A parte da anatomia em que se estuda as articulações recebe o nome de Artrologia ou Sindesmologia.
Articulações são a síntese do trabalho de um Quiropraxista. A essência da profissão consiste em desenvolver a capacidade de efetivamente manipular conexões entre dois ossos no sistema esquelético — isto quando existe, é claro, restrição de movimento. Uma articulação é definida pela capacidade de movimentar-se. Portanto, a restauração desta mobilidade articular perdida é o que melhor fazemos.
Podemos classificar as articulações de duas maneiras: quanto ao tipo de tecido (morfologicamente); e quanto ao grau de movimento (funcionalmente). Estas duas classificações se entrelaçam entre si.
Quanto ao tipo de tecido, as articulações podem ser subdivididas em três:
Quanto a quantidade de movimento que possuem, as articulações subdividem-se em:
Outrora, acreditava-se que Quiropraxia não tivesse muito a ver com as SINARTROSES.
Este tipo de articulação supostamente não possui movimento. Eram consideradas “o patinho feio” da artrologia, meio sem-graça mesmo — isso até descobrirem o ritmo craniano que abriu janelas de possibilidades. As sinartroses “são divididas em junturas fibrosas, quando esse tecido é conjuntivo ou fibroso e junturas cartilagíneas, quando o tecido interposto é cartilagem”.
As sinfibroses (ou junturas fibrosas) são de quatro tipos: a esquindilese, “uma goteira ântero posterior que se encaixa numa crista pouco saliente”, como o osso vômer com o corpo do esfenoide; a sindesmose, “na qual (há) grande quantidade de tecido conjuntivo interposto entre as superfícies ósseas”, como na articulação entre a tíbia e o perôneo na região do joelho; a gonfose, basicamente tecido conjuntivo fibroso com discreto movimento, como um prego numa madeira, “representada pelos dentes nas cavidades alveolares”; e as suturas.
Estas aí merecem um parágrafo só para elas. Nestas junturas, há interposição do tecido fibroso. São encontradas, na sua vasta maioria, nos ossos da cabeça (crânio e face), com exceção da articulação têmporo-mandibular (uma linda e graciosa diartrose).
O tecido fibroso das duas superfícies deve se interpor para ser considerada uma sutura vera (verdadeira). Os três subtipos são: serrátil, como o nome sugere, tem os dentes tipo serrote e pode ser vista entre os dois ossos parietais (sutura sagital); denteada ou denticulada, parece com dentes se interpondo e pode ser encontrada na sutura lambdoidal; mista, exibe característica tanto de “dente” quanto de “serra” e localiza-se (em parte) na sutura têmporo-parietal.
Se não houver interposição do tecido fibroso, temos então a sutura notha, ou “falsa”. É representada pela escamosa, como escamas de peixe, faz parte também da sutura têmporo-parietal (o rebordo da escama do temporal “é cortado em bisel para se articular com a borda inferior do parietal”); e pela harmônica ou plana, onde “duas superfícies lineares (…) se ajustam perfeitamente”, como no céu da boca.
As sincondroses (ou junturas cartilagíneas) são, na sua maioria, temporárias. Estão nas extremidades ósseas ou nas moleiras da cabeça de uma criança. Durante seu crescimento, elas irão se ossificar. A ilustre exceção são as cartilagens que unem as primeiras dez costelas ao esterno. Esta junção costocondral pode mover-se milimetricamente durante um ajustamento malfeito na região torácica e doer pra burro — a ponto do paciente achar que houve alguma fratura (o que é relativamente raro).
O que ocorre com muito mais frequência nestes casos, é uma osteocondrite localizada. Inofensiva, mas leva algum tempo para melhorar.
De todas estas articulações, as que nós, Quiropraxistas, geralmente manipulamos é a tíbio-peroneal e a costocondral (mesmo assim, muitas vezes com a ajuda de um instrumento — o ativador). As outras que estão, na sua vasta maioria, na cabeça podem ser manipuladas com técnicas como osteopatia craniana, craniopatia SOT e terapia craniossacral.
