Antes de mais nada, clarifiquemos que, na assepção correta da palavra, o termo “torcicolo” é usado classicamente pela medicina para descrever uma pessoa que nasce com o pescoço torto causado pelo severo e congênito encurtamento unilateral de um músculo que liga o osso esterno e a clavícula na frente do pescoço ao processo mastóide do lado da nuca. Este músculo, o esternocleidomastóideo, é o parâmetro para o clássico torcicolo Congênito.
No uso mais comum e liberal da palavra, o tal torcicolo acontece quando o pescoço de alguém “trava”. É um enrijecimento muscular extremamente doloroso que dificulta os movimentos cervicais. A posição antálgica que é gerada por esta contração involuntária afeta, em geral, somente um lado. A cabeça é forçada a inclinar-se para a frente, para traz ou para o lado. Com o torcicolo, o pescoço fica praticamente imóvel. E dói muito.
Não deve ser confundido com cervicalgia intensa. Nesta, o pescoço dói, mas não “trava”. Além da beleza e do talento, a ex-modelo e apresentadora Ana Hickmann, a cantora Daniela Mercury e a atriz e modelo Ísis de Oliveira foram algumas da celebridades que já tiveram que lidar com dores cervicais em algum momento de suas vidas. A última chegou a mover um processo em 1998 contra um parque de diversões ao sofrer um acidente durante uma queda brusca de um dos brinquedos. “Sofreu uma cirurgia e até hoje tem sequelas, como dores no corpo” (Revista O Globo, 10/02/2008). O parque foi absolvido.
De acordo com Laís Bittencourt de Moraes, fisioterapeuta com pós-graduação em Fisioterapia Ortopédica, Traumatologia e Reumatologia, o este tipo de torcicolo “é mais frequente em indivíduos que tenham entre 30 e 60 anos de idade e acomete mais as pessoas do sexo feminino”, na razão de 10 para 1.
Existem, claro, vários outros tipos:
Dependendo do tipo, o torcicolo pode ser muito doloroso ou até indolor.
De longe, no entanto, o tipo de torcicolo mais comum é por contratura muscular. Estes músculos atuam posturalmente nas sete vértebras cervicais “para mantê-las posicionadas ou realizando trabalho e produzindo movimentos no pescoço e na cabeça”, afirma o fisioterapeuta e PhD Marcelo Semiatzh. O trapézio (que fica atrás do pescoço) ou os escalenos (que ficam em cada lado do pescoço — ver Artigo 111) são os músculos mais afetados. Na crise, esta musculatura (sobretudo os escalenos) pode “pinçar” os nervos cervicais que causarão ainda mais dores e irradiação para os braços. A tensão pode provocar também uma discreta diminuição sanguínea na artéria vertebral, possivelmente responsável por dores de cabeça, tontura ou zumbido nos ouvidos. Portanto, torcicolo não é brincadeira. Mas o que causa isto?
Uma miríade de fatores: má postura, tensão emocional, movimento brusco, sobrecarga física, permanecer na mesma posição por períodos prolongados, ou má posição ao dormir. Mas até problemas visuais ou a exposição da coluna ao frio por tempo prolongado podem “travar” o pescoço.
Infelizmente, torcicolos estão se tornando cada vez mais corriqueiros — especialmente neste quarto de milênio. Apesar de ocorrer mais frequentemente em profissionais que forçam mais o pescoço, como advogados, bancários, contadores e arquitetos, todos estão propensos a tê-lo, mais cedo ou mais tarde.
Estudos afirmam que acessamos nosso celular mais de 2600 vezes ao longo do dia. Considerando o fato de usarmos tanto no trabalho quanto no lazer e acessarmos constantemente para checar mensagens, atender ligações, visualizar e-mails, tirar selfies e postar no Instagram, este número talvez não soe tão irreal e exagerado. A inclinação cervical excessiva em flexão e os consequentes problemas por ela causados tem até nome hoje: Pescoço Tecnológico (ver Artigo 116).
Impressionante é torcicolo ocorrer também em esportistas, sobretudo nos jogadores de futebol. É surpreendente o crescimento de casos de torcicolo tem sido visto (pasmem!) em atletas. Nosso grande tenista Gustavo Kuerten já teve. Mas em jogadores de futebol, se formos observar bem, isto nem configura necessariamente numa novidade. Afinal de contas, aquele gol lindo de cabeça tem que cobrar um preço. Estas famosas cabeçadas, somadas à constante pressão pela performance, já vitimou ao longo dos anos grandes jogadores como o argentino Lisandro Lopez do FC Porto, o zagueiro Índio do Internacional e o meia Morais do Corínthians, o goleiro Felipe do Flamengo, Alex do Inter…
Aliás, o Presidente Lula também andou com torcicolo no seu segundo mandato. E culpou o Timão. “Eu não sei se foi por causa dos juros (…), não sei se foi por causa do massacre que o Corinthians recebeu do Goiás (…). Eu sei que eu acordei com esse pescoço…Eu acho que tudo isso junto me deu esse torcicolo aqui”, disse Lula na época.
De qualquer maneira, quando o pescoço “trava”, é sinal de que alguma coisa vai mal naquele lugar. E este alarme não deve ser ignorado. Não obstante, nós, profissionais da área, temos que admitir que, mesmo sem tratamento nenhum, um indivíduo com leve torcicolo melhorará com mais ou menos cinco dias. Um ponto de preocupação é estas crises periódicas persistirem por toda uma vida, causando dores contínuas ou intermitentes, restrição de movimentos e desvios posturais. Ninguém quer isso.
É muito raro uma pessoa com torcicolo não apresentar algum grau de discopatia degenerativa. O diagnóstico pode ser feito por exames visuais, físicos e pelas queixas do paciente. Radiografia, tomografia computadorizada e ressonância magnética são ferramentas indispensáveis para detectar lesões e tensões musculares no pescoço, ajudando assim a concluir a diagnose.
Quiropraxia tem produzido resultados notáveis e dramáticos com torcicolo por contratura muscular. Corrigir o desalinhamento da coluna cervical por manipulação vertebral, “despinçando” por consequencia os nervos, é um fator determinante na melhora rápida e concisa do paciente. Chega até a ser uma coisa bonita de se ver. Mas precisa de um pouco mais…
Necessita-se também de fisioterapia para relaxar a musculatura da região, tracionar o pescoço para descomprimir, e melhorar a qualidade de movimento do pescoço e da cabeça. Aplicação de calor local, eletroterapia, e exercícios terapêuticos de alongamento muscular, aceleram, e muito, o processo de melhora. Tratamento com massoterapia e acupuntura relaxam a musculatura afetada e bloqueiam a dor.
Em alguns casos mais raros e extremos, o uso de medicações como antiinflamatórios, relaxantes musculares, e até calmantes (receitados, é claro, por um ortopedista) é indicado. Repouso relativo pode ser benéfico, mas somente por pouco tempo. Tratamento psicológico é útil e eficaz se problemas emocionais contribuírem para os espasmos.
Mas, dependendo do tipo de torcicolo, o tratamento pode ser cirúrgico (nos casos mais graves dos torcicolos Congênitos, Dermatogênicos e Espúrios). E os resultantes de afecções neurológicas requerem investigação mais aprofundada.
Mas, no geral, torcicolo não é um bicho de 7 cabeças, não. É até relativamente fácil de tratar — se feito corretamente, com conhecimento e competência. O irônico é que o sofrimento de meses ou anos causado por esta afecção pode ser totalmente evitado. É só identificar e eliminar a causa. Um Quiropraxista faz isso com maestria.
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