurocirurgia. De fato, chegaram até a apresentar, “durante reunião da Câmara Técnica de Implantes, sua preocupação com o Projeto Coluna desenvolvido pelo Hospital Albert Einstein”.

A câmara técnica de implantes da AMB (Associação Médica Brasileira) levou o caso ao Conselho Federal de Medicina. Seu então coordenador, Luiz Carlos Sobânia, entendeu “que houve falta de ética e infração a regras já estabelecidas entre as sociedades médicas, os planos de saúde e os órgãos reguladores”. Arrisca até parar na justiça.

Mas o Einstein não arreda o pé. “O médico Mario Ferretti, gerente de ortopedia do (hospital), afirma que a maioria das indicações cirúrgicas desnecessárias era relativa a diagnósticos associados a outras doenças não detectadas”. Ou seja, pior ainda, porque esses pacientes não estavam sendo tratados como deveriam.

“Queremos o melhor para o paciente e para o sistema de saúde como um todo, não para a fábrica de implantes”, alfineta o médico Claudio Lottenberg, presidente do Einstein. A intenção é justamente evitar conflitos como esses sem, necessariamente, favorecer convênios. “Lottenberg diz que o grupo segue estritamente protocolos clínicos e que o projeto é uma tentativa de (…) padronizar procedimentos”.

Ferretti complementa que dores de coluna podem ser causadas por “outras patologias, como fibromialgia ou esclerose múltipla”, sem necessidade cirúrgica. “Os clínicos estão capacitados a fazer o diagnóstico. Se há dúvida, acionamos os cirurgiões”.

A equipe de atendimento do programa conta com ortopedistas, fisioterapeutas e fisiatras. Quem sabe, possa até se espalhar por outros hospitais e assim virar norma?

Em tempo: virar norma mesmo, talvez não tenha virado. Numa pesquisa rápida pelo Google, o tal Projeto Coluna só aparece com datas antigas, como 2013, 2015 ou 2016. Mas ainda está lá firme e forte no site do Hospital Albert Einstein.