Antes da pandemia, tivemos dois magníficos cursos sobre TCS, com a excelente e renomada Quiropraxista Pediátrica, dra. Elise Hewitt.
Já as ANFIARTROSES são articulações semimóveis. De maneira geral, não são muito comuns no corpo. São mais encorpadas e feitas para resistir situações de grande carga, peso e pressão. As anfiartroses são fortíssimas. Existem somente dois tipos dela.
As sincondroses (ou sinfibrocondroses simples) são anfiartroses de fato. Entre elas, existe um disco. Feito de fibrocartilagem, oferece ótima resistência à pressão (principalmente axial). Os melhores exemplos deste tipo de articulação são os discos intervertebrais da coluna, o que interessa muito a nós, Quiropraxistas.
Para todas as 24 vértebras que compõem a coluna vertebral, existem 23 discos. Está ausente somente na articulação entre a primeira e a segunda vértebra cervical.
Contudo, diferente das diartroses do tipo plana localizadas nas articulações zigapofiseais das vértebras da coluna, não interessa ao Quiropraxista mover tanto esta anfiartrose. O ajustamento (uma manipulação refinada) tem como intuito mover principalmente a diartrose. Parte do motivo de não haver tanto movimento é que estes discos são grudados nas vértebras por meio das fibras de Sharpey. A “cola” é tão forte, que é mais fácil tirar uma lasca do osso do que desgrudar o disco dele.
Engana-se, porém, afirmar que o disco não move. Existe algum movimento, sobretudo axial, que age como uma espécie de bomba ao promover um fenômeno chamado difusão. O disco intervertebral, carente de vasos sanguíneos para trazer-lhe nutrientes, necessita mexer-se para que este fenômeno ocorra. Tais nutrientes são absorvidos pelo disco por um processo muito parecido com a osmose que aprendemos no ensino médio. Mas para que isto aconteça, tem que haver algum movimento.
Portanto, diminuição de movimento afeta, não só as diartroses, como também o disco intervertebral. O resultado? Discopatia degenerativa. O disco literalmente definha; se desidrata; se enfraquece. Suas fibras externas (o anel fibroso) se racham e o gelzinho contido dentro dele (o núcleo pulposo) vaza e forma um calombo onde não deveria sequer existir. Está armado o palco para uma robusta hérnia de disco.
Quando o disco se degenera, pode ocorrer também o acúmulo de gás nitrogênio no seu interior. É, inclusive, visível nas radiografias. Contrário das diartroses zigapofiseais que cavitam, o nitrogênio do disco não é liberado durante a manipulação. Neste caso específico, fica contido lá permanentemente.
O segundo tipo de anfiartrose são as sínfises (ou sinfibrocondroses cavitárias). Estas aí não são tão preto-no-branco como a primeira. “Entre as superfícies ósseas, dispõe-se de um disco fibrocartilagíneo perfurado”. Este tipo é perfeitamente representado pela sínfise pubiana.
Dentro desta segunda subdivisão, existe uma articulação singular que faz também parte integrante do dia-a-dia de um Quiropraxista. Está entre o sacro e a porção ilíaca da bacia (por isso chamada de sacroilíaca). Em alguns círculos, é considerada uma diartroanfiartrose. Isto significa que contém características de ambas diartrose e anfiartrose.
Da parte do lado do sacro (superfície auricular), a articulação é côncava e revestida por uma cartilagem do tipo hialino, igualzinha à da diartrose. Este tipo de cartilagem “é uniforme e transparente”. Se parece com “uma gelatina incolor solidificada”. Sua maior parte é localizada na porção anterior e dois terços inferior da articulação sacroilíaca. Contém até uma membrana sinovial. Ao ser manipulada, esta parte da articulação, portanto, pode até “estalar” (cavitar), mas nem sempre.
