Uma ultrassecreta tropa de elite é convocada pelo governo da Nova Zelândia. Aparentemente, alienígenas pousaram num vilarejo bucólico no litoral e sumiram com a população. Esses intrépidos agentes foram então investigar o que teria acontecido.
Eis o que descobriram: uma singela raça de alienígenas coxos e bundudos quer usar carne humana como matéria-prima para a rede de lanchonete intergaláctica deles. A missão dos nossos heróis é impedir que os extraterrestres adquiram um paladar pela nossa espécie e resolvam voltar para pegar mais. E também varrê-los da face da terra.
É este o esboço de enredo do filme de terror (ou seria “terrir”?) Trash – Náusea Total (Bad Taste, Nova Zelândia, 1987). Esta magnífica obra-prima levou quatro anos para ser concluída. Mas é tão fuleira que faz um filme ruim parecer Cidadão Kane. É tão ruim, mas tão ruim, que acaba sendo bom.
O título original (Bad Taste) significa literalmente “mau gosto” em inglês. E não é à toa.
Considere as seguintes cenas:
Trash – Náusea Total adquiriu status de cult com o passar dos anos. Mas é difícil de assistir de tão nojento e ruim que é. Foi dirigido pelo estreante Peter Jackson, que faz também o papel de Derek (sem barba) e um dos alienígenas (com barba).
Interessante é o filme não ter absolutamente nenhuma mulher no elenco. Só um bando de homens feios. A “obra” é deliberadamente nojenta e escatológica. Foi feita para rir e chocar. Mas só para apreciadores do gênero.
Em tempo: Peter Jackson fez mais alguns filmes baratos e escatológicos desde então: Meet the Feebles (1989), algo como Muppets cheios de cocaína e ácido; e Fome Animal (Braindead, 1992), um filme nojento de zumbi com um complexo de Édipo mal resolvido.
Esse último, muito apreciado por este que vos escreve, fica nele patente os trejeitos, complexidades e características diretoriais de Jackson — que anos mais tarde lhe viriam a calhar.
De fato, apenas dois anos depois, sabe-se lá porque, Peter Jackson resolveu dar uma guinada na sua vida. Tirou sua carreira diretorial da sarjeta e realizou o poético Almas Gêmeas (Heavenly Creatures, 1994) — caso verídico sobre o relacionamento intenso de duas meninas que culmina num assassinato. Esse filme chamou a atenção de Hollywood.
Uma das atrizes principais era uma até então desconhecida Kate Winslet (Titanic).
Dois anos depois, rodou o competente Os Espíritos (The Frighteners, 1996) com um até então saudável Michael J. Fox (antes de ser acometido pelo mal de Parkinson). Os efeitos especiais não envelheceram e o filme também ganhou status de cult. Hollywood agora estava antenada.
Com isso, Jackson teve cacife para dirigir a trilogia Senhor dos Anéis, que juntos amealharam a respeitosa quantia de 17 Oscars ®, inclusive de Melhor Filme e Melhor Diretor pelo O Retorno do Rei (2003). Depois ainda fez King Kong (2005), Um Olhar do Paraíso (The Lovely Bones, 2009) e a trilogia O Hobbit (2012-2014).
Para relaxar, resolveu passar 4 anos editando e restaurando centenas de horas de filmagens não utilizadas (e material de áudio) de um documentário antigo sobre a produção do último disco da legendária banda The Beatles. O resultado podemos conferir no Disney+: The Beatles: Get Back é uma série documental de 2021 com duração de 8 horas, cujo fim já sabemos, mas ainda assim, é uma delícia de assistir.
Sim, é raro, mesmo em Hollywood, um sujeito começar a carreira dirigindo filmes de baixo calão e depois se consagrar no seu ofício. Na vida e na arte, tudo é possível — até as furiosas rabanadas de uma sangrenta coluna vertebral.