Religião sempre será um tema meio espinhoso para escrever, principalmente por um agnóstico que não deseja ofender nem a gregos nem a troianos. Esta passagem do Novo Testamento, no entanto, é difícil de resistir — com o perdão dos mais zelosos se alguma heresia foi cometida. Não foi esta a intenção. E este artigo não necessariamente professa as crenças do autor.
“O Novo Testamento contém 27 livros, 7 956 versículos e 138 020 palavras. E uma única referência à juventude de Jesus — aquela em que ele discute religião com os sacerdotes aos 12 anos de idade (…)”
“E todos que o ouviam se admiravam com sua inteligência’ (Lucas 2:42-49)”
“Da infância, as Escrituras falam sobre o nascimento em Belém, a fuga com os pais para o Egito — para escapar de uma sentença de morte impetrada por Herodes, rei dos judeus — e a volta para Nazaré. Da vida adulta, o ajuntamento dos apóstolos e a pregação na Galileia, além do julgamento e da morte em Jerusalém.” Portanto, não há na Bíblia descrição da infância e adolescência de Jesus. A sua primeira aparição foi já adulto, com cerca de 30 anos, “ao ser batizado no rio Jordão por João Batista”. (Revista SUPERINTERESSANTE, julho/2011)
Então, nos próximos três anos, Jesus não perdeu tempo. Fez milagres em cima de milagres. Transformou água em vinho, fez com que cegos enxergassem e mortos ressuscitassem, curou paralíticos e leprosos, realizou exorcismos, acalmou tempestades, multiplicou pães — e até deu jeito num homem com “a mão ressequida” (Mateus 12.9-13; Marcos 3.1-5; Lucas 6.6-10); num hidrópico (Lucas 14.1-6); e numa “mulher encurvada” (Lucas 13.10-17).
Este último chamou a atenção deste que vos escreve porque trata-se, essencialmente, de um milagre recebido por alguém com problemas de coluna. Observem:
10 Jesus estava ensinando numa das sinagogas no sábado.
11 E estava ali uma mulher que tinha um espírito de enfermidade havia já dezoito anos; e andava encurvada, e não podia de modo algum endireitar-se.
12 Vendo-a Jesus, chamou-a, e disse-lhe: Mulher, estás livre da tua enfermidade;
13 e impôs-lhe as mãos e imediatamente ela se endireitou, e glorificava a Deus.
14 Então o chefe da sinagoga, indignado porque Jesus curara no sábado, tomando a palavra disse à multidão: Seis dias há em que se deve trabalhar; vinde, pois, neles para serdes curados, e não no dia de sábado.
15 Respondeu-lhe, porém, o Senhor: Hipócritas, no sábado não desprende da manjedoura cada um de vós o seu boi, ou jumento, para o levar a beber?
16 E não devia ser solta desta prisão, no dia de sábado, esta que é filha de Abraão, a qual há dezoito anos Satanás tinha presa?
17 E dizendo ele essas coisas, todos os seus adversário ficavam envergonhados; e todo o povo se alegrava por todas as coisas gloriosas que eram feitas por ele.
Algumas coisas carecem de ser colocadas em um certo contexto. Para isso, temos que tentar primeiro entender a mentalidade da época. Na Antiguidade, as doenças “figuravam como representação do Mal, que se expressava como castigo, maldição, abandono e gerava ou legitimava uma desqualificação social e moral da pessoa doente”. A narrativa pode muito bem ter usado a expressão “encurvada” no sentido figurado, mais para descrever um espelho da alma da mulher. Contudo, quase todas as traduções do Novo Testamento são baseadas em textos originais escritos em grego. E há algumas palavras-chaves no texto original (que podem ter sofrido algumas alterações em séculos de tradução) que podem elucidar um pouco melhor esta passagem:
A imposição das mãos de Jesus faz parte das curas taumatúrgicas. É pela mão que “o poder dinâmico transformador (δυναμις — dynamis no grego antigo) divino é liberado”. Lembrem-se que em grego χείρ (keir) significa “mãos” e πράκτος (praktos), “feito com”. E todos nós sabemos o que significa a combinação dessas duas palavras. Já imaginaram a dimensão do que é receber um ajustamento feito pelo Homem de Nazaré?
Dá até um arrepio na espinha…
Fontes:
Uma mulher marcada pela opressão e pela ternura de Deus: Análise e interpretação de Lucas 13.10-17 por Erika Pereira Machado e Ivoni Richter Reimer. Estudos Teológicos São Leopoldo v. 51 n. 1 p. 127-137 jan./jun. 2011.
A cura da mulher encurvada em dia de sábado (Lc 13.10-17) por Rivadavio de Barros Gico Junior. Dissertação (Mestrado em Teologia); Universidade Católica de Pernambuco p. 46-48, 2019.