Dor é o ponto convergente da nossa experiência clínica. É o que leva o paciente a se tratar. Portanto, faz parte de nossa força motriz procurar compreender a causa da dor, seja ela fisiológica, patológica, traumática, psicológica ou sociológica. O proverbial leão que matamos a cada dia é tentar combatê-la — ou, pelo menos, domar e gerenciar a fera.
E, no alto de quase trinta anos de consultório, é possível fazer uma análise qualitativa dos “álgicos”. Apesar de ser muito democrática em relação à faixa etária, religião, ideologia, raça e estado social, a dor tem uma particularidade no que diz respeito ao sexo.
Claro, há dores relacionadas com afecções em que um determinado sexo é mais afetado: gota (oito homens para cada mulher), cefaleia em salvas (nove homens para cada mulher), fibromialgia (nove mulheres para cada homem) e enxaqueca (três mulheres para cada homem). Estas estatísticas são bem documentadas.
Mas com a coluna vertebral, nossa observação clínica tem nos sinalizado que mulheres geralmente tendem a tolerar mais dores. Procuram tratamento mais cedo, seguem instruções melhor e reclamam menos. Nas grandes crises de coluna, os homens dão um show. As mulheres não. São mais compostas e não se deixam levar pelo desespero. O que, venhamos e convenhamos, é muito difícil. Afinal de contas, muitas frequentemente relatam preferir parir a sentir uma neuralgia tão violenta.
Com os homens é aquele estardalhaço. Ninguém em casa dorme — do cachorro ao periquito. A devota esposa, coitadinha, é quem segura a mão do infeliz a noite toda. O marido, por sua vez, pode até não perder uma noite de sono. Mas a vasta maioria será bem prestativa e moverá montanhas para que sua costelinha melhore.
Claro que toda regra tem exceção. Há mulheres que não têm empatia nenhuma com seus companheiros e vice-versa. Mas, felizmente, esses casos são minoria.
A resposta sempre nos pareceu fisiológica. Mulher não é estranha à dor. Ela menstrua todo mês, sente cólicas — isso sem falar na dor do parto. Deve ter alguma coisa a ver com este coquetel de hormônio feminino, como o estrogênio e a progesterona. Resistência sempre favoreceu o dito “sexo frágil”.
Então nos causou surpresa ler uma matéria da revista Superinteressante, de abril de 2012, que afirma justamente o contrário. Pois é. A gente acha que já viu de tudo.
A anestesiologista Fabíola Minson, da Sociedade Brasileira para Estudo da Dor professa que a crença que “(…) as mulheres reclamam menos e sofrem caladas” seria “por uma questão cultural”, e não fisiológica. “Um experimento do psicólogo Ed Keogh, da Universidade de Bath, no Reino Unido, concluiu que elas sentem dor por mais tempo, com mais frequência e maior intensidade. O mito começou provavelmente porque os homens são mais chorões”. Será?
O dentista Roger Fillingim, Ph.D., professor de odontologia comunitária e ciências comportamentais da Faculdade de Odontologia da Universidade da Flórida e Presidente da Sociedade Americana da Dor afirma que, “em estudos, mulheres apresentaram menor tolerância à dor”.
Mas e quanto ao parto? E quanto ao que observamos durante anos e anos no consultório? A questão pode não ser tão simples assim. E a resposta pode estar justamente no “coquetel de hormônios” citado quatro paráfrafos acima.
Outros estudos, inclusive um realizado na Universidade de Michigan descobriu o que todos já sabiam: que existem “diferenças bioquímicas em como homens e mulheres lidam com a dor”. Tem a ver com o comportamento do estrogênio durante o ciclo menstrual. Como?
“Quando os níveis de estrogênios estão altos, o sistema analgésico do cérebro responde com mais potência ao ocorrer uma experiência dolorosa, liberando substâncias chamadas de endorfinas ou encefalinas que obstruem os sinais da dor recebidos pelo cérebro. (…) Mas quando o estrogênio está baixo, o mesmo sistema não tipicamente controla dor com tanta eficácia,” relata a pesquisa. Neste caso, a resposta feminina à dor dependeria da hora (ou do dia do mês). Parece até cliché, né?
Já pesquisadores da Universidade da Califórnia, em São Francisco, descobriram que mulheres são menos tolerantes às dores agudas que aparecem de repente. Mas não encontraram nenhuma diferença entre homens e mulheres no que diz respeito às dores crônicas. Aí todos são igualmente suscetíveis.
Por fim, um estudo publicado na revista Pain conclui que mulheres se adaptam melhor a dor do que os homens. Pesquisadores descobriram que, quando expuseram 32 adultos a estímulos moderados de dor (uma agulha que produz calor colocada na pele), mulheres foram inicialmente mais sensíveis a dor do que os homens. Mas depois dos primeiros 20 segundos, a mulherada relatou uma diminuição de intensidade e incômodo. Os varões não se adaptaram. “Este estudo nos mostra que dizer que as mulheres são geralmente mais sensíveis a dor é incorreto,” afirma o pesquisador principal Javeria A. Hashmi, Ph.D. hoje professora associada da Universidade Dalhousie, no Canadá.
Ahá! Tão vendo aí? Três décadas de observação clínica não podem estar equivocadas!