Um erro frequente de interpretação da teoria evolutiva de Charles Darwin (1809-1882) é afirmar que o homem teria vindo do macaco. Na verdade, o que Darwin postulava era que o homem e o macaco evoluíram de um ancestral comum — o elo perdido. Mas nunca conseguiram provar a existência de tal ser.
A revista ÉPOCA (05/10/2009) publicou uma reportagem sobre a divulgação científica de um fóssil que pode representar o mais perto que já chegamos deste elo comum entre a espécie humana e os demais primatas. A fêmea da espécie Ardipithecus ramidus (“Ardi” para os íntimos) pulava de galho em galho, mas também caminhava sobre as duas pernas. Com um agravante: tinha mãos de semelhança assustadoramente humanas. No entanto, não gozava de postura ereta.
O antropólogo Donald Johanson fez parte do time que desencavou “Lucy”, um fóssil fêmea de Australopithecus afarensis que revolucionou os conceitos da evolução humana. Lucy, considerada nos meios científicos como “avó da humanidade”, andava sobre os dois pés. Johanson acredita que “tornar-se bípede foi talvez a primeira característica distintiva dos humanos”. Mas, tal qual Ardi, Lucy também não gozava de postura ereta.
Uma curiosidade: a revista Nature publicou um artigo em 2016 em que descobriram a causa da morte de Lucy: múltiplas fraturas causadas por uma queda de uma árvore. Acredita-se que ela tenha tido uma morte rápida.
Entra então nesta já complicada equação as teorias de Sigmund Freud (1856–1939). Considerado “o pai da psicanálise”, Freud foi um neurologista austríaco que redefiniu o estudo da mente humana. Conhecido pelas suas teorias sobre o inconsciente e mecanismos de repressão, exerce ainda muita influência nos meios acadêmicos atuais.
Freud utilizava técnicas terapêuticas como o uso de associações livres, transferência e interpretação dos sonhos para entender melhor os desejos inconscientes do paciente. E gostava também de consumir cocaína para fins medicinais (uma crença que o tempo provou ser completamente equivocada). Chegou até a escrever um extenso artigo sobre o assunto louvando os efeitos terapêuticos do tal pozinho branco.
Curiosidades à parte, foi Freud quem postulou a psique humana ser “dividida” entre ego, id e superego.
O id representa o hedonismo inconsequente; o superego é o moralismo exagerado; o ego é a parte racional que tenta ser balanceada pelos outros dois. Dependendo do indivíduo, pode ser uma batalha sem fim.
Freud também acreditava que o fato de andarmos ereto teve grande influência na formação da psique humana. “O processo fatídico da civilização ter-se-ia assim estabelecido com a adoção pelo homem de uma postura ereta” (O Mal-Estar da Civilização, vol. XXI, Rio de Janeiro: Imago Editora, 1969). Para Freud, a partir do momento que o homem tornou-se ereto, houve uma “desvalorização dos estímulos olfativos (…)” e predominou-se então os estímulos visuais. Este ato marcante na espécie humana distinguiu o homem do animal e possibilitou-o de organizar sua cultura.
Os órgãos genitais tornaram-se visíveis, o que teria gerado vergonha e constrangimento. Impulsos mais primitivos foram inibidos e canalizados para tarefas cotidianas. Relações interpessoais amistosas foram formadas, e sentimentos constantes e afetuosos afloraram. Freud teoriza que estes acontecimentos contribuíram para “a fundação da família e, assim, para o limiar da civilização humana”. Seguindo esta linha de raciocínio, pode-se até teorizar que a postura ereta teria promovido o surgimento do ego (e, mais tarde, do superego), num tempo em que o Id imperava. Mas também o próprio Freud admitia que tudo isso não passava de especulação teórica.
Pelo lado de cá, caros leitores, também não sabemos ao certo se a postura ereta proporciona de fato esta miríade de benefícios. É excitante saber que a coluna vertebral pode estar tão intrinsecamente ligada à formação da civilização humana — uma proverbial maçã do paraíso . Não podemos negar que são teorias interessantes. Mas apenas teorias.