Entre 2002 e 2004, o jornalista Elio Gaspari publicou quatro livros sobre o período da ditadura militar. O autor teve acesso a milhares de documentos pessoais dos generais Ernesto Geisel e Golbery do Couto e Silva, e conduziu incontáveis horas de entrevistas com os mesmos. Os volumes A Ditadura Envergonhada, A Ditadura Escancarada, A Ditadura Derrotada e A Ditadura Encurralada esmiúçam em detalhes os bastidores de uma época meio nebulosa e relativamente pouco documentada da História do Brasil.
Para Gaspari, Geisel (o Sacerdote) e Golbery (o Feiticeiro) foram responsáveis por montar a ditadura para, mais tarde, desmontá-la. Eles precisavam encontrar um sucessor que conduzisse com pulso firme o inevitável processo de abertura que nosso país iria passar. E, com alguma relutância, decidiram pelo nome do então ministro-chefe do SNI (a atual ABIN), o general João Baptista de Oliveira Figueiredo.
Curiosamente, as obras de Elio Gaspari não abrangiam o governo Figueiredo — falha corrigida alguns anos mais tarde com o lançamento de um quinto livro: A Ditadura Acabada. Este militar truculento, meio ranzinza e pouco intelectualizado era um verdadeiro mestre na arte de cometer gafes — a ponto de rivalizar tranquilamente com Lula, Dilma e Bolsonaro. Mas, aos trancos e barrancos, e tal qual uma espécie de Forrest Gump de farda, acabou mesmo desmantelando a ditadura. Entregou o poder a um civil (metaforicamente falando, pois saiu pela porta do fundo): José Sarney, a quem nutria um ódio profundo e considerava um traidor.
No seu governo foi concedida anistia ampla, geral e irrestrita — tanto pelos militantes punidos pelo AI-5, quanto pelos crimes de abuso de poder, tortura e assassinato cometidos pelos órgãos de segurança do governo (até hoje há controvérsias sobre o assunto). Extinguiu também o bipartidarismo, estabeleceu reajuste semestral do salário, assegurou a abertura política iniciada por Geisel e supriu amplo material para o humorista Chico Anísio criar uma de suas personagens mais memoráveis — a Salomé.
Figueiredo era dono de uma brutalidade quase viril. Eis algumas de suas pérolas: “Quem não quiser que abra, eu prendo e arrebento!” (sobre a abertura política); “A única solução é dar um tiro no coco” (sobre viver com salário mínimo); “Prefiro cheiro de cavalo do que cheiro de povo” (sobre o exercício do poder). Aliás, o que o último e mais longevo presidente militar gostava mesmo era de equitação. Chegava a se referir aos seus cavalos como “suas mulheres”. Mas sua coluna sofreu com isso.
A lombalgia do Presidente Figueiredo era antiga. Já havia relatos dela na década de 60. E as dores recorrentes chegaram quase a fazer com que Geisel reconsiderasse sua decisão em nomeá-lo sucessor. Segundo Gaspari, sua primeira cirurgia para hérnia de disco ocorreu em 1975 (A Ditadura Encurralada, p. 87). Não resolveu. O problema voltou com toda força em 1981.
Três anos mais tarde, no segundo semestre de 1984, Figueiredo não agüentou mais. Partiu para um tratamento não-convencional sob os cuidados do neuro-ortopedista Haruo Nishimura “que lhe aplicava massagens orientais e o submetia a sessões de alongamento” (VEJA, 23/07/1997), além de tratar “(…) hérnias de disco manipulando a coluna dos pacientes (…)” (SuperInteressante, Edição 091, abril/2005). O Presidente ia a São Paulo de Boeing nos fins de semana — fazendo disso provavelmente o tratamento de coluna mais caro da história recente brasileira. E catapultou Nishimura para a fama.
Além de referência mundial em neuro-ortopedia o Dr. Haruo Nishimura era professor kodansha hachi-dan (8º dan) de judô. Sua morte, ocorrida em maio de 2020, foi sentida tanto pela comunidade médica quanto pelos judocas brasileiros.
Não sabemos exatamente que tipo de manipulação o neuro-ortopedista fez, mas sua eficácia aparentemente foi limitada. Não ajudou também o fato do presidente ser turrão e não cumprir com as recomendações do médico. As dores de coluna atormentaram Figueiredo durante boa parte do seu mandato, depois de sua saída do poder, e por todo o resto de sua vida. Finalmente, em 1997, após sofrer repetidas decepções com a medicina tradicional e alternativa, o ex-presidente resolveu apelar para o plano espiritual. A revista VEJA de 23/07/1997 noticiou que Figueiredo, então com 79 anos, procurou os cuidados de um “(…) autoproclamado sucessor do medium Zé Arigó (…)” que incorpora o “(…) espírito de um certo doutor Fritz, médico alemão que teria vivido no começo do século”. A sua última pérola enquanto presidente (“quero que me esqueçam”) parece ter dado certo, pois ninguém parece ter prestado muita atenção na sua presença ali. Somente os paparazzi.
João Figueiredo teve seis anos de mandato. Só perde para Lula e FHC (oito anos) e Getúlio Vargas (18 anos). Morreu na véspera de natal em 1999 — com dores de coluna e problemas financeiros, dizem. Situação quase inédita, considerando as nuances, meandros e entreveros da história política do nosso país.