Por mais que não queiramos admitir, existe uma tendência brasileira a não valorizar o que se tem. Somos levados a preferir sempre “o que vem de fora’’ à nossa cultura local. Temos a mania de achar que a grama do vizinho é mais verde. E definitivamente não valorizamos o que é nosso — localmente, nacionalmente, ou até internacionalmente. É o chamado complexo de vira-lata.
O consagrado (e maldito) dramaturgo Nelson Rodrigues (1912-1980), autor de obras como Os 7 Gatinhos, Bonitinha mas Ordinária, Vestido de Noiva, Engraçadinha e Álbum de Família, cunhou este termo para expressar o crônico sentimento de inferioridade que assola o brasileiro. “Por complexo de vira-lata entendo eu a inferioridade em que o brasileiro se coloca, voluntariamente, em face do resto do mundo. O brasileiro é um narciso às avessas, que cospe na própria imagem. Eis a verdade: não encontramos pretextos pessoais ou históricos para a autoestima.”
Ou será que isso só ocorre na Bahia?
Vejam o exemplo de Ilhéus. Centro urbano com aproximadamente 160 mil habitantes, encrustado no sul do estado, tem lá seus problemas, mas é um lugar aprazível de se viver. Há lindas praias e bons restaurantes. As opções de lazer são limitadas, mas existem. A cidade poderia ter hospitais mais bem equipados, e sofre (como a maioria dos municípios brasileiros) de uma deficiência crônica na rede pública de saúde.
Na área particular, porém, Ilhéus goza de competentes centros médicos, bons laboratórios e excelentes clínicas de radiologia, fisioterapia, odontologia e oftalmologia — sem falar da única clínica de Quiropraxia num raio de 300 quilômetros! Seus profissionais da saúde são bem preparados e atualizados. Pode-se discutir que há uma óbvia inferioridade tecnológica ao compararmos, por exemplo, com um Hospital Aliança de Salvador ou com um Albert Einstein em São Paulo. Nenhum lugar é perfeito. Não obstante, Ilhéus comporta a vasta maioria de procedimentos de saúde do dia-a-dia. Neste patamar a Princesinha do Sul é relativamente bem servida.
Não poucas vezes ouvimos de alguns pacientes frases que remetem um ceticismo inacreditável. Ilheenses que voltam os olhos para Itabuna, onde há “médicos mais competentes”. Grapiúnas que viajam para Salvador em busca de tratamento. Soteropolitanos que procuram ajuda em São Paulo. E paulistas que se mandam para o exterior. O que é bom, está do outro lado. A grama do vizinho é mais verde nos grandes centros. Mais do que bahiano, este traço cultural parece ser tipicamente brasileiro (ou latino-americano, talvez).
Me lembro, alguns anos atrás, quando atendia em Brasília, um paciente renomado advogado dizer que iria para São Paulo fazer um exame cardiológico. Perguntei porque não fazer em Brasília. Respondeu que os bons profissionais estavam na capital paulista.
Pacientes de Feira de Santana, uma cidade de 700 mil habitantes a 110 quilômetros de Salvador, tendem a olhar com desconfiança quando um profissional da capital da Bahia atende lá. “Se fosse bom estaria atendendo em Salvador, e não aqui”, dizem. Ouvi relatos semelhantes de um ortopedista, de um dentista e de um Quiropraxista — em diferentes ocasiões.
Nos Estados Unidos, a coisa é completamente diferente. Os americanos não se deslumbram com cidades grandes. Não estão nem aí. Considerem, por exemplo, a cidadezinha de Rochester, no frio e isolado estado de Minnesota. Com pouco mais de 100.000 habitantes (do tamanho de Tubarão-SC), abriga a Clínica Mayo, considerada um das melhores centros de saúde do mundo. Começou pequena e hoje é um modelo de excelência no seu campo. Por isso, Rochester é conhecida com “cidademed”. Nada mal para um lugar onde o vento faz a curva.
E quanto à Cambridge, no estado de Massachusetts? Tem praticamente a mesma população de Rochester (e Tubarão) — e tudo para ser esquecida do mapa. Exceto pelo fato de uma pequena universidade ter sido fundada por lá em 1636: Harvard. Não sendo suficiente, este lugar onde Judas perdeu as botas ainda abriga o M.I.T. (Massachusetts Institute of Technology), outra prestigiadíssima instituição de ensino.
Mount Horeb é outro fim de mundo. Com apenas 6.573 (!) habitantes, esta cidadezinha do obscuro estado de Wisconsin é ponto de referência para Quiropraxistas em redor do mundo. Tudo isso porque abriga a Clínica Gonstead de Quiropraxia. Seu fundador, Clarence Gonstead (1898 – 1978) era um Quiropraxista que trouxe conceitos então inovadores de engenharia e mecânica no tratamento da coluna. Tal foi sua reputação, que foi obrigado a construir uma pousada para acomodar os pacientes que vinham de cada vez mais longe para vê-lo.
Já que o assunto das cidades pequenas chegou na Quiropraxia, discorramos um pouco sobre Taquara. Pequeno centro urbano de 57 mil habitantes colada com Novo Hamburgo no caminho entre Porto Alegre e Gramado, é lá que clinica Daniel Facchini — um dos mais prolíficos e renomados Quiropraxistas da sua geração. O atual Presidente da Associação Brasileira de Quiropraxia (ABQ) faz questão de dirigir 72 quilômetros de Porto Alegre, de onde mora, até o seu consultório na Capital do Sorriso. Gosta do senso de comunidade e dos ares do interior, onde mantém grandes amizades e cultiva as histórias de mais de uma década de atendimentos. Os taquarenses estão bem-servidos e agradecem.
E é aqui onde nos traz a odisseia de Ian Rocha, DC. Após formar-se com honras da Palmer College of Chiropractic (a primeira e mais tradicional universidade de Quiropraxia do mundo), recusou diversos convites para embrenhar-se na sua sonhada e não tão bucólica Caeté-Açu. Esta simpática vila (distrito do município de Palmeiras-BA, encalacrada no magnífico, grandioso e cinematográfico Vale do Capão, em plena Chapada Diamantina) conta com apenas 2.000 habitantes — mas de uma diversidade cultural de fazer inveja a grandes centros urbanos. Ainda assim, é lá onde o vento faz a curva, onde Judas perdeu as botas — e é neste fim de mundo onde Dr. Ian, ex-tesoureiro da ABQ, pratica uma Quiropraxia de guerrilha, desbravadora e pioneira. E, diga-se de passagem, de muito sucesso!
Os habitantes de Rochester, Cambridge, Mount Horeb, Taquara e Caeté-Açu devem estar muito orgulhosos de suas respectivas cidades,cidadezinhas e vilarejos. Pequenos centros podem oferecer tratamento de qualidade perfeitamente compatível com o das grandes metrópoles. Melhor prestigiar o que temos e nos livrarmos de uma vez por todas deste tal complexo de vira-lata.
Porque boas coisas podem vir dos menores lugares. A nossa grama talvez seja mais verde do que a do vizinho…