Lon Chaney foi um ator de filmes de terror em Hollywood na década de 20. Conhecido como o “homem das mil faces”, mudava de rosto a cada novo filme. O homem era um camaleão. Isto na época em que não existia maquiagem decente. Era tudo no peito e na coragem — com criatividade, improvisação e muito sofrimento físico. Como resultado, seus olhos e sua coluna vertebral foram severamente afetados.

Lesões semelhantes sofreu Boris Karloff durante as filmagens de Frankenstein (1931) — ver Artigo 87.

Chaney estrelou clássicos do cinema mudo como O Corcunda de Notre-Dame (1923) e O Fantasma da Ópera (1925). Morreu aos 47 anos de câncer do pulmão em 1930, logo antes de começar as filmagens de Drácula, que acabou catapultando Bèla Lugosi para o estrelato (ver Artigo 83).

Uma curiosidade: seu filho, Lon Chaney Jr., fez carreira em Hollywood e estrelou outro clássico da Universal, O Lobisomem (1941).

Chaney pai, antes mesmo de se tornar famoso, sacrificava seu físico para extrair maior realismo de seus filmes. Em The Penalty (1920), ele fez o papel de um homem sem pernas. Para alcançar tal efeito, já que naquela época não existia CGI, enrolou fortemente suas pernas dobradas com um cinturão de couro. O resultado foi impressionante. E a dor também. Acredita-se que suas excruciantes dores nos joelhos começaram a partir deste filme.

Bem, vamos ao motivo deste artigo, pois.

Quiropraxia não se limita a tratar somente a coluna vertebral. Qualquer disfunção articular merece nossa atenção. Com especialização adequada, o profissional pode ajustar grande parte das articulações do nosso corpo, incluindo as dos membros superiores e inferiores. E dores no joelho são bem corriqueiros no país do futebol.

E é aí que entra a condromalácia patelar, uma patologia degenerativa, crônica  e comum do joelho — que, como o nome sugere, trata-se de um amolecimento ou enfraquecimento da cartilagem articular da rótula ou patela (aquele ossinho sesamóide e triangular do joelho). Na medida em que o problema vai piorando, ocorre erosões até culminar em perda total da cartilagem. A articulação patelo-femoral sofre muito atrito com o cizalhamento, já que o osso subcondral praticamente “roça” no fêmur.

Não se sabe por certo o que causa esta afecção (conhecida também como “joelho de corredor” e também nos estágios iniciais como síndrome da dor patelo-femoral). Ocorre, no entanto, não só nos corredores, mas também nos jogadores de futebol e de tênis e nos ciclistas. O termo “condromalácia” significa amolecimento ou enfraquecimento da cartilagem articular (neste caso, da rótula do joelho), e é usado tipicamente quando já existe danos estruturais nesta articulação. Suspeita-se envolvimento de fatores anatômicos, histológicos e fisiológicos.

Não se sabe se de fato Lon Chaney desenvolveu condromalácia patelar depois daquele filme de 1920. Mas é plausível que tenha.

O resultado disso tudo é dor. Os sintomas mais comuns são dores ao redor ou atrás da rótula, ou na parte de dentro (medial) do joelho ao levantar de uma cadeira após sentar-se por algum tempo. O ato de subir, ou principalmente de descer escadas incomoda, e muito. Sente-se ardência ou dor ao ficar com o joelho dobrado (flexionado) por um período longo, mesmo sem forçá-lo. Mas há também dor durante extensão ativa. Ao dobrar a perna, o joelho estala, range ou crepita. Às vezes, nota-se inchaço (derrame intra-articular). O ato de se agachar é dolorido. O joelho foi feito para resistir impacto. Portanto, andar ou correr sem frequencia geralmente não incomoda tanto, a não ser em casos mais avançados.

Curiosamente, a cartilagem articular por si só não é sensível à dor. Estudos sugerem que as mudanças degenerativas são corriqueiras num joelho adulto e não são tão relacionadas com sintomatologia. Então por que condromalácia patelar dói? E por que existe?

