Um relógio derretido. Elefantes com pernas de mosquitos. Sete mulheres nuas, uma em cima da outra, formando uma imagem de uma caveira humana. Tudo isso saiu da mente ímpar do pintor surrealista catalão Salvador Dalí (1904-1989).

Sua arte causa impacto até hoje. Para alguns, um festival de bizarrices. Outros o louvavam como gênio. Mas a vida de Dalí era mesmo estranha.

Para começar, seus pais o fizeram acreditar que era a reencarnação do seu irmão mais velho, também chamado Salvador, e morto ainda bebê. Começou a desenhar cedo e chamou a atenção do pai, que prontamente o matriculou em escolas para aprimorar sua técnica. Promovia exibições de seu trabalho. Sua mãe morreu quando o pintor tinha apenas 16 anos. Papai casou-se com a cunhada.

Dalí era, no mínimo, excêntrico. Aos 18 anos se vestia como um dândi do século 19. E já foi nesta época que começou a cultivar um longo e fino bigode — que acabou tornando-se sua marca registrada. Enveredou-se pelo cubismo e dadaísmo.

Tinha um apetite insaciável para meter-se em confusões e controvérsias. Após chegar a conclusão de que ninguém tinha competência suficiente para avaliá-lo, foi expulso da prestigiada Escola de Belas-Artes de San Fernando. Foi então para Paris e lá conheceu os pintores Pablo Picasso e Juan Miró. Dalí flertou com o expressionismo e renascentismo até encontrar seu nicho com o surrealismo. Seu pai odiou.

E para profundo desgosto do velho, começou um relacionamento com a mulher do poeta francês Paul Éluard. A russa Gala era tão excêntrica quanto Dalí. O casamento era cheio de altos e baixos. Mas Gala era uma excelente mulher de negócios e alavancou a carreira do pintor a status de celebridade. Seu ego inflou mais ainda.

Foi uma relação conturbada, mas muito frutífera. Gala beirava a ninfomania e teve muitos casos extraconjugais — com a aparente bênção e anuência de Salvador Dalí.  Ele, por sua vez, pulou muito a cerca também. E ainda encontrava tempo para pintar clássicos como A Persistência da Memória (1931), Elefantes (1948), e fotografar o perturbador In Voluptas Mors (1951) — trabalhos descritos no primeiro parágrafo.

Este último inspirou pôsteres de filmes, como O Silêncio dos Inocentes (1991) e O Abismo do Medo (2005).

A coluna vertebral, ou pelo menos algumas costas desnudas, foram temas de algumas pinturas de Salvador Dalí. Quando ainda não tinha um estilo definido, pintou Vênus com Cupidos (1925). N´A Girafa Queimando (1936), observamos duas figuras femininas com objetos oblongos saindo de suas costas. Parecem oferecer suporte, que é a uma das funções primárias da coluna vertebral.

Já casado com Gala, pintou-a em Minha Esposa, Nua, Contemplando sua Própria Carne Tornando-se Escada, Três Vértebras de uma Coluna, Céu e Arquitetura (1945). Apesar do longo título, Dalí faz um paralelo com o corpo de Gala:

  • seu sacro vira uma escadaria;

  • uma coluna fora do centro representa a coluna vertebral;

  • seus ombros são o telhado do que parece ser uma espécie de coreto.

Gala Éluard Dalí morreu em 1982. Salvador nunca se conformou. Era evidente sua decadência física e mental. O pintou deu muito trabalho até morrer em 1989.