Da parte do lado do ílio, a articulação é convexa e contém fibrocartilagem, apesar de não constituir necessariamente num disco. Este revestimento é, pelo menos, três vezes mas fino do que a porção sacral. Localizada na parte posterior e um terço superior da articulação sacroilíaca, não contém nada que lembre remotamente uma diartrose, inclusive qualquer tipo de material de natureza sinovial
As DIARTROSES constituem a grande maioria das articulações tratadas por Quiropraxistas. São as nossas meninas-dos-olhos; nossa principal parceira. Estão nos joelhos, nos calcanhares, nos cotovelos, no queixo (têmporomandibular), nos ombros, nos pulsos, nos quadris, e principalmente, em todas as vértebras da coluna.
Se contarmos a articulação intervertebral, as quatro zigapofiseais em cada vértebra, C1/C2, e as articulações que conectam as vértebras ao sacro, costelas, crânio e outras estruturas — então este número pode chegar a 364 (!) articulações (diartroideas na sua vasta maioria) relacionadas a coluna vertebral. Impressionante, não é?
Além de moverem-se amplamente, diartroses possuem características específicas. Exigem cartilagem articular e são de natureza fibroide. Todas elas são dotadas de um espaço potencial (cavidade articular) preenchido por:
Já que nós, Quiropraxistas, somos especialistas em movimento, vamos tentar neste artigo uma abordagem menos acadêmica e ortodoxa — e organizar os sete tipos de articulações diartroideas dentro das “quatro” classificações de movimentos articulares, que são:
Articulação, caros leitores, foi feita para se movimentar. Quando ocorre estagnação articular por restrição de movimento, podem acumular-se no líquido sinovial certos gases tais como nitrogênio. Ao manipularmos estas articulações, elas “estalam”, o que nada mais é do que a dissipação destes gases — fenômeno este quase exclusivo das diartroses.
Quando há restrição de movimento por um longo período, a articulação começa a degenerar-se. E a desestabilizar-se. Pontes osteofíticas são então formadas pelo corpo ao longo dos anos para tentar devolver a integridade perdida. Mais conhecidas popularmente como bicos de papagaio, mesmo como mecanismo de defesa, no final acabam fazendo parte do problema. Como a “água do joelho” descrita acima, é mais uma vez uma solução que visa resolver um problema a curto prazo e ganhar mais um dia. Mas muitas vezes não resolve e acaba instaurando-se então a famigerada osteoartrose.
Osteoartrose e discopatia degenerativa (descrita acima) são duas das mais comuns afecções da coluna vertebral. E a origem delas está intimamente relacionada a uma simples restrição de movimento. Um vício postural, um desalinhamento qualquer que não foi corrigido quando deveria. E que adquiriu proporções descabidas ao longo dos anos.
Só que quando elas aparecem, não vão embora. São de caráter permanente. São irreversíveis. O que nos leva a uma pergunta feita com alguma frequência no consultório:
— Coluna tem cura, doutor?
Pensando nesses moldes, talvez não. Não nesse sentido. Mas coluna tem jeito.
Na Quiropraxia, fazemos o caminho inverso. Procuramos restaurar o aspecto biomecânico perdido e resgatar a funcionalidade da articulação afetada. Mas precisamos conhecer intimamente a morfologia, a funcionalidade e a biomecânica das articulações — e como elas se comportam.
Porque manipular sem conhecê-las é quase como ficar perdido feito cego em tiroteio.
FONTES:
- Cramer G, Darby S. Clinical Anatomy of The Spine, Spinal Cord, and ANS (3rd Edition). St. Louis, MO: Elsevier/Mosby. 2014;Appendix I:638-642.
- Moore, K. L.; Daley II, A. F. Anatomia orientada para a clínica. 7ª.edição. Guanabara Koogan. Rio de Janeiro, 2014.
- Anatomia Fundamental de Sebastião Vicente de Castro. 3ª ed. São Paulo, McGraw-Hill do Brasil, 586 páginas.