Vamos lá. A rótula é embebida na parte de trás do tendão dos quadríceps (a musculatura anterior da coxa) e se articula com o sulco patelar do fêmur. Serve para estabilizar o joelho e dar uma forcinha extra no tendão dos quadríceps quando extendido, especialmente no limite. Isto é essencial em atividades como correr ou chutar. Sua superfície interna é coberta com uma grossa camada de cartilagem, aliás, a mais grossa cartilagem articular do corpo humano.

De acordo como o CDA (Centro de Diagnósticos Avançados), a degeneração patelar passa por 4 etapas:

  • Na primeira, há amolecimento de cartilagem com presença de edemas;

  • Na segunda, observa-se fragmentação de cartilagem e fissuras com menos de 1,3 centímetro de diâmetro;

  • Na terceira, com mais de 1,3 centímetros;

  • E na quarta, ocorre erosão ou perda completa da cartilagem articular com exposição do osso subcondral. Isto significa que, neste ponto, a rótula e o fêmur estão em direto contato um com o outro.

    É aí que o atrito resultante pode gerar um processo de osteoartrose degenerativa envolvendo toda a articulação do joelho.

Mas, por incrível que pareça (e dito acima), a cartilagem articular não é uma estrutura sensível à dor. Respondendo àquela pergunta então, surpreendentemente a dor no joelho é causada mais por fatores biomecânicos e pelo atrito entre os dois ossos nos estágios mais avançados da doença do que pelo desgaste articular em si. Este paradoxo foi assunto de uma série de pesquisas publicadas no Journal of Bone and Joint Surgery entre as décadas de 70 e 80. Então, já fazem algumas décadas que foi estabelecido que a condromalácia patelar é “uma característica relativamente normal na maioria das rótulas dos adultos e que tem pouco relacionamento na causa e efeito dos problemas sintomáticos dos joelhos”. Resumindo: a dor não é assim tão relacionada com o amolecimento e enfraquecimento da cartilagem. E isso acaba sendo uma boa notícia.

Confusos, caros leitores? Esta informação é contraditória? Não exatamente. Apesar da condromalácia patelar ser uma doença crônica, degenerativa e de etiologia desconhecida, a dor não é causada pelo amolecimento da cartilagem articular, e sim por disfunções na musculatura e na biomecânica do joelho — o que torna a Quiropraxia eficaz no tratamento (ou gerenciamento) da condromalácia.

A resposta reside na biomecânica da articulação do joelho e no condicionamento muscular do mesmo. A parte interna da rótula que se articula com o fêmur tem três faces: uma medial, uma lateral e uma pequenininha chamada de faceta ímpar medial. Esta última normalmente não se articula com o joelho, exceto em casos de extrema flexão, como, por exemplo, ao encostar o calcanhar na nádega — similar com o que Lon Chaney fez no filme The Penalty (o que, convenhamos, raramente acontece nas atividades diárias). Como não existe quase nenhuma carga nesta facetazinha, seu osso subcondral é menos denso e mais mole. E por isso, mais suscetível à erosão.

Os quadríceps (músculos reto femoral, vastos lateral, medial e intermédio) compõem a musculatura anterior da coxa e convergem num tendão comum que se insere na tuberosidade tibial da canela. A rótula, embebida na parte de trás do tendão dos quadríceps, se articula com o sulco patelar do fêmur. Serve para estabilizar o joelho e dar um impulso a mais quando o este é extendido no limite.

Foi neste tendão em cada joelho que Ronaldo Nazário sofreu ruturas em duas ocasiões diferentes. Mas recuperou-se e ajudou a conquistar a Copa do Mundo de 2002.

Pois bem: o enfraquecimento no vasto medial ou encurtamento no vasto lateral leva a um aumento do ângulo Q do joelho (formado entre o quadríceps e o tendão patelar). O joelho se torna valgo e causa um desvio lateral da patela. Concomitantemente, a resultante disfunção pélvica afetará a musculatura isquiotibial (da parte de trás da coxa), o que tracionará a rótula, superiorizando-a (patela alta). Fatores como anteversão femoral, pronação excessiva do pé, torção tibial ou geno recurvado pioram o quadro.

