Dor crônica é mesmo uma questão séria, complexa e complicada. De natureza etérea, depende de fatores culturais, emocionais, genéticos, comportamentais e fisiológicos. Às vezes, mais do que a causa, o problema se torna a própria dor.
O tratamento para tamanha aflição baseia-se mais no controle e gerenciamento do que na cura propriamente dita. Pequenas ações no dia-a-dia podem contribuir para tornar a dor cotidiana mais tolerável.
Uma boa e sonora gargalhada, por exemplo, pode ser de grande valia. Um estudo da Universidade de Oxford sobre a capacidade da risada para aumentar a “tolerância a dor” (na verdade “uma série de seis estudos experimentais“), como de costume, dividiu um grupo de pessoas. O “primeiro grupo de voluntários assistiu a vídeos cômicos, enquanto outra metade dos participantes viu programas bem chatos. Após a sessão, os especialistas provocaram sensações dolorosas nas duas plateias. Aqueles que deram gargalhadas puderam suportar até 10% mais dor do que os clinicamente entediados” (Revista Saúde, ed. 347).
Tudo isso por causa de um neurotransmissor produzido na glândula pituitária: a endorfina. Considerada o hormônio do prazer, “gera euforia, atenuando o incômodo físico e o estresse psicológico.” O antropólogo e psicólogo Robin Dunbar, diretor do Instituto de Antropologia Cognitiva e Evolutiva da Universidade de Oxford e autor do experimento, atesta que “o humor é capaz de diminuir as dores devido à liberação de endorfina.” Mas só serve se for rir pra valer. “O riso relaxado e social é o único que funciona. Já o polido, que soltamos por educação, não tem efeito nenhum”, ressalva.
E já tem gente por aí levando as gargalhadas a sério. O Clube da Gargalhada de Belo Horizonte (sim, isso existe), “pioneiro na América Latina”, anda fazendo sucesso com uma nova (ou velha?) forma de tratamento: a risoterapia. “O riso é induzido por meio de exercícios respiratórios, sons, mímicas e, principalmente, contato olho a olho. Em três meses, o indivíduo já começa a sentir os resultados do bom humor”.
Técnica parecida foi descrita no comecinho do d´O Fantástico Mundo do Dr. Kellogg (The Road to Wellville, 1994), com Anthony Hopkins, Bridget Fonda e Matthew Broderick. O filme (muito bom, por sinal, mas um fracasso de bilheteria) criticava a cultura natureba e charlatanista que vigorava no começo do século XX. Os pacientes pagavam para rir.
Já o jornal gaúcho A Tribuna Regional publicou em 13/06/2009 um ensaio do jornalista José de Paiva Netto sobre “a eficácia da religiosidade no combate à dor”.
De acordo com a resenha, Ian Sample, Correspondente Científico para o jornal britânico The Guardian, escreveu uma matéria sobre “uma equipe de cientistas da Universidade de Oxford” (ela de novo!) que realizou “exames de imagens cerebrais em uma série de indivíduos que foram submetidos a choques elétricos, após observar estampas religiosas. (…) ‘O trabalho contou com dois grupos: um de católicos praticantes e outro de ateus e agnósticos. O experimento consistiu em mostrar a eles a figura da Virgem Maria, do artista italiano Bartolo de Sassoferrato, e a pintura A Dama com Arminho, de Leonardo da Vinci. Após admirar uma das imagens durante meio minuto, os participantes recebiam descargas elétricas durante 12 segundos e deviam qualificar o nível de dor que sentiam. Os católicos e os agnósticos registraram níveis similares de dor após ver a pintura de Leonardo, mas os primeiros experimentaram 12% menos depois que observaram a imagem da Virgem Maria. Quando foram comparados os escaneamentos cerebrais de ambos os grupos, ficou comprovado que, quando os crentes viam a Virgem, ativava-se em seus cérebros uma área denominada córtex pré-frontal ventrolateral direito’”.
O estudo apressa-se em esclarecer que o tal “efeito analgésico” independe da religião, “sendo possível alcançá-lo por intermédio de meditação e outras estratégias psicológicas” (mais sobre estas divagações, ver artigo 60).
Os diletos leitores provavelmente notaram que o percentual de diminuição da dor é similar nas duas pesquisas. Ou seja, não resolve, mas ajuda.
E pode ser bem mais proativo do que o uso crônico e indevido de analgésicos e antiinflamatórios.