Alfred Nobel (1833-1896) foi um tremendo inventor. Creditam-se 335 patentes como suas. Infelizmente, muitas estavam relacionadas à área bélica. O sujeito ficou mais famoso por ter inventado a dinamite. Ganhou uma fortuna com isso. Ficou rico. Só que um dia ele teve o desprazer de ler o próprio obituário. Escrito por engano na ocasião da morte do seu irmão, ostentava o chamativo título: “O Mercador da Morte está morto”. Isto mexeu com Nobel. E ele resolveu ali que queria ser eternizado de outra forma.

Após sua morte (desta vez pra valer), a leitura do seu testamento causou perplexidade no mundo. Alfred Nobel deixou instruções para que 94% da sua imensa fortuna fosse usada para criar uma série de prêmios àqueles que contribuíssem com “grandes benefícios para a humanidade” na área de física, química, fisiologia/medicina, literatura e paz. É uma grande honra receber este prêmio, principalmente o último. Que o digam Nelson Mandela, Barack Obama, Martin Luther King, Madre Teresa de Calcutá, entre tantos outros.

O Nobel de Economia, instituído em 1969, leva somente o nome. Corre por fora.

Indo na contramão do Nobel, temos também o Prêmio IgNobel. Trata-se de uma paródia concedidas a pesquisas estranhas, triviais e até inúteis. O lema dos prêmios “é fazer as pessoas rirem primeiro e pensarem depois”. Recipientes desta honraria incluem estudos cujas conclusões são, por exemplo:

  • que “não há evidências que bocejos de jabutis sejam contagiosos”;

  • que boas e más decisões são tomadas quando a vontade de urinar aperta;

  • que “um suspiro é só um suspiro?”;

    Esse estudo só pode ter sido desenvolvido para confirmar o verso “a sigh is just a sigh” da canção As Times Goes By do filme Casablanca (1942).

  • que “aperfeiçoa-se um método para coletar meleca de baleia usando helicóptero de controle remoto”.

  • E por aí vai…

Dito isso, uma pesquisa como “requisito anestésico é maior em pessoas ruivas” pode, à primeira vista, ser um forte concorrente ao IgNobel. Mas não. Este estudo foi publicado em 2004 pela conceituada revista médica Anesthesiology (nº 101(2):279-83). Apontou que “pacientes ruivos precisam de 20% a mais de anestesia geral” (Revista VEJA, 11/04/2012). No ano seguinte, os resultados de outra pesquisa provaram que este fenômeno também se aplica a anestesia local (Anesthesiology nº 102(3):509-14). E há um artigo do jornal The New York Times (06/08/2009) sobre um trabalho semelhante — desta vez envolvendo a ansiedade dos ruivos para ir ao dentista. Por medo da dor.

“Pesquisadores acreditam que ruivos são mais sensíveis à dor por causa de uma mutação num gene que afeta a cor do cabelo”. Normalmente o gene das pessoas com cabelo preto, castanho ou louro “para o receptor do melanocortina-1, produz melanina”. As pessoas ruivas têm “no DNA dois genes (MC1R) recessivos, herdados do pai e da mãe”. E a tal mutação é o que resulta em cabelos ruivos e pele clara e sardenta pela ação de uma substância chamada de feomelanina. Sentiriam então os ruivos mais dores do que o resto da humanidade?

Pois bem. “O MC1R pertence à mesma família de genes receptores que levam a informação de dor ao cérebro” (VEJA). E tem mais: “a relação entre o MC1R e maior sensibilidade a dor, ao contrário, tem fundamentação, ainda em estudos”.

Nunca observamos no consultório uma correlação entre cor da pele (ou cabelo) e dor. Mas, verdade seja dita, vivemos num país onde a quantidade de ruivinhos é muito pequena quando comparada a outros países. “A Escócia é considerada o reino dos ruivos, com incidência de 13%, seguida pela Irlanda e pela Inglaterra”. No resto do mundo, apenas 4% têm fogo nos fios de cabelo. Então, sabe-se lá se esta teoria se aplica mesmo na vida real.

Em muitas culturas, os de cabelo vermelho são estereotipados como astuciosos e sedutores. “Na arte ocidental, Eva, Maria Madalena e Judas foram frequentemente retratados como ruivos”. Houve um tempo que até foram perseguidos com acusações de bruxaria. No decorrer dos séculos até os dias atuais, as ruivas têm sido muitas vezes representadas na literatura, pintura e cinema como objetos de fantasia, símbolos de furor sexual. Novamente um estereótipo.

“A pista mais longínqua dos ruivos surgiu em 2007, quando foram achados na Itália e na Espanha dois fósseis de homens de Neandertal, com genes que indicavam a presença de pelos vermelhos”. Os paleontólogos acreditam que os neandertais, apesar de terem levado a pior na competição com o homo sapiens e sido extintos, cruzaram com a nossa espécie e tiveram filhos híbridos. E esta prole levou consigo os genes do cabelo vermelho.

Aparentemente esse cruzamento foi essencial para a nossa espécie sobreviver na Era do Gelo — e para respirar melhor em altas altitudes. Mas, ao que parece, foi deles que também herdamos diabetes tipo 2, câncer de próstata, doenças autoimunes e HPV — de acordo com um estudo japonês envolvendo 212 mil indivíduos. Por outro lado, ao serem infectados com doenças tipicamente nossas (como tuberculose, teníase e úlcera estomacal), o processo de extinção dos Neandertais pode ter sido acelerado.

Um parêntese: diabetes parece ter sido um fator de sobrevivência do Homo Sapiens na Era do Gelo (ver artigo 82). E também artigo 74 para uma discussão mais ampla sobre a doença.

Então. Já é fato consumado que os ruivos teriam resquícios de genes de neandertais? Ou este seria este outro estudo candidato a um IgNobel?