Esta incongruência pela lateralização da patela causará, durante extensão do joelho com carga, uma rotação no plano transverso, que, seguindo o contorno do sulco patelar do fêmur, trará a faceta ímpar medial para uma posição de contato com o joelho. Não sendo feita para articular com tamanha frequencia, a faceta vai sofrer degeneração. É só questão de tempo.

Outras causas, no entanto, não parecem ser puramente biomecânicas. Algumas fontes sugerem que trauma é o fator mais comum. E atribuem ao uso excessivo dos aparelhos de ginástica, exercícios em step, agachamento ou leg press, ou qualquer força excessiva aplicada na patela por prática inadequada de esportes. Pode ser também por um trauma distinto, como uma pancada no joelho causando lesão aguda da cartilagem, cujas rachaduras impediriam a nutrição ideal. Aliás, estas reações inflamatórias internas vão produzir um dano estrutural mais complicado ainda de ser tratado no decorrer do tempo.

Mesmo que a condromalácia patelar seja irreversível, ela pode ser gerenciada. Por ser de natureza crônica, o tratamento baseia-se apenas na redução da sintomatologia. Não há um protocolo rígido de indicação de tratamento. Depende do grau da lesão adquirida. Só tem que ser feito de acordo com o conforto do paciente.

Então, o tratamento da condromalácia seria relativamente simples:

  • primeiro, manipulações com Quiropraxia para reduzir a lateralização e a superiorização da patela, bem como disfunções pélvicas relacionadas;

  • segundo, um programa definido de exercícios específicos para fortalecer a musculatura fraca, em particular o vasto medial.

Não é difícil diagnosticar uma condromalácia patelar:

  • No exame físico, observa-se um barulhinho ao mexer o joelho (crepitação);

  • Movimentos passivos tendem a quase não produzir dor, ao contrário de movimentos ativos com resistência (90% dos casos);

  • Pressiona-se a rótula para baixo enquanto o paciente tenta contrair a musculatura da coxa anterior para puxar a patela para cima, causando desconforto — teste ortopédico de Patelar Grinding;

  • Condromalácia é visível em radiografia nos casos mais avançados. Mas a ressonância magnética é de longe o melhor exame para identificação da doença.

O tratamento, claro, envolve gerenciamento com uma saudável dose de bom senso. Melhor seria evitar esportes e exercícios de alto impacto, como o futebol, vôlei, corrida, basquete, ou qualquer outra atividade suspeita de causar a lesão. Por exercer relativamente pouco impacto nas articulações, natação é recomendada. São essenciais fazer exercícios leves e de baixo impacto para reforçar os músculos enfraquecidos, e alongar a musculatura encurtada. Na experiência deste que vos escreve (sofredor de condromalácia patelar), Pilates (ver Artigo 90) tem obtido excelentes resultados — mas somente quando feito com profissionais preparados.

No dia-a-dia, aconselha-se evitar (na medida do possível) dirigir ou trabalhar sentado com o joelho flexionado por muito tempo. Vale tudo: usar sapatos confortáveis, perder peso, manter boa postura e evitar cruzar as pernas. Aplicações de gelo depois dos exercícios são extremamente benéficas. E, na fase mais aguda de dor, tentar limitar a subida e descida de escadas.

Alguns profissionais pregam o uso de condroitina concomitantemente com fisioterapia, bem como antiinflamatórios ocasionais. A cirurgia, em casos mais extremos, consiste em raspar a cartilagem na esperança de uma proliferação mais balanceada de condrócitos.

Vale afirmar que, com fisioterapia, Quiropraxia e um condicionamento muscular adequado, a pessoa com condromalácia será capaz de fazer quase todas estas atividades acima sem maiores problemas, contanto que evite sobrecarga e alto impacto.