O que é, afinal de contas, a definição correta de “Piriguete”?
De acordo com algumas fontes, etimologicamente falando, a gíria teria surgido “nas periferias da região metropolitana de Salvador, (capital da) Bahia” e seria uma corruptela da palavra perigosa — ou também “seria a junção de ‘perigo’ e ‘girl’ (‘garota’, em inglês)”.
O termo, popularizado por alguns artistas baianos, é considerado extremamente pejorativo, e “usado para descrever uma mulher provocadora ou fútil, que só pensa em diversão e prazer”. As ditas piriguetes não costumam ser muito bem vistas “pelo público feminino e, muitas vezes, nem mesmo pelo público masculino, pois são tachadas de vulgares” e “estereotipadas pela sua forma de vestir. As chamadas ‘roupas de piriguete’ costumam ser bastante provocantes, com muitas partes do corpo que não são cobertas”.
Os sinônimos ainda conseguem ser piores do que a palavra em si e denotam um preconceito brutal (alguns deles impublicáveis). Não obstante, a “palavra é muito usada em brincadeiras entre amigos, em tom irônico e de gozação”.
Agora, pode uma pessoa que é indiferente sobre a opinião alheia de seu visual e comportamento; que é autossuficiente; que assume as rédeas de sua própria sexualidade; que escolhe com quem e quando ficar; e como e com quem quer ir para a cama (que, ressalte-se, só diz respeito a ela) — pode esta pessoa numa sociedade amplamente patriarcal ser simplesmente rotulada de piriguete? Só porque ocorre de ser mulher? O que aconteceria se fosse homem?
O filme francês Je Ne Suis Pas Un Homme Facile (Eu Não Sou Um Homem Fácil), de 2018 retrata bem esta inversão de papéis, mas é só uma fantasia. Na vida real não é todo homem que consegue lidar com uma mulher sexualmente agressiva, que sabe o que quer e como quer que seja feito.
Nos dias de hoje, a questão do assédio sexual está vindo cada vez mais à tona e sendo combatida. Mas imaginem o que era ser considerada uma “piriguete” décadas atrás, em pleno ano de 1973, quando o termo nem existia? Pois bem.
O maior prazer de Roseann Quinn era ensinar crianças surdas numa escolinha tradicional de Nova Iorque. Oriunda de uma rígida família irlandesa católica, meio que levava uma vida dupla. De dia, professora com um noivo exemplar, modelo de bom comportamento. De noite, pulava de bar em bar à procura de sexo casual.
Na noite da virada do ano novo de 1973, num desses bares da vida, ela deu o azar de conhecer John Wayne Wilson. Conversa vai, conversa vem, levou-o para seu apartamento. Wilson brochou. De acordo com seu depoimento, Roseann deu risada dele e mandou que caísse fora de lá. O monstro então esfaqueou-a 18 vezes no pescoço e no abdômen. Foi aí que a tal da ereção finalmente apareceu. Ele então aproveitou para dar uma rapidinha com o corpo da vítima e fugiu. O crime chocou a cidade.
Em 1975 a escritora Judith Rossner publicou o livro De Bar em Bar (Looking for Mr. Goodbar, em inglês), uma narrativa ficcionalizada daquele crime hediondo ocorrido dois anos antes. Ela só trocou o nome dos personagens e acrescentou detalhes para maximizar o drama (como se isto fosse possível). Mr. Goodbar é o nome do bar onde ocorreu o fatídico encontro.
A personagem principal, rebatizada Theresa Dunn, oriunda de uma rígida família irlandesa católica, foi diagnosticada com poliomielite quando menininha. Após longo e sofrido tratamento no hospital, alcança a cura. Mas fica com uma sequela: uma perna mais curta do que a outra. Pois bem: esta perna curta causa uma baita de uma escoliose quando, aos 11 anos de idade, Theresa dá um surto de crescimento.
Um parêntese para os leigos que porventura leiam este artigo: escoliose é uma curva lateral da coluna. Vista de costas, a coluna vertebral tem que ser reta. Qualquer curva para o lado constitui-se numa escoliose. A maioria das escolioses é idiopática, ou seja, não se conhece a causa. Mas não no caso de Theresa. De acordo com o livro, sua perna mais curta, sequela da poliomielite, foi o que provavelmente causou a tal curvatura lateral — neste caso então, considerada compensatória. Mas na verdade, de acordo com o Quiropraxista Douglas Hora, seria mais provável tratar-se de escoliose neuromuscular (mais sobre escoliose nos Artigo 4, Artigo 5, Artigo 6, Artigo 28, Artigo 51, Artigo 129, Artigo 133 e Artigo 206).
O procedimento adotado para tratar esta dita anomalia, infelizmente, foi cirúrgico — ao invés de colete, fisioterapia ou até Quiropraxia. A jovem foi parar num hospital, onde teve que fundir algumas vértebras com enxertos ósseos extraídos da sua pelve. No livro, ficou um ano imobilizada. E com uma extensa cicatriz que ia da bacia até a coluna.
Este “pequeno” incidente mudou a personalidade da pequena Theresa. Antes uma menina alegre, tornou-se uma adolescente macambúzia e desajeitada, com um belo complexo de inferioridade. O livro insinua que foi isto que levou a professorinha a adotar um comportamento destrutivo, o que acabou matando-a.
Por outro lado, notem também que, mesmo vencendo o trauma das cicatrizes e da estética escoliótica na expressão da sua sexualidade, o que abateu mesmo a nossa heroína foi o preconceito machista levado ao extremo.
E aí o filme de 1977 tristemente amplia ainda mais este relacionamento “escoliose/promiscuidade” retratado no livro. Interpretada pela sempre excelente Diane Keaton (Noivo Neurótico, Noiva Nervosa e Alguém tem que ceder), Theresa Dunn aqui representa o canto do cisne do movimento feminista. À Procura de Mr. Goodbar , mesmo com sua mensagem dúbia, acabou antecipando, já no ocaso da década de 70, o medo do sexo sem compromisso (e sem proteção) conquistado nos anos 60 que culminaram na epidemia de AIDS na década de 80. Um jovem Tom Berenger (Platoon) em início de carreira, está intenso no papel de Gary, o misoginista assassino psicopata de dúbia sexualidade.
Em tempo: a cena do assassinato de Theresa é perturbadora até nos dias de hoje. Fez a mulher do Mestre do Terror Stephen King correr para vomitar no banheiro, como ele relata no livro Dança Macabra (Danse Macabre), de 1981. Justo ela, que deveria estar acostumada.