Pois é. Dispositivos móveis chegaram mesmo para ficar. Como podem aparelhinhos tão finos e pequenos caber quantidades assombrosas de dados? Smartfones, celulares, laptops, tablets e até iPads contém megas, gigas e até terabytes de informações ao alcance dos nossos dedos — um verdadeiro milagre dessa nova geração.

Mas tudo isso vem com um preço. Os tais dispositivos nos forçam a ficar em posições que acabam alterando a biomecânica normal da coluna e articulações. Não à toa, já até existe uma nova terminologia nos consultórios de ortopedia por aí que descreve os problemas na região cervical causadas por uso excessivo dos aparelhinhos: Smartphone neck ou iPhone neck. “Após quarenta minutos de inclinação do pescoço (…) a musculatura da região cervical começa a sofrer um stress que pode ocasionar dores”, alerta Carlos Alexandrino de Brito, ortopedista, fisiatra e então coordenador da Escola de Postura da Rede Lucy Montoro, do Hospital das Clínicas de São Paulo.

Nota: quando este artigo foi originalmente escrito em 2012, a moda era chamar esta condição de iPad neck (“pescoço de iPad”, em inglês). Muita coisa mudou desde então. Mas basta tirar o nome de um dispositivo e colocar outro que não muda o desvio biomecânico e o inevitável aparecimento dos problemas. Mudam os atores, mas o enredo permanece o mesmo.

“Tendinite, mal-estar e dor de cabeça também podem estar associados ao uso prolongado (dos equipamentos). Carlos Britto e Flávio Faloppa, ortopedista (e então) vice-presidente da Sociedade Brasileira de Ortopedia e Traumatologia (Sbot), recomendam posturas adequadas para evitar que dores e outros desconfortos atrapalhem a diversão de quem não vive sem (os dispositivos)” (VEJA, 30/05/2012).

Parte do problema é que, pelo formato dos aparelhinhos, acabamos por desenvolver novos vícios posturais para segurá-los.

Com frequência, usamos o polegar e o indicador para “pinçar” o dispositivo. Isto “pode provocar dores nas articulações da base do polegar, a região chamada de trapézio matacarpiano. O uso prolongado também pode ocasionar a tendinite de De Quervain, que afeta a região entre o polegar e o punho”. Corrigir é fácil: basta segurar o aparelhinho feito uma bandeja com as mãos — e com os cotovelos juntos do tronco.

Ver o celular sentado ou sobre a mesa força o pescoço para baixo, em posição de flexão constante. Isso causa dores cervicais e nos ombros. “Além disso, a permanência nessa postura por período prolongado pode causar dores de cabeça, mal-estar e tontura”, avisa o doutor Britto. Solução: basta não flexionar o pescoço, colocando o dispositivo numa almofada ou inclinando-o na frente de uma pilha de livros. Mantê-lo na sua linha de visão seria melhor ainda.

Por outro lado, de acordo com o Dr. Eduardo Bodanese Fontana, Quiropraxista e Neurocientista Funcional, a coisa não é tâo simples assim. É a convergência dos olhos, e não a angulação da cabeça, que causa um espasmo de acomodação — que é quando um olho fica mais medial do que o outro. E isso causa tensão cervical porque essa “musculatura (…) vai servir como um estabilizador de margem dos olhos”. Quando a gente flexiona o pescoço e olha para baixo, a tendência é que convergir (ainda mais) os olhos. “Quando a cabeça está fletindo ela inibe o núcleo predisposto hipoglosso e o núcleo vestibular médio na região reticulada ponto piramidal e isso aumenta as tensões cervicais”.  Aí o ideal seria medir a distância mínima que o olho vai conseguir relaxar (e ficar reto).

Ficar de bruços para ler o dito-cujo também não é legal. Sobrecarrega as regiões “cervical e lombar da coluna, o que pode causar contraturas musculares — e, claro, muita dor. Além disso, as vértebras aumentam a pressão sobre os ligamentos, acelerando o processo degenerativo provocado pelo desgaste natural”. Isto sem falar na hiperextensão do pescoço e do consequente desalinhamento dos ombros e cotovelo. Para evitar este calvário, caros leitores, basta manter a coluna ereta, “mantendo os braços apoiados para reduzir o esforço dos músculos e tendões”, reitera o doutor Faloppa. E sem projetar o pescoço para frente.

É. As maravilhas do mundo moderno vieram mesmo para ficar. E trouxeram alguns outros problemas também.

  • Outrora conhecida como “cotovelo de tenista”, a epicondilite lateral sofre o mesmo processo de formação pelo uso do joystick.

  • Ficar olhando durante muito tempo para a tela de um computador, smartphone ou tablet reduz a quantidade de piscadas e resseca os olhos. Resultado: ardência. Colírio lubrificante minimiza o desconforto. Usar vários desses aparelhos de uma vez pode causar dores de cabeça, por “mudar o foco para diferentes objetos rapidamente, seguidas vezes (…)”, de acordo com o (então) presidente da Sociedade Brasileira de Oftalmologia, o doutor Aderbal Alves Junior.

  • Fones de ouvidos potentes, capazes de reproduzir sons com de 100 decibéis ou mais, podem “provocar sensação de ouvido entupido, zumbido e perda de audição”. Nossos ouvidos toleram, “sem riscos, sons de até 80 decibéis”, diz Oswaldo Laércio Mendonça, otorrino do Hospital Sírio-Libanês, em São Paulo.

  • Finalmente, chegamos então ao “dedão de BlackBerry”. Esta lesão é causada por “movimentos repetitivos do polegar quando se manuseiam os diminutos mouses e teclados (…)”.

Claro que neste corre-corre do dia-a-dia, falar é fácil, fazer é que são elas. Mas são estes pequenos passos que podem ajudar a prevenir grandes lesões.

Não deixa de ser um admirável mundo novo. Mas sempre com velhos problemas ressurgindo…